Voltar a ser casal

Voltar a ser casal

Trabalho a tanto tempo com terapia conjugal – faz mais de 40 anos – que naturalmente comecei a refletir sobre as mudanças nas dores e nas buscas que os casais têm quando procuram terapia. No inicio do trabalho com casais, eles vinham para a terapia quando não tinha mais solução. Psicoterapia era algo não muito comum e buscar terapia de casal era algo muito pior. Só faziam isso quando não tinham mais como esconder a dificuldade – uma traição vergonhosa, uma decisão irrevogável de separação, violência. E a situação era de muita dor, vergonha e muito poucas possibilidades de ajuda ou de retomada.

Depois o perfil mudou. Passou a ser interessante fazer terapia de casal, passou a ser a “salvação da lavoura”. E muitas situações se resolveram, muitos casais se reencontraram, muitas famílias se reconstruíram. Mas também muita gente veio forçada – “se não fizermos terapia de casal, vou me separar”; muita gente veio fingindo – “sou tão bonzinho que até pra terapia eu vou”; muita gente veio buscar um juiz que tomasse seu partido e mostrasse que seu lado era o certo; e outros tantos buscando uma mágica – “que tudo mudasse sem dores, ou sem mudar nada”.

E depois veio a fase dos casais que descobriram que a terapia de casal poderia ser o espaço e a forma de melhorarem a qualidade de vida deles; de prevenirem dificuldades; de enxergarem a forma que agiam e funcionavam e assim poderem aprender novos comportamentos. Aprenderem a ficar juntos de forma prazerosa e usando o relacionamento para aprimorarem e evoluírem. E, no caso de não continuarem juntos, aprenderem a se separar de uma forma amigável e adequada.

Nos últimos tempos um outro tipo de casal tem vindo à terapia. Casais com muitos anos de casamento, com uma vida comum interessante, com muitas conquistas pessoais mas com uma vida de casal muito deixada de lado. Trabalharam muito, conquistaram muito mas perderam ou não construíram a intimidade e a amizade necessária para a fase de filhos adultos, de patrimônio garantido. Num primeiro momento o que aparece são mágoas profundas, solidão e desesperança. Mas, sempre acompanhado de um desejo de não abandonar a relação. Independente de que razões eles têm para não quererem se separar, tenho me surpreendido com a energia e a determinação que encontro quando conseguimos estabelecer alguma ponte entre o afeto do início do relacionamento e o desejo atual de ficarem juntos. Estas pessoas que chegam perguntando – “será que ainda dá para salvar algo?” - “será que o outro vai de fato mudar o seu jeito?” – conseguem se colocar como agentes dessa mudança, se propondo a fazer o primeiro movimento; a parar de olhar o que lhe incomoda e olhar o que incomoda ao outro... e se propor a deixar de fazê-lo; a ousar fazer um carinho que sabe que o outro está esperando a anos, mesmo com medo de ser rejeitado.

Recuperar a intimidade, a cumplicidade, a sexualidade, e os projetos de casal são tópicos importantes desse trabalho. Bem como aprender a mantê-los no passar do tempo e na solução das dificuldades externas ao casal, que certamente surgirão.

Não existe mágica para resolver as dificuldades quando elas não foram atendidas de forma preventiva, mas não há dúvida de que a tarefa é voltar a ser casal. As décadas de casamento, muitas vezes, encobrem expectativas frustradas, mágoas acumuladas, carinhos congelados. Mas, quando, pelo menos um deles, consegue se dispor à remover essa cobertura, cuidadosamente, é possível recuperar a vida da relação. Alguém precisa querer. Se os dois estiverem envolvidos na tarefa mais fácil será. Mas, basta que um queira para poder começar a empreitada e aos poucos, seduzir o outro a se engajar. E, o que tenho acompanhado, é que a tarefa pode ser árdua, mas o que eles têm conseguido vale os sacrifícios.

 

 

Sandra Amaro

Inteligência Emocional e Sistêmica

1 a

Adorei esse texto tão profundo retratando quase que historicamente as infinitas possibilidades do querer mudar

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