Verdade e Piedade (segunda parte): reunindo o que Deus não separou
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Verdade e Piedade (segunda parte): reunindo o que Deus não separou

Conforme observamos no artigo anterior, a verdade e a piedade, embora distintas, são inseparáveis, tal qual a luz e o calor do sol (segundo João Calvino). Todavia, em nosso tempo, temos observado a polarização desses dois elementos-chave da vida cristã no debate entre aqueles que desejam resgatar as verdades bíblicas às custas da prática da piedade (por exemplo, jovens teólogos recém-deslumbrados com a descoberta das doutrinas da graça, e muito orgulhosos do fato) e aqueles que desejam renovar a piedade da igreja às custas da reflexão sobre as verdades centrais da fé cristã (por exemplo, jovens obreiros engajadíssimos na evangelização, na obra missionária e em projetos assistenciais, mas sem o mesmo zelo pelo estudo cuidadoso das Sagradas Escrituras). Como podemos sanar essa polarização indevida e infundada no Corpo de Cristo? Ora, examinando esse embate pela ótica do próprio Senhor da Igreja, Jesus Cristo.

1. Uma igreja da verdade sem a piedade

Logo no início do livro de Apocalipse, nos capítulos 2 a 3, encontramos uma série de alertas e advertências emitidas pelo Senhor Jesus Cristo a diferentes igrejas espalhadas por diferentes cidades dos tempos do apóstolo João.[1] E logo na primeira igreja abordada – no caso, Éfeso (Ap 2.1-7) – ouvimos o Senhor Jesus rasgando elogios à seriedade com a qual aquela igreja tratava da sua perseverança na sã doutrina, resistindo homens maus e impostores que ameaçavam a igreja com seus falsos ensinos e suas falsas práticas. (cf. Ap 2.3,4,6)

Todavia, em seu zelo pela defesa da verdade, a igreja em Éfeso havia descuidado do seu zelo pela sua devoção ao Senhor e uns aos outros (i.e. seu “primeiro amor”; cp. Ap 2.4; Mt 22.37-40). Ou seja, por mais paradoxal que possa parecer, ao combater pelas verdades cardeais da fé cristã – o que o Senhor Jesus elogia nos cristãos efésios! – ela corria o risco de deixar de lado o igual cuidado com o cultivo da piedade. Se e quando isso acontecer conosco, o próprio Senhor Jesus nos convoca ao arrependimento e ao retorno ao nosso primeiro amor. (Ap 2.4)

Afinal de contas, a defesa da verdade jamais pode vir às custas da piedade – ainda mais quando a verdade em questão diz respeito à soberania e à santidade de Deus, que deve produzir em nós maior reverência e humildade em nosso viver, e não maior soberba e arrogância. Do contrário, ainda não compreendemos corretamente as verdades que professamos e defendemos.

2. Uma igreja de piedade sem a verdade

Por outro lado, na sequência do texto, ouvimos o Senhor Jesus emitindo rasgados elogios e sonoros alertas a outras igrejas mais comprometidas com a piedade do que com a verdade. Tanto nas cidades de Pérgamo como de Tiatira, os cristãos são reconhecidos pelo Senhor pela sua fé sacrificial, pelas suas obras, pelo seu amor e pela sua perseverança. (cf. Ap 2.13,19)

Contudo, iludidos talvez pela falsa segurança da operosidade da sua fé, estas mesmas comunidades cristãs haviam relaxado sua vigilância contra os falsos ensinos destrutivos de líderes perversos, resultando em comportamentos imorais e indecorosos entre os membros dessas igrejas. (cf. Ap 2.14,20) Tal desequilíbrio entre o zelo pela piedade e pela verdade não resultou na aprovação do Senhor, mas sim na sua ameaça de juízo contra os que confiavam em seu ativismo cristão às custas da defesa das doutrinas do Evangelho. (cf. Ap 2.16,23)

Portanto, a prática da piedade jamais pode vir às custas da defesa da verdade – até porque são as verdades bíblicas que fomentam e norteiam a piedade agradável e aceitável aos olhos do Senhor. Do contrário, toda piedade – por mais entusiasmada e frutífera que seja no momento – corre o perigo de desviar-se num zelo desequilibrado e tolerante de ensinos e práticas que conduzem à impiedade.

3. Resgatando a união da verdade e da piedade na igreja

Por isso, nem uma coisa nem outra agradam ao Senhor da Igreja: nem a verdade sem a piedade, nem a piedade sem a verdade. Somente a união da verdade e da piedade pode manter a igreja firme na defesa e na promoção do Evangelho.

Posto de outra forma, não pode haver discrepância nem conflito entre a mensagem e os mensageiros do Evangelho. Quando atentamos mais para o conteúdo da nossa mensagem (a verdade) ou mais para as consequências desta mensagem na vida dos seus mensageiros (a piedade), corremos o risco de negligenciar o outro lado da equação e, por fim, comprometer ambos. Somente quando a mensagem e os mensageiros, a verdade e a piedade, andam de mãos dadas, o Evangelho pode avançar com integridade e eficácia neste mundo – assim como foi com aquele que é o centro do Evangelho, Jesus Cristo.


Que Deus nos abençoe!

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[1] Independentemente da sua visão interpretativa do livro de Apocalipse, é bastante claro que os alertas emitidos aos cristãos das igrejas de Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia não se dirigem exclusivamente a cada uma daquelas igrejas, mas a todas as igrejas locais alcançadas por este texto (cf. o refrão “Aquele que tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas.” (Ap 2.7,11,17,29; 3.6,13,22; NVI)


Por: John McAlister

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