Você já tentou ser uma mulher no mundo online? - Entenda como o comportamento tóxico é prejudicial aos eSports

Você já tentou ser uma mulher no mundo online? - Entenda como o comportamento tóxico é prejudicial aos eSports

Uma sexta-feira qualquer, você liga seu computador após um longo dia de trabalho, tendo como como foco apenas relaxar. Senta na sua cadeira, toma um gole da sua bebida favorita, ajeita o headset, e parte para os servidores de um FPS ou MOBA qualquer.

Parece um cenário perfeito para tirar todo o estresse do seu dia, mas na prática, isso nem sempre ocorre.

O comportamento tóxico, que pode ser definido como a prática de ofensas verbais, via chat escrito, ou ações de exclusão, isolamento ou não cooperação dentro do ambiente online, motivadas ou não por qualquer tipo de discriminação ou preconceito contra etnia, gênero, classe social ou religião é fenômeno que preocupa a comunidade gamer, principalmente quando o assunto é o esporte eletrônico.

São diversos os casos de denúncia realizadas por usuários de plataforma online sobre o comportamento ofensivo de jogadores dentro dos servidores. Agora, vamos imaginar o mesmo cenário narrado, mas com uma mulher? Imaginou? Achou que seria diferente? Sim, é muito diferente.

Atualmente o mercado de eSports atinge, em sua grande maioria, o público na faixa etária de 14 a 36 anos no Brasil. Boa parcela desse público, é formado por mulheres, podendo o eSports ser considerado uma modalidade que possui grande potencial de inserção no universo feminino.

A audiência brasileira de eSports já é a terceira no mercado mundial, com mais de 77 milhões de pessoas e 55,7% da audiência sendo do sexo feminino.

Ocorre que tais números não se traduzem de forma clara no ambiente online e o comportamento tóxico de alguns membros possui uma grande parcela de responsabilidade nisso.

Eu fiz o teste, e alterando meu nickname atual para um nickname feminino, e colocando uma mulher no headset para comunicação, pude perceber como todo o cenário do jogo muda.

O experimento não é novo, muitos usuários já fizeram e o que não faltam são vídeos das próprias garotas mostrando o comportamento tóxico que precisam lidar nas salas.

E vamos lá..logar na Steam, e entrar no mundo do CSGO. Não foi fácil, não vou dizer que isso aconteceu em todas as salas, mas em grande parte sim, o comportamento tóxico estava lá.

O preconceito é visto de todas as formas. Se você joga mal alguma partida, isso aconteceu porque é uma mulher; Se o seu time joga mal um round, as criticas são mais direcionadas ao seu desempenho; se você joga bem, ou você é ofendida(o) ou está "xitado” (termo utilizado para quem utiliza trapaças no jogo).

Sem contar os pedidos de whatsaap, perfil no instagram, facebook etc...

A jogadora e youtuber Jéssica “Jessie Games” fez um vídeo de sua experiência no game PUBG 

A Constituição Federal é clara em seu artigo 5º, o qual dispõe que todos são iguais perante a lei, consagrando o princípio da isonomia e estabelecendo que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.

Atualmente, apesar das grandes conquistas alcançadas pelas mulheres na luta por uma sociedade livre de preconceitos, vivenciamos discriminações diárias. Um claro exemplo é a relação do salário que, quando comparado ao dos homens, demonstra-se menor, independentemente do nível de escolaridade e capacidade laboral.

O comportamento tóxico traduz em efeito direto ao cenário competitivo, onde é perceptível a diferença do número de competições femininas, em comparação ao cenário masculino, além dos valores das premiações manterem um patamar bem desproporcional.

Muitas equipes, preocupadas com as questões envolvendo o assédio e o comportamento tóxico como um todo, já estipulam dentro de seus regimentos internos e códigos de conduta, o combate à pratica de assédio, coibindo o comportamento tóxico de seus atletas e estabelecendo multas e punições.

O comportamento tóxico dos atletas reflete diretamente nas equipes, em virtude do principio da responsabilidade, ocasionando punições que podem ultrapassar a esfera pessoal do jogador, e atingindo a instituição como um todo.

A preocupação não é só das equipes, as Publishers também estabelecem canais de denúncia sobre assédio, e dentro dos regulamentos das competições disciplinam as regras de punição de atletas que praticam tais atos.

A Riot estabelece as regras de comportamento tóxico de League of Legends no documento "Código do Invocador", explicando o que é permitido ou não no game

A equipe dinamarquesa North, lançou uma campanha para combater comportamentos tóxicos em jogos competitivo chamada de #StopToxicity. A campanha já conta com o apoio das principais organizações de eSports do mundo, e tem como objetivo coibir o comportamento tóxico como um todo.

Muitas mulheres utilizam nicknames masculinos ou até moduladores de voz para poderem jogar se passando por homens, ou simplesmente desligam seu comunicador, prejudicando o desempenho limitando sua comunicação durante a partida, tão importante em jogos de desempenho.

Atenta a essa questão a ONG norte-americana Wonder Women Tech criou a campanha "My Game My Name", que incentiva as mulheres a não se esconderem, usarem seus nicknames reais e orientando as vítimas a denunciarem o assédio e jogadores a não praticarem ou aceitarem a prática.

No Brasil, a atleta Danielle Andrade “Cherna”, um dos destaques do cenário de R6, teve sua indicação contestada na premiação promovida pela Sportv pelo fato de ser a única mulher entre os indicados, sofrendo ataques de ódio nas redes sociais.

Recentemente em 2018 a Sky realizou o evento Go for Gaming, com o objetivo de reduzir o preconceito contra os jogos e jogadores online, e consequentemente reduzir as práticas de preconceito nas plataformas online, onde um dos painéis contou com mensagens de combate ao comportamento tóxico contra mulheres, com a presença da jogadora e CEO da Black Dragons Nicolle Merhy “cherrygumms”.

Combater o comportamento tóxico é dever de cada um participante do ecossistema gamer, e existem muitas formas de lidar com a situação no ambiente online:

  1. Denunciar o comportamento online realizado nas redes sociais, buscando a remoção do conteúdo e punição dos perfis envolvidos;
  2. Reportar comportamento tóxico dentro dos servidores da partida;
  3. Denunciar, se cabível, o comportamento tóxico realizado pelas redes sociais ou servidores para as autoridades policiais, haja vista que muitas das práticas podem ser caracterizadas como crimes;
  4.  Colher provas, prints, informações, logins, Nicks, ids para municiar os órgãos de denúncia sobre a identidade do ofensor.

  


***

Antonio Bratefixe

Advogado | Sócio de Có Crivelli Advogados | trabalhista | consultivo | contencioso | desportivo | eSports | Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Processo Civil pela PUC/SP | Especialista em Administração de Empresas pela FGV.

***

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos