Vale-pedágio: o bilhete do atraso decenal
A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 6031 trouxe surpresa a toda a comunidade jurídica, ao ratificar uma desproporcional multa por não adiantamento dos custos do pedágio nos transportes rodoviários de carga, equivalente a duas vezes o preço do frete.
Ou seja, é a indenização por não pagamento de obrigação acessória estabelecida na dobra da obrigação principal. Multiplica-se o valor do pedágio não pago por oitenta. E o resultado prático disso é a multiplicação do preço do frete por 3 (três).
Essa desproporcionalidade, em abstrato, torna-se um risco concreto de severos prejuízos a todo o setor envolvido com logística, leia-se em alto e bom som, o setor produtivo e todo o comércio, por força do vigente entendimento do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Estaduais sobre a prescrição.
Segundo ele, em todos os contratos de transportes ocorridos nos últimos 10 (dez) anos, embarcadores e subcontratantes podem se ver obrigados a pagar mais duas vezes o valor do frete, mesmo que o ajuste vigorando com o transportador tenha sido a inclusão dos custos do vale-pedágio no preço total, como ocorre com qualquer atividade econômica realizada.
Esse entendimento ocorre fundamentado em suposta lacuna legal existente no Código Civil, que iniciou sua vigência em 2003, e que revogou a parte do Código Comercial do século XIX, que previa a prescrição anual das indenizações decorrentes dos contratos de transporte.
Se um juiz do século XIX visse o que atualmente vem ocorrendo com a interpretação dos tribunais quanto ao prazo prescricional aplicável à indenização do vale-pedágio, certamente ficaria horrorizado.
Pensaria: como os transportes terrestres evoluíram, abandonando as carroças puxadas por animais, cruzando-se em máquinas automatizadas o país em poucos dias, trafegando-se em modernas rodovias asfaltadas! Como, mesmo tendo ficado muito mais rápido e dinâmico o transporte terrestre de cargas, esse prazo prescricional para as indenizações aumentou de um para dez anos!
A Lei n. 11.442/2007 veio justamente para compor o caos criado pelo vazio legislativo com a revogação parcial do Código Comercial, e regular, de forma específica, o principal modal de transporte de cargas no Brasil: o transporte rodoviário de cargas.
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No artigo 18 dessa lei, está prevista a prescrição ânua para todas as reparações de dano decorrentes dos contratos de transporte. Ou seja, as indenizações de caráter contratual, independentemente de elas terem sido criadas por lei.
É verdade que essa lei nem mesmo completou um ano, e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA e a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho - ANPT ingressaram com a ADI 3961, objetivando, em específico, a declaração de inconstitucionalidade do art. 18, que estabelecia a prescrição anual. E que essa ação somente foi julgada improcedente no STF em abril de 2020, juntamente com a ADC 48, declarando-se a constitucionalidade de toda a lei que regula, de forma específica, os contratos de transporte rodoviário de cargas.
É verdade que, para o STJ, julgar prescrita a pretensão de uma ação usando o prazo prescricional de uma lei possivelmente declarada inconstitucional não seria a coisa mais recomendável. No entanto, seguir deixando de aplicá-lo, depois do julgamento de improcedência da ADI 3961, constitui um verdadeiro contrassenso.
O STJ já declarou, em diversos acórdãos, que a indenização por não adiantamento dos custos do pedágio é de caráter contratual. E, se há uma lei que regula, de forma específica, esse tipo de contrato e afirma que a prescrição para reparação de danos decorrente dele é anual, por que motivo seguir “pulando” essa lei, para aplicar o prazo residual de dez anos previsto no Código Civil?
Simplesmente restringir a eficácia do art. 18 às hipóteses do art. 17 seria o mesmo que transformar artigo de lei curta (não codificada) em parágrafo de artigo. Seria agir como legislador positivo, prevendo na lei o que dela não se contém ou lógica ou teleologicamente se deduz. Em última análise, seria tergiversar para deixar de aplicar acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade.
Hoje, os bilhetes apagados do vale-pedágio se transformaram em bilhetes mágicos, que vão multiplicar por três os custos com o frete prestado ao longo de dez anos.
Será que o setor produtivo vai conseguir suportar esses custos também?