Você quer ter razão ou ser feliz?

Você quer ter razão ou ser feliz?

Essa é a pergunta da moda vigente no mundo corporativo contemporâneo, predominante principalmente na boca dos adestrados que se esbarram nas arenas políticas e que tentam consolar os imaculados.

Tenho duas reflexões a fazer. A primeira é que a palavra “OU” no questionamento é um conflito, e naturalmente temos uma tendência a não querer enfrentar conflitos. Quando digo conflito, quero me conter apenas nos conflitos internos do individuo que responderá tal questionamento. A segunda é que se gasta menos energia intelectual e empática escolhendo apenas uma das alternativas, visto que este é um estímulo de natureza biológica. Consequentemente o esforço em substituir o “OU” por um “E” é hercúleo.

A questão pode ser resumida em escolher o enfrentamento ou o não enfrentamento.

O adjetivo que escolho para este tipo de questionamento é MEDÍOCRE. A pergunta é medíocre porque ela estimula o egoísmo.

A escolha pelo enfrentamento

Quando a escolha é pela razão e a pessoa não tem um entendimento claro do que RAZÃO possa ser, o sujeito entra em sua bolha egocêntrica de querer “ter a razão”, ou seja, resolver alguma questão apenas do seu ponto de vista, visando primariamente seu benefício.

Gosto muito de uma definição filosófica de Razão que é “o pensamento moral, em sua função de orientar a conduta humana, prevendo as consequências e avaliando o significado das ações”. Esta definição estimula o indivíduo a não ser egoísta e sim investir seu cognitivo em um pensamento mais abrangente, trazendo fatos, argumentos e níveis de tolerância aos riscos que contemplem o bem coletivo em suas intenções de persuasão e influência.

Então querer ter a razão é louvável quando se busca um significado das ações para o bem coletivo. Isso é belo! Com este olhar o enfrentamento não existe.

A escolha pelo não enfrentamento

Quando a escolha é pela felicidade e a pessoa não tem um discernimento claro do que FELICIDADE possa ser, se contenta apenas com migalhas de contentamento temporário disponíveis nas grandes interações normatizadas. Uma etiqueta morna, que nas entranhas não consegue aquecer continuamente seu interior. É bom relembrar que a felicidade isolada sofreu seus ajustes inclusive na criação do Paraíso, segundo relato disponível nas sagradas escrituras. Isso inclusive é comprovado contemporaneamente nas mensagens finais de doentes terminais.

A verdadeira felicidade não esta no isolamento, abstenção ou fuga. Também não é alcançada através das grandes interações, mas nas microinterações. Vou explicar. O tempo todo existe uma tentativa de comunicação uns com os outros e não percebemos como bombardeamos e somos bombardeados com microinterações. Essas são transformadas continuamente em micro alegrias e micro mágoas nas entrelinhas das palavras.

Fazendo uso de uma metáfora, é como se estivéssemos todos dentro de uma piscina de um clube, onde o nosso ponto de conexão é a água. Nesta piscina existem crianças que constantemente costumam urinar nessa água. Dificilmente o conjunto de pessoas vão se aperceber do ocorrido, pois o resultado da necessidade fisiológica é imperceptível a olho nu. Apenas se alguém prestar atenção no semblante de tais crianças, no ato da ação, ira perceber traços de alívio ou satisfação em suas faces. Pois, depois do ocorrido é quase impossível descobrir a contaminação da água.

Trazendo para a nossa reflexão, somos essas crianças na piscina. Lançamos ou recebemos muitas vezes esta “urina” nas entrelinhas da comunicação. Tal “água” é contaminada diariamente e não conseguimos enxergar ou se dar conta no ato da ocorrência a fim de corrigi-la. Mas como “queremos ser feliz” (evitando o tal enfrentamento), nos contentamos com a água morna, visto que seja mais fácil esperar um grande tratamento da água de tempos em tempos. Um exemplo de tratamento são os grandes programas corporativos. Esses não são capazes de resolver detalhes comportamentais que surgem das entrelinhas dos relacionamentos (microinterações) e que estão pautados pelas minúsculas questões de autoconsciência contextual e maturidade social.

Não é possível subcontratar soluções para as microinterações, pois essas dependem do nível de maturidade da autoconsciência individual para assim se estimular a evolução da consciência coletiva. Em nossa metáfora, quando você sai da piscina e vai ao banheiro, seu respeito por cada pessoa está sendo observado em uma lente coletiva, esse estímulo é muito mais forte que as palavras.

Na maioria das vezes o problema não é o conteúdo da comunicação, e sim o seu tom e nível de observação. A urina é o tom e a falta de observação do semblante das demais “crianças” é a falta de empatia.

Abraçar apenas a felicidade individual por acreditar na existência de um enfrentamento é possuir dentro de si uma crença limitante.

Algumas pessoas que não possuem o entendimento do “tom” falam como se possuíssem um martelo na boca e não se apercebem disso, enquanto os que dispõem de tal sensibilidade, no prestar atenção no outro, parecem possuir algodão em seus lábios. Essas últimas efetivamente exercem felicidade do coletivo tendo como bandeira a resiliência e empatia.

Em um ambiente corporativo quando indivíduos exercitam a autoconsciência contextual e consequentemente buscam a maturidade social, é possível confrontar PROBLEMAS (E NÃO PESSOAS) para se alcançar a felicidade coletiva. A paciência, a resiliência e a busca do bem comum, aliadas a uma caprichada estratégia, são capazes de desmantelar elegantemente diversas arenas políticas que carecem de tal visão.

Consideração final...

Parafraseando Rubem Alves, não desejo que você simplesmente se comunique de forma autocentrada, o que desejo é que sua comunicação seja ingerida antropofagicamente pelos outros. Que eles sintam o seu gosto. Desejo que quem te ouça fique com olhos semelhantes aos seus, assim, eles verão o mundo da forma que você vê e as palavras se tornarão então desnecessárias.

Não viva o “OU” Viva o “E”! Busque a razão tendo como base o coletivo e seja feliz valorizando as microinterações para confrontar as situações e o desmantelamento oportuno de arenas políticas. 

Paulo Novais

A400M DASS Systems Engineer at Airbus Defense and Space GmbH

6 a

Texto interessante, Wantuir. Grande abraço!

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Wantuir Felippe S Jr

  • O Senhor do Jardim

    O Senhor do Jardim

    Há momentos em que a rotina, com sua aparente monotonia, nos presenteia com percepções profundas. Voltando de uma…

    3 comentários
  • O poder da simplicidade

    O poder da simplicidade

    Leonardo da Vinci, um dos maiores gênios da história, uma vez afirmou: "A simplicidade é o topo da sofisticação." Mais…

    12 comentários
  • A vida em múltiplas cestas

    A vida em múltiplas cestas

    "Não coloque todos os ovos na mesma cesta." Essa máxima, amplamente utilizada no universo dos negócios, nos convida a…

    9 comentários
  • A diferença crucial entre Jeopardize e Risk nas organizações

    A diferença crucial entre Jeopardize e Risk nas organizações

    Nas organizações, a gestão de riscos é amplamente discutida e abordada, mas uma distinção crucial entre dois conceitos…

    3 comentários
  • Evolução por erros compartilhados

    Evolução por erros compartilhados

    No complexo ecossistema corporativo, onde múltiplos stakeholders interagem e colaboram, a evolução conjunta emerge como…

    5 comentários
  • Transformando riscos em conhecimento

    Transformando riscos em conhecimento

    Na gestão de projetos e negócios, riscos são uma constante, podendo surgir tanto como ameaças quanto como…

  • Além da probabilidade: O poder de gerir impactos

    Além da probabilidade: O poder de gerir impactos

    Na gestão de riscos, a tendência de concentrar esforços na redução da probabilidade de eventos adversos é comum. Embora…

    1 comentário
  • A evolução das emoções e o despertar da maturidade

    A evolução das emoções e o despertar da maturidade

    O desenvolvimento emocional é um caminho de aprendizado e refinamento contínuo, que nos conduz da simples disposição de…

    2 comentários
  • Dona Vanda

    Dona Vanda

    Férias. Praia do Patacho.

    5 comentários
  • Reflexões em altitude de cruzeiro

    Reflexões em altitude de cruzeiro

    No aeroporto, enquanto aguardava meu embarque para as férias, meus pensamentos se voltaram ao que mais me fascina em um…

    2 comentários

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos