A verdade nua e as lições para a Educação a Distância.

Eu gosto de história e de estória, então decidi começar esse texto contando uma estória bem interessante: A parábola da Verdade e da Mentira.

 Seu autor é desconhecido, pelo menos até onde pude pesquisar, porém sua mensagem é tão atual que escolhi a mesma para iniciar esta reflexão. Vamos a estória:

 A Mentira encontrou com a Verdade e disse:

– Bom dia, Dona Verdade.

E a Verdade foi comprovar se realmente era um bom dia. E era, então respondeu:

– Bom dia, Senhora Mentira.

E a Mentira continuou:

– Está muito quente hoje.

E a Verdade, vendo que a Mentira era sincera, tranquilizou-se, baixando a guarda.

A Mentira, então, convidou a Verdade para tomar um banho de rio. Ela tirou a roupa e pulou na água convidando a Verdade a fazer o mesmo e a Verdade fez e ainda comentou:

– Realmente, a água está deliciosa. 

Uma vez que a Verdade, caiu no rio, a Mentira correu, saiu da água, vestiu-se com a roupa da Verdade e fugiu perambulando por aí, feliz por toda vida.

A Verdade, por sua vez, ao sair do rio, recusou-se a vestir as roupas da Mentira e, não tendo do que se envergonhar, saiu desnuda, a andar por aí. Até que um dia andava a visitar os homens, e todos que a viam se incomodavam com sua presença, virando-lhe as costas de vergonha ou medo. E a Verdade acabou nos confins da terra rejeitada e desprezada.

Uma tarde, a Parábola, que passeava alegremente, num belo traje muito colorido, encontrou a Verdade triste a abatida e então perguntou:

- Verdade, por que estás assim?

E a Verdade respondeu:

- Porque devo ser muito feia já que os homens me evitam tanto!   A Parábola rindo sugeriu:

- Toma, veste algumas das minhas roupas e vê o que acontece.

Então a verdade pôs uma das mais lindas vestes da Parábola e, de repente, por toda a parte onde passava era bem-vinda. Resolveu voltar até a Parábola para perguntar o motivo de tamanha mudança no comportamento dos homens e a Parábola respondeu: 

- Os homens não gostam de encarar a verdade nua. Eles a preferem disfarçada!

Aos olhos dos homens é mais fácil aceitar a mentira vestida de verdade, do que a verdade nua.

Nessa parábola, mais do que refletirmos sobre nossas limitações em lidar com a verdade, temos uma dica para se dizer a verdade de modo adequado. A personagem Parábola, ao vestir a Verdade com suas roupas, possibilitou que a mesma adquirisse a habilidade de embelezar uma verdade inconveniente, dando a ela um tom mais aceitável, pois sem isso ela seria intolerável e mais difícil de ser aceita. 

E a Educação a Distância? Quais as verdades e mentiras que já ouvimos sobre ela? Vamos fazer uma reflexão sobre os principais acontecimentos políticos e culturais envolvendo essa modalidade de educação, tendo em vista a legislação e nossa experiência de dez anos conduzindo ambientes de aprendizagem, instituições, cursos, docentes e alunos na EAD. 

A EAD vem colaborando para a formação educacional em vários níveis já há bastante tempo. Seu crescimento, considerável, diga-se de passagem, está alinhado com o aumento do interesse da sociedade em adquirir conhecimentos a um custo menor e de forma mais flexível, o que gera uma maior cobrança da população em relação as políticas públicas relacionadas a este tema.

Durante a pandemia de Corona Vírus, sua aplicação obrigatória desnudou muitas das mentiras ainda persistentes em relação a sua qualidade e necessidade, assim como fragilizou outras verdades ainda não tão bem consolidadas como se gostaria.

A verdade incontestável, nesse momento, é de que o acesso ao conhecimento (não confundindo obtenção de conhecimento com a obtenção de um diploma) proporciona as pessoas maiores oportunidades de trabalho e renda, o que pode conduzir a um processo de ascensão social contínuo.

Reflitamos então sobre a seguinte questão: As políticas públicas de educação aplicadas ao longo dos últimos vinte anos garantiram oportunidades de crescimento e desenvolvimento do cidadão no meio em que ele vive?

Entendemos que houveram soluções em relação ao oferecimento de vagas, ou seja, existem vagas para todos na educação básica, já no ensino superior as coisas são mais complexas, porém é inegável que os programas de acesso à educação superior como o PROUNI e o FIES contribuíram - sabemos hoje a que custo - para que muitas pessoas pudessem ser inseridas nesse nível educacional; mesmo que tenha significado rios de dinheiro para as instituições privadas. Dinheiro esse que poderia ter sido investido nas instituições públicas. Mas isso é assunto para outra conversa. Retomemos...

Porém, também é fato que temos muitas crianças, jovens e adultos fora do ambiente educativo pelos mais diversos motivos: Questões de acesso, necessidade de trabalho, não oferecimento do curso superior que se deseja para se formar profissionalmente, entre outros. Ou seja, em todos os níveis de ensino temos um contingente considerável de pessoas que, por motivos diversos, se viam e se vêem excluídos do modelo presencial.

Já a realidade que vemos quando atuamos na educação a distância, ou o que ouvimos daqueles que usufruem dessa modalidade, é a de que a EAD contribui de forma significativa na diminuição da desigualdade social, porque oferece acesso à educação às pessoas com diversos tipos de dificuldades para se deslocar ou permanecer todos os dias em uma unidade educacional. Outro fato inquestionável é que o valor da mensalidade, muito mais baixo no EAD, tem um peso considerável na decisão por essa opção.  

Na legislação brasileira temos nossa primeira conquista de direito à educação na constituição de 1934. Houve uma grande mobilização social reivindicando direitos e, como fruto dessa mobilização, o estado assume então a educação como bem público, que tem por objetivo oferecer educação pública de qualidade em qualquer escola do país, o que ainda não acontece nos dias de hoje.

A EAD vem se apresentando como uma modalidade de ensino que viabiliza a expansão do saber aos que necessitam e vem permitindo ao estado também expandir suas políticas de inclusão social, oportunizando educação a todos.

Até hoje a EAD enfrenta obstáculos políticos e culturais que comprometem sua expansão, o que é lamentável do ponto de vista de acesso à educação de qualidade de uma parcela considerável da população do nosso país. Para se ter uma ideia, somente em 1996 é que a lei de diretrizes e bases da educação apresenta a EAD como modalidade de ensino em todos os níveis, porém somente para complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais, situação essa que reflete o cenário atual.

E após isso ainda tivemos que aguardar por mais 5 anos para que a lei 10172/01 definisse a EAD como meio auxiliar de indiscutível eficácia para enfrentar os déficits educativos e as desigualdades regionais na educação. Apesar disso a oferta de cursos em outros níveis de ensino que não a graduação e as especializações não é expressivo e ainda enfrenta muita resistência.

Mais recentemente, final do ano de 2018, tivemos a câmara de educação básica do conselho nacional de educação aprovando as novas diretrizes do ensino médio que prevê a possibilidade de até 20% da carga horária do ensino médio ser ofertada na modalidade à distância, chegando a 30% no ensino médio noturno, como estava em debate anteriormente. No EJA é possível oferecer até 80% de sua carga horária a distância.

Diante dos últimos acontecimentos, espera-se que um trabalho sério de revisão seja iniciado, pois a adoção da EAD em todos os níveis de ensino – por conta da situação de emergência que enfrentamos - acabou por derrubar muitas resistências e muitos mitos em relação a sua eficácia e eficiência, e levantou muitas verdades ocultas em relação a estrutura de acesso, formação do docente, preparo das escolas e das políticas públicas para sua implantação.

Que possamos aproveitar este momento tão difícil e triste para tirar dele boas reflexões, aprendizados, experiências e resultados que fortaleçam a busca por uma educação que respeite a igualdade de direitos e de qualidade para todos em todos os níveis e em todos os cantos desse nosso imenso País.

Que a verdade nua e crua – que nos foi escancarada pela pandemia - sobre a real situação sócio econômico e educacional de nossa população possa, além de nos incomodar muito, fazer com que nos mexamos para que essa verdade seja, em breve, uma coisa do passado.