Vamos servir até quando?
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Vamos servir até quando?

O tanto que essa imagem e episódio repercutiram nas últimas 24 horas, me remeteu a muitas situações parecidas: contadas por pares (pretos) meus ou vivenciadas por mim.

A forma sutil mas de uma tamanha agressão em que o racismo estrutural nos machuca, nunca é declarado como racismo e sempre vem seguido com um pedido de desculpas, tamanha é a normalidade das situações em que a branquitude nos coloca no lugar de subserviência pelos seus vieses inconscientes (conscientes talvez?).

Quero deixar aqui o relato de um conhecido meu (com sua devida autorização) de uma situação de racismo vivenciado com um motorista da Uber.

Júlio Vieira, mais conhecido como Sambista Julião, é conhecido aqui na cidade de Campinas e região pela sua performance como cantor de samba e instrumentista de cavaco e banjo. Um belo dia, preciso de um uber para ir ao estúdio gravar e estava acompanhando de seu instrumento (cavaco). O motorista fez aquela "piada" infeliz, dizendo que o instrumento é aquele o qual se pode tocar algemado.

Oi, tocar algemado? Essa foi a indagação de Júlio. As situações de racismo, sempre nos pegam desprevenidos. Quando estamos conversando sobre, sempre dizemos que vamos reagir assim ou assado. Mas quando acontece ... vem aquela sensação de impotência, de pensar que: será que é isso mesmo que ele(a) falou? É isso mesmo?

Quando a situação ainda piora, Julião pacientemente disse ao motorista que é necessário muito estudo para se tocar o instrumento. E o motorista insiste em dizer que mesmo assim dá pra tocar algemado ... e paramos por aqui com as agressões.

Mas de onde o motorista tirou isso? Lembra, que em 1.890 houve a Lei dos Vadios e Capoeiras - era uma lei que os que perambulavam pelas ruas sem trabalho ou residência comprovada iam pra cadeia? Antecedente a esta lei, em 1.850 - Lei de Terras - negros não podiam ser proprietários? Quando veio a Lei Áurea mesmo?

O instrumento veio de Portugal (do qual fomos colônia), passou a integrar desfiles de escolas de samba e começou a ser instrumento indispensável para sambistas e pagodeiros (em sua maioria são pessoas negras).

E qual é a relação dessa piada racista? Relacionar pessoas pretas ao aprisionamento carcerário (são 64% dessa população), dados comprovados de que o perfil pelos aprisionamentos são feitos pela cor da pele, sem ao menos a devida averiguação para a prisão (muitos são presos erroneamente ou aguardam longas datas por julgamento).

A constante relação de pessoas pretas a atos de vadiagem e malandragem, é um viés que vem sendo trabalhado desde sempre pensando no extermínio dessa população desde os tempos do Império. Você ainda muda de calçada quando uma pessoa preta anda em sua direção? Quando vê um preto correndo pensa logo que ele está fugindo da polícia e nunca que ele possa estar atrasado?

Quantos vieses inconscientes ainda atravessam o seu pensamento?

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