“Você já tentou transformar a propaganda como um homem. Agora tente como uma mulher.”
Por esses dias, aconteceu uma coisa que já não acontecia há algum tempo: eu me senti sozinha e incapaz. Me senti vulnerável e esse sentimento de vulnerabilidade e exposição acabou comigo de maneira que, naquele dia, eu chorei indo pra academia, chorei enquanto corria na esteira, chorei na volta pra casa, no banho e, por fim, chorei até dormir.
Neste texto, não cabe o contexto deste gatilho em especial (“Gabi, só quem viveu sabe”): mas isso me colocou num lugar que me dilacerou e me atravessou, rasgando-me a carne como a garoa em “Negro Drama”, música do Racionais MCs, uma das faixas do álbum “Nada Como Um Dia Após O Outro Dia”.
Não que eu nunca tenha sido de “ser vulnerável”, mas alguns acontecimentos da minha vida me fizeram esquecer da minha vulnerabilidade para que eu pudesse dar atenção a outras coisas tão importantes quanto. E isso fez com que eu esquecesse, por muito tempo, que ela existia e colocou, perante as outras pessoas e perante mim, a imagem de uma pessoa forte, pessoa essa que, qualquer desafio, ela faz o corre, resolve, mata no peito e, no que parece um estalar de dedos, está resolvido.
Mas não é bem assim e só agora eu estou descobrindo isso.
Por muito tempo, eu levei a ideia de ser vulnerável como algo que me tornava fraca, frágil, pequena diante das pessoas. A propaganda que conheci e da qual eu ouvia e lia histórias em 2015 fez parte dessa construção. E eu muito pensei que se eu escondesse meus sentimentos, meus receios e minhas vulnerabilidades, eu seria agraciada com força o suficiente para entrar nesse mundo de leões, estrelas e gaiolas que é a propaganda.
Essa força foi se construindo em uma perspectiva totalmente errada do que era ser uma criativa negra no departamento com mais homens brancos por m2 na propaganda. Não que os outros departamentos de uma agência não sejam tão problemáticos quanto, mas é na criação que eu vejo um déficit de diversidade que posso considerar, no mínimo, assustador.
A primeira vez que me vi na propaganda onde eu queria trabalhar, de fato, foi em 2018. E, quando eu falo que "me vi", falo de pessoas igual a mim: criativas e estrategistas negras. Eu lembro da felicidade que eu senti ao me reconhecer nessas mulheres, para além de qualquer sofrimento que estava em nossas vivências.
Mas, no geral e nas minhas experiências profissionais, eu fui muito sozinha por muito tempo.
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Uma coisa que meu atual chefe fala, que é a frase de um amigo dele, inclusive, é que "para burlar o sistema, é preciso jogar o jogo do sistema". Para jogar como o sistema e subverte-lo, você precisa conhece-lo e disso eu tenho uma pista ou duas. Mas quando você aprende a jogar como o sistema joga, você se torna um alvo, alvo este que as pessoas mais interessadas com a manutenção desse sistema esperam uma deixa para atingir.
Por não compactuar com o sistema, revisitei uma solidão que há tempos eu não vivia. Mas um conselho de mãe (como quase tudo na vida), apaziguou esse sentimento e ele dá título a este texto: "Você já tentou transformar a propaganda como um homem. Agora tente como uma mulher."
Minha mãe, minha avó e todas as mulheres que vieram antes me criaram com a intenção de ver um legado sendo passado pra frente, legado este que a minha família, em sua maioria composta por mulheres, dita em seu discurso mais afetuoso e acolhedor: não há nada ou ninguém que seja mais capaz de transformar o mundo com rebeldia, propósito e liderança que uma mulher disposta a fazê-lo.
E todas nós, todos os dias, estamos dispostas.
Mesmo que cansadas e sem fôlego, estamos dispostas, presentes, atentas, fortes e vulneráveis também porque, ante ao desafio, a vulnerabilidade se torna a nossa maior força e nosso poder de criação se multiplica; ante qualquer crise somos líderes, criativas e exímias estrategistas.
Quando minha mãe me dá o conselho que intitula este texto, ela me lembra do que eu tinha esquecido: minha capacidade de transformação está na minha vulnerabilidade, onde estão a minha força, minha fome e toda minha rebeldia ante uma indústria tão cheia de privilégios e desigualdades.
Transformar a propaganda como uma mulher está além de jogar como o sistema joga: é se rebelar contra o sistema a ponto de incomodar quem mais se interessa em mantê-lo e conhecer o sistema o suficiente para fazê-lo perder em seu próprio jogo.
A partir daqui, eu farei o que acredito que tem que ser feito: vou transformar o mundo (ou, pelo menos, a propaganda) como uma mulher.
Head of Strategy & Data | GREY BRASIL Mãe do Pedro.
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