Vamos limpar o tapete?
Com certeza não estamos falando aqui de nenhuma solução incrível de limpeza, ou um método mais rápido para facilitar o seu dia a dia. Quando falo de tapete, falo de emoções. E porque? Quando pensamos em emoções logo pensamos em amor, em sentimento, em fraqueza e impotência..
Isso, principalmente por causa da tecnologia. O homem e o robô lutando contra a vida não é nosso tópico de hoje e, se tudo der certo, nunca será. Então, o que emoções e a inteligência artificial tem a ver? NADA! E é sobre isso que quero falar.
Muito se especula sobre a capacidade que a inteligência artificial, os robôs, os computadores quânticos - e assim por diante - chegarão. Alguns dizem sobre o fim de muitos empregos, a submissão da raça humana (a velha história da criatura X criador), a superação de raciocínio e inteligência de toda espécie artificial perante a nossa espécie.
Começando do princípio, não existe raça artificial. A tecnologia é um produto desenvolvido pelo ser humano, e chegará até onde o ser humano permitir. Está e sempre esteve em nossas mãos definir seus rumos, seus avanços, atrasos, obstáculos e conquistas. Sofia, Romeu, Asimo e todos os outros robôs humanóides foram criados para os mais diversos motivos. Com toda certeza nenhum deles tem o propósito secreto de destruir nosso planeta.
Isso não quer dizer que em algum momento, se, nas mãos erradas, essa tecnologia possa ser usada de forma drástica. A tecnologia sempre esteve a frente do tempo do homem e ele sempre pôde usá-la de forma errada (como já o fez inclusive): bombas nucleares, armas de fogo,...Se pararmos para refletir um pouco a "culpa", se assim podemos chamar, por toda a destruição que a tecnologia já causou, iremos perceber que o cerne do questão são as emoções mal trabalhadas do ser humano que de fato permitiu tanta demolição.
Não afirmo aqui que é só por causa delas, mas vamos nos ater a fatos: a Primeira Guerra mundial se desenrolou a partir de um sentimento de vingança, crenças e amor à nação. Não sejamos ingênuos pensando que foi só isso, mas com toda certeza essa foi a gota d'água que permitiu a virada de chave para o início do conflito. Cortamos a cena para a Segunda Guerra e toda crença cega, amor, devoção de um povo e um líder cujas emoções eram completamente exacerbadas e imorais, sem qualquer embasamento a não ser o seu pensamento. Um pouco mais a frente, temos a Guerra da Caxemira, que aconteceu em sua maior parte devido a disputas por poder e ganância.
O que todas elas tem em comum é que foram desenhadas a partir de escolhas. Estas, feitas a partir de emoções. Foram as emoções que fizeram os líderes tomarem suas decisões, construírem suas estratégias e disseminarem seus objetivos, visões e crenças. Mais do que isso, sabemos que só a emoção é capaz de conquistar um povo, transformar um discurso em um mantra, um desejo em uma visão, um objetivo em sonho; um futuro completamente arquitetado pelas imaginações emotivas dessas figuras ao longo da história. De novo, o que isso tem a ver com a tecnologia?
Tudo e nada. A cada guerra, os países estavam mais preparados, com armas que seus inimigos muitas vezes desconheciam, ou não possuíam a mesma destreza. A tecnologia sempre esteve ali, mas não foi ela que causou toda esse assolamento, ela só foi o meio. E meios, nunca faltarão. O ser humano sempre soube as consequências de seus atos e os realizou de forma consciente, movidos pela emoção mal trabalhada, ignorada, e não controlada.
Ao adentrar na Guerra Fria, no entanto, podemos entender que o mundo se tornou mais receoso. Podemos sugerir que foi nessa época que a raça humana começou a ter "medo" da tecnologia e de seus efeitos. Foi um pouco antes dessa época que se conheceram os verdadeiros efeitos e consequências do mal uso de toda essa inteligência tecnológica em escala global: a bomba atômica. O homem havia desenvolvido uma arma capaz de dizimar quase o mundo inteiro de uma só vez e isso passou a assustar e a encorajar. Sentimentos misturados: medo e receio foram os "drivers" dessa nova época. O individualismo causado pela desconfiança no outro, o desenvolvimento bélico e de inteligência da informação construído a partir disso poderiam ter destruído o mundo antes mesmo do "bug do milênio."
Foi dessa época, no entanto, que dado todo esse poder da tecnologia, o ser humano começou a tentar não escutar suas emoções. Ignorá-las, jogá-las de canto, escondê-las. Isso porque ela já havia causado muitas decisões erradas quando aliada a tecnologia, não é mesmo? Imagine só com uma tecnologia desconhecida. Grupos foram formados para pensar no futuro do mundo, regras, leis, acordos e tratados de paz. As relações políticas deixaram de ser realizadas por anseios e vontades, mas pensando nas consequências do período.
Pulando alguns anos da história, vemos que cada vez mais o ser humano tornou-se cético, racional, duro e direto. Foi importante para a humanidade que houvesse esse tempo. Foi essa capacidade de abstrair emoções, pensar, focar, raciocinar, que pôde desenvolver tantos gênios, inventores e assim por diante. Foi graças a esses momentos que o ser humano chegou onde está hoje.
O problema foi que o que aconteceu não foi uma evolução, muito menos um aprendizado e um atingimento de um novo estágio de maturidade. O que o ser humano passou a fazer, foi jogar as emoções para debaixo do tapete. Não poderia sentir, porque isso seria uma fraqueza, um ponto através do qual o inimigo poderia atingir e conquistar. A tecnologia poderia vencer, decisões erradas poderiam ser tomadas. Então porque não ignorá-las? Toda essa inteligência e "ceticismo", com certeza ajudou a termos algumas descobertas, mas o tapete está muito sujo agora, e com cada calombo, que não está dando mais para esconder.
As sujeiras estão voltando a superfície. Não as tratamos da forma correta quando ainda nem entendíamos o potencial do nosso produto. Hoje, o que nos incomoda é medo de até onde o nosso próprio potencial pode chegar. Entendemos que as emoções, em certos momentos nos cegam e isso fez com que as enxergássemos como negativas, prejudiciais e algo a ser evitado. Sendo assim, os robôs e qualquer criatura tecnológica passaram a ser automaticamente "superiores" exatamente por não possuir emoções comprometendo seu raciocínio lógico - tarefas são mais eficientes, não são levados por desejos, são diretos e obedecem.
De acordo com a Lei de Moore, essa eficiência toda cresce exponencialmente e perto de 2045, é esperado que atinja seu pico, superando toda inteligência humana conjunta. Realmente isso assusta. E esse é o primeiro passo para limparmos nosso tapete.Teremos máquinas mais inteligentes que nós, realizando muitas tarefas melhores do que nós (algumas nem conseguiremos fazer). Isso empurra a sujeira para fora. Como esconder esse incômodo? Hoje, robôs já constroem fake news, pulam muros, sobrevivem condições que o corpo humano não consegue nem imaginar. De fato, isso trará consequências em modelos de trabalho, profissões, tarefas do dia a dia e muito mais. Esse receio do desconhecido está começando a nos fazer sentir novamente e ninguém pode afirmar o que vem por ai, mas com toda certeza tem algo que só nós humanos temos e podemos desenvolver. E isso, só depende da nossa vontade de deixar o tapete limpo de novo.
Não, os robôs não poderão sentir. Quem quiser saber mais, essa palestra da professora do MIT Aleksandra Przegalinska é muito esclarecedora:
Nos foi dado esse dom das emoções por algum motivo e somente nós (pelo menos neste planeta) conseguimos performar de acordo com os sentimentos. Pode ser que ainda não enxerguemos essa vantagem competitiva. Temos em nosso inconsciente coletivo, todo o mal causado pela má administração das emoções aliada a tecnologia. Ainda não chegamos nesse nível de maturidade e ainda não desenvolvemos nossas criaturas para que nos façam refletir tanto sobre isso. Um dia a conta chega. E quando chegar, vamos agradecer que a nossa principal fraqueza no passado é o que nos tornará maior do que nosso medo no futuro. São as sujeiras no tapete que irão nos salvar de nós mesmos.
Parece mais um clichê, mas se tem algo que aprendi esse ano e levo pra vida é que tudo é sempre sobre as pessoas. Sempre foi e sempre será: seja na tecnologia ou em qualquer outro setor/ambiente. Douglas Rushkoff bem disse: "Está na hora de unirmos o Team Human". As emoções unidas, sempre vencerão a inteligência aplicada. É dado o tempo de abanarmos o tapete, deixar vir toda a sujeira para fora. Vai ser trabalhoso, talvez até demorado, mas quanto antes a faxina começar, mais cedo teremos um novo tapete para relaxar.