As vantagens de se construir uma planta piloto de conversão de energia térmica oceânica (OTEC) no Brasil

As vantagens de se construir uma planta piloto de conversão de energia térmica oceânica (OTEC) no Brasil

Como a conversão da energia dos oceanos pode estimular outras atividades offshore? As unidades OTEC são vistas como concorrentes das unidades eólicas quando se trata de energia renovável offshore. Contudo, é preciso ressaltar que há uma grande diferença entre os dois conceitos. A primeira, OTEC, pode produzir outros recursos além de energia, enquanto a segunda, eólica offshore, oferece apenas a produção energética como benefício. Portanto, partimos deste fato para argumentar que o Brasil poderia explorar sua vocação para OTEC, utilizando esta técnica para, por exemplo, aumentar a competitividade de seu setor de óleo e gás, com a elevação do fator de recuperação, com a ampliação da vida útil de campos maduros ou mesmo com o aproveitamento da infraestrutra de poços abandonados.  

Esta ideia não é nova. Os noruegueses vêm desenvolvendo projetos neste sentido seguindo a vocação oferecida pelas características de sua costa, que conta com mares agitados e muito vento.  Portanto, cada país deve seguir sua vocação. O Brasil poderá também explorar a energia eólica offshore sem prescindir de sua vocação para conversão da energia térmica, assim como muitos outros países beneficiados pelas altas taxas de incidência solar.  Além de ter um potencial para favorecer o setor de óleo e gás, seguindo o modelo norueguês para energia eólica, os sistemas OTEC podem favorecer a produção de água dessalinizada – demandada pela indústria – e maricultura offshore, criando condições para que o país entre no circuito de grandes produtores de pescado.  Neste breve texto tentamos detalhar estas características para que sirva de motivação e desperte o interesse de importantes stakeholders nos mercados de óleo e gás, dos estaleiros, do setor industrial e de maricultura.

Para que OTEC se torne realidade no Brasil é preciso dar o primeiro passo, investindo em uma planta piloto que permita a tomada de decisão de aumento de escala do sistema com base em dados científicos, confiáveis, que sirvam de subsídio não somente para o Brasil como para outros países interessados na tecnologia. Esta planta piloto só será possível com o apoio de empresas dos diversos setores beneficiados por OTEC, pelo Governo, pelas Universidades e também como o apoio internacional proveniente de especialistas que têm se debruçado sobre este assunto ao longo de toda a sua carreira.

Vocação brasileira

De acordo com a International Energy Agency, no Offshore Energy Outlook divulgado em 2018, a energia oceânica tende a ganhar espaço nas próximas décadas, substituindo parte da eletrificação dependente de combustíveis fósseis.  Espera-se que nas próximas décadas o uso de energia renovável offshore tenha um crescimento expressivo, apesar da concorrência com as suas alternativas onshore. Por exemplo, turbinas eólicas offshore apresentam melhor fator de capacidade, contudo têm a desvantagem da distância em relação à costa, o que torna aspectos como manutenção e instalação mais complexos e, portanto, mais caros. De acordo com o mesmo relatório, a tendência é de que tais projetos se tornem cada vez mais otimizados, assim como os recentes projetos de óleo e gás, de maneira que se tornem mais competitivos. A energia renovável oceânica já é uma realidade.

Sobre a energia oceânica no Brasil, é forçoso repetir que o país conta com uma costa de 8.500 km, condição que faz do Brasil um candidato a líder no setor de energia oceânica offshore para qualquer tecnologia, seja ela eólica, solar, de ondas ou OTEC. A exploração de óleo e gás na costa brasileira poderia ser parte de um ambiente mais dinâmico, de sinergia com outras atividades no ambiente offshore. 

A exploração comercial de energia renovável oceânica ainda está em expansão, especialmente com as turbinas eólicas no hemisfério norte.  Contudo, há incerteza com relação à demanda por óleo e gás nas próximas décadas, como é destacado no relatório da IEA (2018).  Seria interessante que empresas de óleo e gás atuantes no Brasil aproveitassem este ambiente favorável para iniciar atividades na área de energia renovável no hemisfério sul. Para que isto ocorra é necessário um ambiente propício do ponto de vista de regulação e de financiamento para projetos deste tipo. O apoio das universidades é indispensável. 

 

OTEC

A energia eólica offshore tem ganhado destaque em relação a alternativas como energia das ondas, maré e OTEC. O predomínio da energia eólica é consequência do desenvolvimento por décadas de plantas piloto no Mar do Norte para este tipo de dispositivo. Dentre essas opções, a menos conhecida no Brasil é OTEC, cuja sigla traduz Conversão de Energia Térmica Oceânica. Trata-se de um conceito criado no final do século XIX, tendo sido, inclusive, testado pelo cientista George Claude na costa do Rio de Janeiro na década de 1920. Após a Segunda Guerra Mundial e o sucesso do petróleo como fonte energética, OTEC foi abandonada, até a crise do petróleo de 1970. OTEC possui virtudes e desvantagens, sendo seu principal problema a baixa eficiência, tendo sido este fato a motivação de estudos científicos com o intuito de melhorar sua performance. Para saber mais confira o artigo de Stefano Landini (2015). Por outro lado, as diversas vantagens de OTEC fazem com que esta tecnologia seja vista como uma espécie de panaceia, impossível de ser realizada. Além de produzir energia 24/7, tendo potencial para ser utilizada como energia de base, OTEC ainda pode fornecer subprodutos, como pescado, refrigeração, água dessalinizada, entre outros. 

Tais subprodutos não entram na conta do custo nivelado. Obviamente que as demais alternativas, como onda, vento e maré, não podem produzir a mesma quantidade de recursos que OTEC. Portanto, pessoalmente considero OTEC em outra categoria, sendo a energia apenas um dos seus produtos. Trata-se de um sistema com potencial de produção multipropósito, sendo inapropriada a comparação com energia eólica offshore, por exemplo.

 

Plantas Piloto de OTEC

Há perspectivas de aumento da quantidade de plantas piloto de OTEC no mundo, especialmente após a criação da OTEA (Ocean Thermal Energy Association), instituição sem fins lucrativos criada para propagar e estimular o uso de OTEC para diferentes fins em diversas partes do mundo. Um dos maiores desafios dos proponentes de OTEC em seus respectivos países – que é o meu caso no Brasil – é o convencimento das empresas e investidores das vantagens, a médio de prazo, de se investir nesta tecnologia e, assim, levantar fundos para a criação de uma planta piloto.

Ao contrário das turbinas eólicas, já plenamente desenvolvidas e seguindo uma trajetória de expansão, o sistema OTEC carece de plantas de teste offshore que demonstrem a sua viabilidade em grande escala e permitam encontrar novas funcionalidades. Um dos maiores obstáculos para isso é a falta de infraestrutura. Unidades offshore são caras e complexas, exigindo custos significativos de construção e manutenção. Contudo, a decisão de descomissionamento de diversas unidades de exploração de óleo e gás modifica este cenário.

Uma planta piloto offshore em um país com as características que serão listadas a seguir é o passo natural após a realização de importantes avanços em outras partes do mundo.  Tem-se, por exemplo, o sucesso da unidade de teste da Makai Offshore Engineering, que abastece 120 casas no Havaí, com perspectivas de expansão para 120.000 casas com uma unidade offshore de 10 MW (Figura 2).

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Figura 1 - Planta piloto da Makai Ocean Engineering, localizada no Havaí, com capacidade de produção de 100 kW.


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Figura 2 - Conceito de OTEC onshore e offshore (Makai Ocean Engineering).

Outra unidade piloto de sucesso foi construída na prefeitura de Okinawa, no Japão, fornecendo 100 kW para a rede de abastecimento da cidade de forma contínua.  Esta potência foi adotada inicialmente como teste de estabilidade de fornecimento. Há planos de aumento desta potência para os próximos anos (OTEC News).

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Figura 3 - Planta piloto em operação na cidade de Okinawa, Japão. Forncimento de 100k W para a rede com perspectiva de aumento (OTEC News).

 As plantas em funcionamento, por si mesmas, refutam qualquer argumento que afirme a impossibilidade técnica de OTEC. Obviamente que o aumento da planta traz outros desafios, porém o conceito está em pleno funcionamento. Além dessas plantas há outras que já foram desativadas ou que estão em fase de planejamento. Há grandes perspectivas na Índia, na Indonésia e na Malásia, que conta com uma parceria do governo do Japão no escopo de um grande projeto de pesquisa chamado SATREPS.

Condições ambientais

Estando o Brasil na faixa tropical, onde o oceano é mais aquecido, suas condições são apropriadas para OTEC, assim como muitos outros países, tais como Malásia, Indonésia, Austrália, diversos países da África, Índia, Colômbia, México e países da América Central.  Países com maior desenvolvimento tecnológico, como Japão, Holanda, Estados Unidos e França, têm investido na pesquisa e desenvolvimento de OTEC. A Figura 4 ilustra a temperatura do oceano na costa brasileira no inverno.

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Figura 4 - Temperatura da superfície do mar na costa brasileira no inverno. (IBGE, Atlas Geográfico da Zona Costeira Brasileira)

A dissertação de Josiane Gomes Paulo, publicada pela UFPE em 2016, apresenta, entre muitas outras informações, a termoclina na costa do nordeste brasileiro, que descreve o perfil vertical de temperaturas do oceano; os dados utilizados por Josiane Gomes Paulo indicam que a temperatura mínima de 5oC é atingida a apenas 400 m de profundidade na costa de Pernambuco (ano de 2012). Esta característica se mostra extremamente favorável para OTEC, uma vez que representa uma redução de custo do duto de captação de água fria, também conhecido como Cold Water Pipe (CWP). Ainda mais importante é o fato de que uma redução na profundidade do CWP implica em maior confiabilidade estrutural, sendo este um dos maiores desafios de sistemas OTEC atualmente.

Some-se a este fato que a Zona Econômica Exclusiva do Brasil apresenta uma área de 3.574.811 km2 dos quais cerca de 1/3 é excelente para aplicação de OTEC. Esta característica deu origem ao termo Amazônia Azul, área de grande potencial de desenvolvimento que conta com variados recursos naturais e enorme potencial energético.   


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Figura 5 - Termoclina na costa de Pernambuco nos anos de 2010 e 2012, em diferentes distâncias da costa (Dissertação de Josiane Gomes Paulo).

O sistema OTEC é ideal para apoiar o estímulo de diversas atividades offshore da Amazônia Azul, servindo como unidade de apoio. De acordo com Avery & Wu (1994), a melhor configuração para OTEC é de unidades móveis, que possam aproveitar a melhor diferença de temperaturas, otimizando o processo.  Portanto, uma unidade OTEC deve, preferencialmente, se deslocar livremente em determinada área, sendo este deslocamento para produção de energia ou para apoio a outras atividades, como mineração ou abastecimento de embarcações, cujo sistema propulsivo deve ser gradualmente atualizado para sistemas elétricos nas próximas décadas.

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Figura 6 – Amazônia Azul, zona econômica exclusiva brasileira (Marinha do Brasil).

Oportunidades de Produção

Como foi afirmado anteriormente, o aspecto negativo de OTEC é sua baixa eficiência. Em virtude da pequena diferença de temperaturas é indispensável o uso de grandes vazões de água do mar, tanto do fundo quanto da superfície, para a produção da potência desejada. Apesar deste desafio, o sistema é sustentável e pode gerar energia de base por 24 h sem problemas de intermitência que afetam sistemas de energia eólica ou solar. A comparação entre OTEC e alternativas de produção de energia offshore é ainda prematura, uma vez que não há plantas piloto de OTEC offshore para uma avaliação mais precisa do custo nivelado. 

A comparação em termos de energia produzida é comum na área de produção de potência, porém não se aplica adequadamente a OTEC, uma vez que este sistema possui subprodutos de alto valor agregado, como proteína animal e água dessalinizada. Outro subproduto relevante é a refrigeração. 

Com a captação de água fria do fundo do mar, nutrientes que podem servir como insumo para a atividade de maricultura offshore são transportados para a superfície. O Brasil possui grande potencial de produção de peixes, moluscos, ostras e camarões, porém é ainda limitado pela falta de um mercado interno que estimule o crescimento da indústria de pesca. O professor Ronaldo Cavali, da UFRGS, explica detalhadamente os desafios da psicultura marinha no Brasil, com ênfase na produção do Beijupirá (Cavali et al, 2011).  Entre os desafios para esta atividade estão a formação de pessoal, a realização de pesquisas, investimento governamental e parceria com a iniciativa privada, tendo como foco de estudos o controle de doenças e o fornecimento de alimentação adequada para a engorda dos peixes. 

Some-se a este fato a necessidade de desenvolvimento da psicultura marinha offshore, que diminui as pressões sociais decorrentes da competição entre a pesca industrial e a pesca artesanal, como é muito bem explicado pelo oceanógrafo Hugo Juliano Hermógenes, em sua tese defendida na UFPR em 2020 (Hermógenes, 2020). Portanto, um sistema OTEC pode ser parte de uma solução para um conflito social que vem afligindo as comunidades pesqueiras há décadas, além de colocar o Brasil na rota dos países que contribuirão de forma significativa para a meta da FAO de provimento de 60% da proteína animal a partir da maricultura.  A Figura 7 ilustra o Beijupirá, peixe adaptado à costa brasileira com grande potencial de exportação.

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Figura 7 – O beijupirá é um peixe que se adapta ao ambiente costeiro brasileiro, tendo grande potencial de exportação.

Apesar de contar com a maior bacia hidrógrafica do mundo e com uma costa de 8.500 km, o Brasil é apenas o décimo terceiro colocado na produção de aquicultura, como pode ser visto na tabela a seguir, publicada pela Associação Brasileira de Criadores de Camarão (2018). A aplicação de tecnologias oceânicas que estimulem esta indústria, ainda que para exportação, é uma oportunidade para o Brasil. 

A maricultura offshore tem como um dos maiores desafios o custo de logística, uma vez que os sistemas de produção longe da costa tornam o produto muito caro e, portanto, pouco competitivo (Para saber mais ouça o podcast LabbryCast 006, com Hugo Juliano Hermógenes). A plataforma OTEC pode servir como posto avançado de monitoramento do sistema de maricultura offshore, enquanto a logística pode ser compartilhada com as unidades de produção de energia renovável e mesmo de óleo e gás. 

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Figura 8 - Produção brasileira de pescado (ABCC, 2018)

Este cenário é bastante diverso do que se tem visto até hoje. Porém, dadas as possibilidades de sinergia entre diversos setores no ambiente offshore, é possível que a cadeia logística utilizada para o setor de óleo e gás atenda, ao menos em parte, outras áreas como a maricultura offshore, representando um aumento de competitividade dos setores, dado que tais custos podem ser compartilhados.

Contudo, a produção de pescado não é o único efeito colateral benéfico de OTEC. Existem três tipos de ciclo OTEC, o primeiro e mais comum é conhecido como Ciclo Fechado, que é um ciclo de Rankine, cujo fluido de trabalho usual é a amônia. O segundo tipo de ciclo é conhecido como Ciclo Aberto, cujo fluido de trabalho é a própria água do mar. O terceiro e último é conhecido como Ciclo Híbrido, que reúne as características dos dois ciclos anteriores. 

O ciclo aberto consiste na captação e vaporização da água do mar localizada nas camadas superiores do oceano, que apresentam maiores temperaturas. No ciclo aberto a água aquecida captada da superfície é vaporizada em uma câmara a baixíssima pressão. O vapor originado nas câmaras de evaporação é direcionado à turbina a vapor para produção de potência, passando então pelo condensador para dar origem à água dessalinizada.   Este ciclo pode ser visualizado esquematicamente na figura preparada por Hamedi & Sadeghzadeh (2017).

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Figura 9- Diagrama esquemático do ciclo aberto (Hamedi & Sadeghzadeh, 2017) .

Ao contrário do mercado de pesca, praticamente inexistente no Brasil em comparação com seu potencial de produção, a demanda por água dessalinizada é relevante, tanto para a indústria quanto para agricultura. O gráfico apresentado na Figura 10, obtido da Agência Nacional de Águas (ANA,2020), aponta um incremento na vazão de retirada de água, com leve redução na demanda em 2014, motivada pelo cenário externo que causou a desaceleração da economia.

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Figura 10 – Aumento da demanda por água para a indústria (ANA, 2020).

Portanto, o aumento na oferta de água é de suma importância, e no caso de OTEC esta produção é um subproduto do processo.  Além disso, deve-se destacar que a região nordeste, com melhores condições para acolher esta tecnologia, é a segunda com maior demanda por água para a indústria, ficando apenas atrás da região sudeste, como mostra o gráfico retirado do mesmo relatório da Agência Nacional de Águas (ANA,2020).

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Figura 11 – Proporção da demanda de água entre as diferentes regiões (ANA,2020).

Queima Zero e Hidrogênio

A queima de gás natural no flare das unidades de produção é um problema enfrentado por todas as companhias de óleo e gás. Para lidar com este problema tem-se pensado em alternativas como a exportação do gás. Porém, para que isto ocorra é necessária uma infraestrutura que nem sempre está disponível e pode não ser viável, a depender do volume de gás a ser exportado.  Países como Noruega e Dinamarca lideram as pesquisas de integração de sistemas offshore que tem utilizado o hidrogênio como parte da solução desta integração. 

De acordo com a publicação Der Veer et al (2018), existem três tipos de hidrogênio, classificados de acordo com o seu método de produção. O primeiro deles é o hidrogênio cinza, resultante da transformação do gás natural pelo método de reforma do metano com vapor d’água, utilizado em 80% das plantas em operação. Este método deu origem à liberação de 1.25 milhões de toneladas de CO2. Uma alternativa é o hidrogênio azul, que consiste no sequestro e armazenamento do CO2. Futuramente, com a expansão dos métodos de produção de energia elétrica offshore, será viável a produção do hidrogênio verde, baseado exclusivamente na eletrólise. Sobre este sistema Jepma & Chot (2017) prepararam um detalhado estudo, incluindo aspectos de viabilidade econômica.

No Brasil, uma configuração a ser estudada seria uma planta OTEC que forneceria a energia necessária para a produção de hidrogênio a partir do gás natural queimado no flare. A produção de CO2 seria armazenada por meio de CCS, dando origem ao hidrogênio azul.  Esta configuração seria possível uma vez que a tecnologia de reforma de metano para produção de hidrogênio já está plenamente desenvolvida e é utilizada largamente em diversas instalações industriais, devendo permanecer como tecnologia dominante nos próximos anos (IEA, The Future of Hydrogen, 2019). Recentemente tem-se citado o processo CCUS (Carbon Capture Utilisation Storage), que é baseado na busca por alternativas que gerem valor agregado a partir do CO2 após o transporte deste por pipeline ou navio.

No trabalho de Jepma & Schot (2017) argumenta-se que o transporte de energia para a costa utilizando hidrogênio poderia ser limitado pela falta de infraestrutura. Pode-se ainda citar as limitações impostas pela demanda energética para liquefazer o hidrogênio, levando a problemas de espaço para armazenamento do hidrogênio produzido. A associação de hidrogênio com nitrogênio, dando origem à amônia, é uma importante alternativa para o transporte energético. Além disso, a amônia é largamente utilizada na indústria agrícola, para a produção de fertilizantes. 

 

Campos Maduros

Outra possível importante contribuição de OTEC consiste no aproveitamento energético para aumento da produção de campos maduros, seja para a disponibilidade de energia para compressores e bombas hidráulicas do processo, seja para para injeção de água. Uma unidade OTEC poderia, conceitualmente, atender a diversos poços para aumento da recuperação. Esta técnica estaria alinhada com os planos da Agência Nacional do Petróleo, que prevê a possibilidade de estender a vida útil dos campos produtores de petróleo e gás (FGV,2021). Novamente, há evidente vantagem para a região nordeste, que conta com diversos poços em fase de abandono, com previsão de crescimento deste número nos próximos anos.

 

Cadeia de Valor

De acordo com a IEA (2018), há grande potencial de aproveitamento das atividades dedicadas ao setor de óleo e gás para o desenvolvimento da eletrificação offshore. Esta sobreposição de atividades é chamada de sinergia, permitindo o compartilhamento dos recursos para ambas as atividades. Aqui acrescentamos, por nossa vez, a atividade de maricultura offshore, que também pode contar com a mesma infraestrutura logística. Por exemplo, embarcações de apoio utilizadas para plataformas de óleo e gás podem também ser utilizadas para unidades renováveis do tipo OTEC, ou qualquer outra modalidade renovável. O mesmo fato se dá com as unidades de manutenção, dutos, cabos e também sistemas de transporte de pessoal. 

Estaleiros podem ser adaptados para a construção de unidades renováveis offshore, sejam estas do tipo OTEC, eólica, solar ou ondas. Esta sinergia deve favorecer o surgimento de novas frentes de trabalho, novos nichos de mercado, com possível estímulo da economia. Em suma, trata-se de um novo setor econômico. Para que isto ocorra cabe ao Brasil a preparação para estas atividades, criando plantas piloto que permitam criar dados que sirvam de base para a montagem de uma infraestrutura confiável.

 

Descomissionamento

O Brasil faz parte do seleto grupo de grandes produtores de petróleo, contando com uma grande quantidade de plataformas a serem descomissionadas, havendo ainda a perspectiva de aumento da produção de gás até 2040 (IEA, 2018). Portanto, o ambiente offshore brasileiro tende a permanecer movimentado, com unidades saindo de operação a cada ano, a partir de 2021.

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Figura 12 – Quadro de plataformas a serem descomissionadas (FGV,2021).

O Caderno de Descomissionamento da Fundação Getúlio Vargas (2021), explora as oportunidades da área de descomissionamento, trazendo a discussão a respeito do aproveitamento de tais unidades. Esta discussão está presente também no Offshore Energy Outlook, da IEA. Uma das aplicações das unidades é a transformação em recifes artificiais. A segunda opção é a desmontagem da unidade, sendo esta alternativa a de maior custo. Por fim, tem-se a opção de direcionar a unidade para outros fins, tais como a produção de energia renovável.


 Conclusão

O Brasil faz parte de um grupo de países com características favoráveis para a aplicação da conversão de energia térmica dos oceanos, além de contar com uma cadeia logística offshore que pode servir para construir uma sinergia com unidades de eletrificação offshore. A conversão de energia do oceano oferece ainda subprodutos que podem contribuir para o abastecimento industrial, tais como água dessalinizada e refrigeração, além de fornecer insumos que estimulam o setor de maricultura offshore, área com possibilidades de expansão para os próximos anos.   

O Brasil pode seguir o modelo adotado pela Noruega para a implantação de eletrificação offshore. Naquele país dá-se ênfase à energia eólica, dadas as características do Mar do Norte. No hemisfério sul muitos países são banhados por oceanos com águas aquecidas, sendo mais adequada a conversão de energia dos oceanos, OTEC, ainda que associada a outras fontes, como eólica, solar ou de ondas.  A eletrificação offshore pode tornar a atividade de exploração de óleo e gás mais competitiva, além de favorecer a redução da emissão de gases poluentes. 

A decisão de descomissionamento de diversas unidades a partir deste ano de 2021 tende a oferecer inúmeras oportunidades de implantação de tais projetos de eletrificação offshore. Este é, portanto, o momento ideal para se iniciar uma planta piloto de OTEC que possibilite o levantamento de dados para uma futura exploração comercial desta tecnologia pelo Brasil.

 

Referências

International Energy Agency, 2018, Offshore Energy Outlook

Landini, S., 2015, Competitiveness of Ocean Thermal Energy Conversion (OTEC) systems compared with other renewable technologies

Paulo, J.G., Distribuição vertical dos nutrientes dissolvidos no nordeste do Brasil entre as latitudes 6º20s e 7º33s, UFPR, Departamento de Oceanografia, 2016

Avery, W. , Wu, C. , Renewable energy from the Ocean, Oxford University Press, 1994

Cavali, R. Domingues, E.C., Hamilton, S., Desenvolvimento da Produção de Peixes em Mar Aberto no Brasil, Revista Brasileira de Zootecnia, v. 40, pp. 155-164, 2011

Hermógenes, H. J., O desenvolvimento recente da maricultura no Brasil: políticas de incentivo ao setor, impactos e injustiças socioambientais nas comunidades pesqueiras artesanais, Tese, Departamento de Oceanografia, UFPR, 2020.

Revista da Associação Brasileira de Criadores de Camarão, Ano XX, no. 2, Novembro de 2018, p. 8

Hamedi, A.S., Sadeghzadeh, S. , Conceptual design of a 5 MW OTEC power plant in the Oman Sea, Journal of Marine Engineering and Technology, 2017

Agência Nacional de Águas, Água na Indústria: Uso e coeficientes técnicos, 2017

Der Veer, E., Koornneef, J., Peters, R. , Offshore System Integration as a Transition Accelerator in the North Sea, 2018

International energy Agency, The Future of Energy, 2019

Jepma, C. J., Schot, M, On the economics of offshore energy conversion: smart combinations, Energy Delta Institute, 2017

Fundação Getúlio Vargas, Caderno de Descomissionamento, FGV Energia, 2021

 







Gregory R. Navarre

Chief Technical Officer at Energy Harvesting Systems, an Ocean Thermal Energy Conversion & Production company, focused on 10 MegaWatt and larger Floating & Shorebased OTEC systems.

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Please email me the English version. You have my address via OTEA

Martin Brown

Managing Director - Ocean Energy Systems Limited, Aberdeen

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This looks like an interesting article. If you get chance to post a version in English that would increase the size of the audience. Thanks, Martin

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