Virtudes ou pecados

Já que estamos no LinkedIn, fica aqui meu desafio: procure essas três empresas:

• Bosch
• Groupe Renault
• ExxonMobil

Vá na aba "Pessoas" e dê uma olhada numa meia dúzia de perfis de cada um. Repare que as carreiras geralmente seguem um padrão: estagiário por 1 ano aqui, 2 anos acolá, 3 anos naquela outra, 2 anos fazendo isso e aquilo e, no fim, 14 anos na Renault! - da era mesozóica até agora.

Agora me diga uma coisa: como pode a Grande Istartápe de Tecnologia Brasileira, "que já está revolucionando o mercado de maneira suuuuper disruptiva" e que tem algum Softbank da vida injetando dinheiro nela igual tua vó socando farofa no cu do frango pro Natal, não conseguir reter os desenvolvedores de software por mais que meros 4 anos enquanto uma empresa que produz furadeiras e parafusadeiras mantém a galera por lá durante mais de uma década?

Como pode?

Bem, eu tenho um chute: porque as empresas ainda dependem mais dos pecados das pessoas do que das suas virtudes.

Um exemplo simples: uma empresinha meio-merda está pagando 10k/mês para um desenvolvedor sênior. Para este, é botar o pé pra fora para ter, garantido, pelo menos 12k/mês. Ou seja: na pior das hipóteses, ele ganha 20% de aumento. É razoável imaginar que consiga 40%, inclusive. Entretanto, ele permanece na empresa.

Por quê? Seria alguma virtude? Talvez. Mas acho bem mais provável que seja um pecado: pura preguiça.

Logo, o que mantém esse desenvolvedor na empresa não é um senso de propósito, um apego ao time, uma admiração pelo produto, um desejo de realmente fazer alguma diferença no mundo por meio daquilo com o que trabalha -- não, ele fica lá por preguiça de se meter num processo seletivo, talvez até com medo de ser rejeitado.

Preguiça. Medo. Isso é parte da política de retenção de talentos da sua empresa?

Quando escrevi o Manifesto Dev, agora há pouco, falei muito sobre "bullshitagem". E um pouco do que é bullshitagem é a empresa que vive de chavões, como "somos a maior empresa de coisar as paradinhas da América Latina!" ou os genéricos "empoderamos pessoas" ou até "juntos somos mais que um!", mas que no fim do dia tem a preguiça e o medo como as únicas maneiras de reter seus funcionários.

Todo mundo, da gestão ao operacional, são um bando de acomodado. Ninguém está lá porque acha realmente bom, e só quem acha bom são os de ego inchado que tem a oportunidade de ter para si um exército particular de zumbis...

Pergunte para os funcionários: "por que você continua na empresa?" e veja se há nos olhares um mínimo de brilho, independente da resposta, ou se rola simplesmente aquele embaraço momentâneo e a busca rápida por motivos genéricos como "sempre temos novos desafios".

Lembro bem de ter trabalhado num time que só queria, literalmente, "um chocolatinho". Literalmente. Um dia chegou uma "caixa misteriosa" pelos Correios e eu fui abrir achando que seria um quitute bacana da empresa (porque salário, que todo mundo também pedia, não ia vir pelos Correios) e era uma porcaria de uma caixa de máscaras cirúrgicas. E mais nada.

A galera tava tão largada às traças que qualquer, qualquer!, demonstração de que alguém se importava já daria um gás imenso para a equipe. E isso foi falado para o "People", foi falado para alguns "C-level", foi falado para qualquer um que estivesse em posição de fazer isso acontecer, mas passaram-se meses e não foi feita absolutamente porcaria nenhuma e quem era mais esperto vazou e quem já tinha se resignado agora está lá, acomodado.

Mas os chavões, ah!, eles iam de vento em popa! E isso é bullshit.

Se as pessoas estão trabalhando na sua empresa porque gostam, porque é onde elas sentem que podem por em prática suas virtudes, então há pouco a temer: os gringo precisam se esforçar muito para chegar nesse patamar, não é o faroeste que as outras empresas vivem.

Agora, se as pessoas estão acomodadas, se preparem: o próximo "Manifesto" pode bem começar com "um fantasma ronda as empresas de tecnologia" e terminar com "devs acomodados do mundo, uni-vos!"...