Voando às cegas

Dois aviões comerciais, um 737-800 da Gol e um ATR-72 da Azul, quase colidiram sobre o Estado da Bahia nesse último domingo. Essas duas aeronaves juntas podem transportar até 250 passageiros e, segundo as notícias, essas aeronaves cruzaram-se no ar a uma distância de 200 pés (60 metros) quando a distância mínima estipulada pela Aeronáutica é de 1.000 pés (300 metros). A primeira providência da FAB foi afastar o Controlador de Tráfego Aéreo...

Quando leio essa notícia fico imaginando quantas foram as vezes que esse tipo de situação aconteceu, quantas aeronaves estiveram sob risco de colisão sobre nossas cabeças e quantas vezes eu, que frequentemente estou em uma dessas aeronaves, já passei por esse tipo de situação! E quantos Controladores foram afastados devido a ocorrências semelhantes à noticiada?

Não seria o caso de rever os procedimentos, sistemas e demais variáveis ao invés de afastar o profissional? Não importa o setor, se é aviação, manufatura, financeiro ou saúde. Quando existe uma situação de risco, a primeira providência é sempre o afastamento ou demissão do/dos profissional/profissionais que se envolveu/envolveram no ocorrido. É muito mais simples encontrar um “culpado”, um “bode espiatório” a assumir que existe uma oportunidade de melhoria nos processos e procedimentos. Será que algum dia o “modelo de gestão baseado na punição” vai dar lugar à revisão e melhoria de processos e controles a partir da notificação de situações de risco como a recentemente noticiada?

A cada vez que “punimos” um profissional envolvido em uma situação de risco, aumentamos o fator desmotivador para que outros profissionais reportem futuras situações semelhantes – que certamente ocorrerão caso não haja uma revisão nos processos e procedimentos.

Fazendo um paralelo dessa situação com o nosso sistema de saúde, quantas foram as situações de risco enfrentadas por pacientes internados nos nossos hospitais? Quantas medicações foram prescritas em dosagens não recomendadas e ministradas aos pacientes internados? E quantas foram notificadas? O que estamos fazendo para evitar que isso ocorra?

Segundo o relatório “To Err Is Human” do Institute of Medicine nos EUA (www.iom.edu), pelo menos 44.000 pessoas morrem nos hospitais americanos todos os anos devido a procedimentos que poderiam ser evitados. O número de mortes causadas por erros que poderiam ser evitados é maior que o número de mortes atribuído a acidentes de carros e cancer de mama nos EUA.  Dessas 44.000 mortes, 7.000 são atribuídas exclusivamente a eventos relacionados a medicamentos (13,9% inadequação às funções renal ou hepática, 12,1% relacioandas a histórico de alergias, 11,4% medicação incorreta e 11,1% dosagem incorreta).

De acordo com um outro estudo realizado pelo Governo da Espanha, assinado em conjunto pela Universidade Miguel Hernández e pela Secretaria General de Sanidad do Ministerio de Sanidad da Espanha, 3,47%  das internações sofrem algum tipo de “evento adverso relacionado a medicamentos”.

Eventos adversos relacionados a medicamentos acontecem em todos os hospitais nos quatro cantos do mundo. Esses eventos devem ser reportados e notificados com o objetivo de se melhorar os controles, buscando a redução do número dessas ocorrências. Se continuarmos a afastar ou punir nossos profissionais de saúde a cada evento ocorrido, estaremos incentivando a sub notificação dessas ocorrências e, consequentemente, perdendo a oportunidade de efetivamente melhorar a qualidade da nossa assistência.

Está na hora de mudar o modelo punitivo de gestão para o modelo de busca contínua pela melhoria dos processos. Todos estamos sujeitos a ser um dos passageiros em alguma aeronave em rota de colisão ou ser um paciente internado em algum dos nossos hospitais.

Daniel Sasajima

Helping companies to find and realize the value of AI and Automation.

9 a

Muito bom Ladeira.

Raúl Javales Jr

Innovation, Strategy , AI and Agility, applied to the Real World. (CSO, CTO, Board Member, Consultant, Speaker / Professor)

9 a

Show!! Para ler, refletir e compartilhar!!

Ricardo Rosas

Computer Scientist | Storyteller | Solution Finder | Problem Solver

9 a

Muito bom!

Jeremy Young

Lead Strategic Development Executive, Health Network - Federal & Canada

9 a

Luiz , este foi uma ótima leitura!

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