Você é um gênio ou conhece alguém que seja um gênio?
A inteligência era (e ainda é), em muitos casos, vista por aqueles que, em tese, não a possuíam, como objeto de desejo ou cobiça. Assim, crianças consideradas como inteligentes ou geniais, eram vítimas de agressões por parte de outras crianças. Infelizmente ainda é possível presenciar cenas deste tipo. Situações como esta foram objetos (principais ou secundários) de discussão em vários filmes e livros. Um dos exemplos é o filme O Jogo da Imitação, que conta a história do matemático Alan Turing. A obra é baseada no livro Alan Turing: O Enigma, de Andrew Hodges.
Apesar de algumas discrepâncias entre o enredo do filme e a realidade dos fatos, a questão da genialidade de Turing, em vários momentos do filme é mostrada como sendo uma característica que lhe trazia alguns problemas de relacionamento. Contudo a questão é muito mais ampla e, neste caso, pretendo destacar um pouco acerca da gênese do que se conhece como genialidade.
Normalmente, atribuímos a genialidade àquelas pessoas que, por algum motivo, são “agraciados por poderes divinos” ou por questões genéticas que as tornam diferentes da grande maioria.
Glenn Doman* questiona este fato, quando faz a seguinte afirmação em seu livro Como aumentar a inteligência do seu bebê:
“Deveríamos saber muito bem, há anos, que a genialidade não é um presente concedido a uns por Deus que, ao desejar que um número muito pequeno dos seus filhos fosse imensamente superior, desejou que a grande maioria de seus filhos fosse inferior. Menos ainda a genialidade é um acidente que acontece uma vez em cem, uma vez em mil ou uma vez em um milhão, sem ter explicação. Afinal, existe mesmo alguma coisa sem razão?”
É muito comum o conceito de que a genialidade é para poucos! Ao que tudo indica, o que vem ocorrendo é que, diante da quantidade de recursos tecnológicos que se tornam extensão do nosso corpo (em vários sentidos) somos “obrigados” a usar cada vez menos o cérebro e, desta forma, a genialidade vai ficando para aqueles que, por algum motivo que lhes seja essencial, resolveram continuar desenvolvendo o cérebro, apesar de tudo o que a tecnologia pode proporcionar.
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Por exemplo: há bem pouco tempo atrás, éramos capazes de decorar uma grande quantidade de números de telefone. Atualmente, em muitos casos, não sabemos nem o nosso próprio número. O smartphone, que armazena todos os números, faz com que esta necessidade deixe de existir. Quando, por algum motivo, perdemos este acesso (basta que a bateria se acabe e não tenhamos uma reserva ou um carregador), o caos se instala em nossas vidas. Precisamos ligar para alguém de um outro aparelho e não sabemos o número de cor, ou seja, não o temos em nossa memória.
Os estudos desenvolvidos pelo Dr. Doman vão encontrar respaldo em teorias sobre desenvolvimento da inteligência como a de Howard Gardner**, a Teoria das Inteligências Múltiplas. E aqui vai um comentário muito particular: uma das teorias mais elegantes sobre o desenvolvimento da Inteligência.
Os dois cientistas deixam claro que a inteligência pode ser desenvolvida em qualquer fase da vida. Obviamente, quanto mais cedo ocorrer este desenvolvimento, melhor será a rapidez e eficácia da aprendizagem. Outro aspecto significativo é a quantidade de variáveis que podem interferir neste processo incluindo fatores tais como crenças e valores dos pais.
Vivemos uma "ditadura" que defende o corpo em detrimento do cérebro. Cria-se, desta forma, uma cultura onde a utilização do cérebro e o desenvolvimento da genialidade é cada vez mais visto como exceção quando deveriam ser regra. Os gênios não deveriam ser vistos como pessoas exclusivas ou privilegiados por alguma força sobrenatural ou atavismo genético oriundo de um determinismo natural que privilegia uns poucos.
Em vários cenários, o gênio é retratado como alguém que é portador de vários problemas e necessidades oriundos de sua genialidade, o que não corresponde à realidade. Pelo menos não por causa de sua inteligência. Talvez inveja seja o caso mais comum. Aqueles que, por algum motivo, não desenvolveram sua inteligência, sentem-se diminuídos em relação àqueles que o fizeram e, como sua incompetência fica explícita, tentam “resolver” esta questão agredindo aquele que vem buscando continuamente a aprendizagem e o desenvolvimento.
Há todo um contrato social, econômico e educacional que são variáveis importantes neste processo. Crianças querem aprender sobre tudo o que ignoram. Comportam-se como verdadeiros cientistas. Precisamos, de forma gera, incentivar este comportamento. É o nosso dever, enquanto pais/responsáveis e professores, fazer com que esta ânsia seja satisfeita na maior quantidade e qualidade possíveis.
* Médico norte americano, fundador do Instituto para o Desenvolvimento do Potencial Humano na Filadélfia.
** Psicólogo cognitivo e educacional norte americano, ligado à Universidade de Harvard. Conhecido pela sua Teoria das Inteligências Múltiplas.