Western Spaghetti, artigo opinião desta semana no Vida Económica
O resultado do referendo constitucional em Itália no passado domingo vincou o carácter geo-político que define hoje o enquadramento no qual os os mercados operam. 2016 é definitivamente o ano marcado pela lógica do descontentamento com os processos da globalização, o ano dos “eleitores enfurecidos”. Na Europa, as incidências têm sido mais que evidentes , na medida em que à falta de capacidade de resposta imediata aos problemas económicos que têm marcado os ultimos anos, se juntou o ressurgimento de sentimentos antimigratórios e de choque de culturas – agravado pelos atentados terroristas que marcaram também a agenda do ano.
O descontentamento tem-se feito sentir na quebra de confiança progressiva dos europeus com os partidos do centro político e respectiva adesão aos partidos e movimentos eurocepticos, ou seja a cedência aos “touros enraivecidos”. Nos últimos 30 anos, de acordo com os economistas do Barclays, os eleitores que votam ao centro terão recuado em média, cerca de 12%, e nos últimos anos esta tendência tornou-se mais acentuada sobretudo na Europa. Portugal tem permanecido algo imune a este efeito, mas desde 2002 já registou uma quebra de cerca de 9% no eleitorado combinado dos partidos que votam ao centro. Um registo ainda assim, melhor que a França (perdeu cerca de 29,5% desde 2007), Reino Unido (perdeu 18,6% desde 2005) ou que a Itália, cujo centro político registou uma queda de 26,2% desde 2008.
O referendo às alterações na constituição Italiana ganharam por isso uma visibilidade adicional, ou seja, passaram a representar um duro teste contra o eurocepticismo sobretudo após o anuncio da demissão de Renzi – o primeiro ministro italiano demissionário desde cedo fez deste ato, também um referendo à sua legitimidade – o que pode abrir portas para eleições antecipadas em Itália, onde o movimento 5 estrelas (eurocéptico) detém sondagens favoráveis, sendo que em caso de vitória poderá ter sucesso em organizar um referendo sobre a permanência no euro, de onde uma orientação em sentido da saída, um “Uscitalia” tem hipóteses de vencer. Por isso, no curto prazo, a volatilidade é bem capaz de permanecer nos mercados europeus. Não apenas pela questão isolada da Itália, que até à clarificação do modelo de sucessão ao PM demissionário Matteo Renzi poderá colocar o sector bancário transalpino pressionado, mas também pela agenda eleitoral europeia que percorrerá ainda a primeira metade de 2017.
E é neste ultimo ponto que reside efetivamente o que continuará a ser o que os investidores receiam. Isto é, que exista um processo de réplicas de terramotos políticos dentro do euro, que tornem complexa uma solução para maior integração fiscal, e coloquem em causa o projeto do euro, com os seus principais motores económicos a cederem às tentações de maior protecionismo, e com impactes que parecem ser evidentes. Uma Europa com maiores restrições aos movimentos de bens e serviços, maior rigidez no mercado de trabalho (uma das premissas vitais do projeto do euro) e na circulação de capitais, tão importantes para gerar investimento produtivo e gerador de riqueza. Isto, no limite, colocará em maior risco de dissolução ou estagnação a União Europeia. Com impactes claros para economias pequenas, fragilizadas e abertas como a Portuguesa.