Violência de gênero: como transformar debates públicos em conversas educativas nas organizações?

Violência de gênero: como transformar debates públicos em conversas educativas nas organizações?

Esta semana assistimos enojados o debate sobre o direito ao aborto em segurança (garantido por lei desde 1940) da criança negra de 10 anos estuprada pelo tio desde os 6, caso este que trouxe alguns dados à tona: 

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, a cada hora, quatro meninas de até 13 anos são estupradas no país, de acordo com dados oficiais citados nesta matéria do Portal Geledes. Todos os dias, seis abortos em meninas de 10 a 14 anos são realizados no Brasil. O país registra também uma média anual de 26 mil partos de mães com idades entre 10 a 14 anos. Não estamos diante, portanto, de um caso isolado, mas de crimes cometidos cotidianamente em todas as cidades e classes sociais, ainda que mais presente em locais mais vulneráveis em termos socioeconômicos.

Não estivéssemos grande parte de nós em regime de home office, esta conversa estaria nos corredores das empresas. E é provável que esteja nas fábricas que estão funcionando, nos grupos de whatsapp e em outras interações entre colaboradores, o que me faz pensar que é importante - apesar de seguirmos revoltadas e enojadas (principalmente nós mulheres mães de crianças e adolescentes) - abordar o tema com enfoque propositivo, porque precisamos melhorar enquanto sociedade. U r g e n t e m e n t e.

Empresas são espaços educativos e temas como este não deveriam ser considerados polêmicos, mas sim como conversas essenciais sobre cuidado coletivo, combate à violência de gênero e preservação da vida. São considerados polêmicos porque debatemos do ponto de vista moral, quando deveríamos pautar sob a ótica da cidadania e das políticas públicas. Também são considerados tabus, temas que não podem ser conversados em nenhum espaço, e sabemos que o silêncio é grande aliado das violências. 

Deixo aqui algumas sugestões de ações que podem abrir caminhos para que o debate em situações como esta alcance patamar educativo nas empresas e em outros espaços de convivência pública: 

Estabelecer o diálogo a partir de dados, no lugar das opiniões pessoais

Muito embora todos nós tenhamos opiniões pessoais sobre quase todos os assuntos, as situações que acometem a sociedade e envolvem cuidado coletivo demandam o olhar sob o ponto de vista de políticas públicas. Pode não ser fácil, mas é importante ajudarmos as pessoas a perceberem que nossas posições pessoais são permeadas por crenças e valores morais – que são diversos e impossíveis de alçar consenso – e, portanto, não são critérios úteis para tratar de calamidades públicas como a violência de gênero. Lançar mão de dados e apresentar estudos que embasam políticas públicas, demonstrando a grandeza e a complexidade desta realidade é uma ótima forma de convidar a todos para uma reflexão mais consistente e embasada. Acolher as opiniões pessoais – quando não contrariam a lei – também é importante, mas sempre acompanhado do convite para ir além de si e se aproximar do universo do outro. E para a falta de consenso há a legislação, e ainda bem que ainda podemos nos amparar nela. Quando os marcos legais do nosso país ainda são insuficientes, cabe buscar referências multilaterais, como as diretrizes da Organização Mundial da Saúde e boas práticas de países desenvolvidos.

Reafirmar o compromisso com o respeito, com o combate à violência e o cuidado coletivo em todas as oportunidades

Divulgar e reafirmar compromissos assumidos, ou mesmo aproveitar a oportunidade para criar diretrizes empresariais, caso não haja, de acolhimento a mulheres vítimas de violência. Engajar-se e apoiar projetos sociais que combatam a violência contra mulheres e crianças também são formas responsáveis e coerentes para que profissionais e organizações se tornem mais proativas nesta pauta.

Orientar sobre ações práticas que devem ser tomadas em casos semelhantes

Educar lideranças e colaboradores em geral sobre como agir e como acolher mulheres que podem estar diante de situações de violência de forma educativa, incluindo orientações de acesso a canais da empresa e aos canais legais para tanto. É importante que todas as pessoas saibam, especialmente as mulheres, que a empresa é um espaço seguro e que elas não estão sozinhas, e onde podem procurar ajuda sem que sejam julgadas. Para isso, é importante que a empresa diga de forma clara qual é o comportamento esperado de todos os colaboradores em situações que envolvam colegas de trabalho. 

Convidar todas as pessoas, especialmente os homens, para refletir sobre as consequências da masculinidade tóxica. E convocar à mudança.

O modelo de masculinidade padrão que associa os homens à violência, à agressão e ao domínio das mulheres está na raiz das múltiplas formas de violência de gênero e implícito no imaginário coletivo da nossa sociedade. É necessário ampliar a conversa sobre novos modelos de masculinidade, mais conectados ao cuidado e ao respeito. Hoje há diversos coletivos de homens pautando esta conversa, além de filmes e leituras que trazem ótimos insumos para esta reflexão. Buscar aliados para este movimento e criar campanhas e espaços para abordar as masculinidades saudáveis é um caminho frutífero, capaz de transbordar para além dos muros da organização.

Estas ações podem ser encabeçadas por profissionais de todas as áreas, membros de comitês de diversidade, grupos de afinidades e lideranças diversas. Liderança aqui se entende como pessoa formadora de opinião, e isso independe de cargo e posição hierárquica. Ser tocado por um tema e ter informação de qualidade que pode agregar para um diálogo construtivo trás junto uma responsabilidade. Vamos ser a mudança que queremos neste mundo?

Beatriz Santa Rita

Especialista em D&I, sócia-fundadora e consultora na Diverse, consultoria voltada a transformar realidades – de pessoas e organizações – por meio da diversidade e inclusão. Sou professora de pós-graduação, mãe da Maria Laura, filha que cuida, voluntária em projetos de educação e preparação de jovens para o mundo do trabalho.

Vou adorar receber seu comentário sobre o que escrevo!

Email: beatriz@diversesolucoes.com

Instagram: @diversesolucoes

Monique Cabral

Executive Assistant C level | Inclusion and Diversity | Events Management | Office manager | Post Graduate FIA

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Que reflexão necessária!

Marilia Barros

Analista de Carreiras no Insper | Psicóloga Clínica

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Bia, obrigada por esse texto, você me inspira muito <3

Aline Fernandes (ela/ella/she)

Gestora de Diversidade, Equidade e Inclusão na Transpetro | Cultura | Clima | Engajamento | Pertencimento | Comunicação

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Excelente reflexão.

Jennifer Jacomini (Ela)

Professora de Artes | Produtora de conteúdo | Digitadora em tempo real | Tradutora Português – Espanhol 🎭✍🏾🖥️ ⌨️

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Excelente contribuição, Beatriz Santa Rita! Obrigada!

Guilherme Gobato

🌐 Diálogos Entre Nós | Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I) | Cultura Inclusiva | Equidade | Interseccionalidades | ESG Racial | Consultor DEI | Palestrante | Colunista e Conselheiro DE&I | Instagram @gui_gobato

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reflexões muito necessárias. Parabéns pela narrativa, Bia!

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