Whisk, happy hour e racismo corporativo.

Whisk, happy hour e racismo corporativo.

Talvez muitos nunca tenham reparado nisso, mas boa parte dos grandes negócios são fechados em ambientes de descontração. Às vezes rola de tomar um Whisky, marcar um jantar, um café ou até mesmo trocar uma ideia em um happy hour empresarial; e isso é uma grande tática milenar de venda, pois mentes relaxadas ficam mais propícias a dizer mais "sim" do que "não". Eu já fui em vários eventos de networking onde no final a produção liberava aquela cervejinha, e tudo isso era estratégia. Se você tiver dúvidas sobre isso, observe com mais atenção o comportamento das pessoas curtindo a famosa baladinha nas noitadas, elas começam a beijar mais bocas quando o álcool está correndo com mais intensidade nas veias ou quando já estão relaxadas o suficiente para se “deixar levar”.

Sabe aquela frase “Eu nunca fiz amigo bebendo leite”? Pois então, é sobre isso.

Mas por que eu estou falando disso? Pra explicar um pouco do racismo estrutural no mundo corporativo; no final você vai entender (espero eu); acompanhe…

Pense em dois personagens: Alfredo e Marcelo.

Os dois fazem economia na PUC-Rio, Alfredo é branco, paga integral, usa roupa da Reserva, tem um sapatênis pra usar em cada dia de faculdade e mora em Laranjeiras. Marcelo é preto, bolsista, usa South, tem um Adidas branco que calça todos os dias pra estudar e mora em Marechal Hermes.

Sempre que tem happy hour às sextas na PUC, Marcelo nunca consegue ficar até tarde, depois de certo horário fica estreito pra ir embora, ele fica sempre refém de pegar metrô e trem, se perder vai gastar muito mais dinheiro, um dinheiro que ele já não tem, o problema é que Marcelo sempre perde o ápice das festas, o Nirvana do evento acontece quando ele já foi embora; saldo do prejuízo: o jovem de Marechal deixa de comer gente e perde a oportunidade de estreitar grandes laços que podem ser úteis no futuro.

Já Alfredo não tem porcaria nenhuma pra fazer no sábado, tá relaxado, mora ali do lado, está de carro e quase sempre fecha os eventos fazendo altos contatos que vão ser muito úteis no futuro.

Terminada a faculdade, Marcelo pega o canudo com notas maiores que as do Alfredo, mas lá na frente ele vai entender da forma mais dura que isso não vai fazer muita diferença, ou melhor, não vai fazer diferença nenhuma, pois Marcelo não conseguiu concluir a principal disciplina: a matéria do convívio social.

Mercado de trabalho precisando de economista, Marcelo e Alfredo disputam uma vaga de trainee em uma grande empresa, Alfredo passa, Marcelo ganha tapinha nas costas, ouve que é incrível, mas que não tem o perfil para a vaga.

Marcelo não sabe, mas Alfredo só entrou porque um dos diretores da empresa é pai do Rodriguinho, um amigo que ele fez nas festas da PUC, e depois da faculdade eles chegaram até a viajar juntos para um intercâmbio na Bolsa de Valores de Nova York; Alfredo tinha o famoso Q.I, morava perto do trabalho e tinha cara de comentarista de política internacional da Globo News.

As pessoas que Alfredo conviveu sempre fizeram parte dos lugares que ele precisava e queria estar, seja no bairro, na faculdade, no cursinho de inglês, no clube e por aí vai.

Os amigos do Marcelo sempre foram incríveis, mas ninguém conhece dono de empresa, (tem dono de bar só), ou é bem relacionado nos espaços de poder, pelo contrário, o melhor amigo dele está até preso, e na família metade é trabalhador informal e a outra metade CLT.

Você pode ler essa historinha e retrucar: “Mas Bruno, e o branco pobre que mora longe, não sofre da mesma coisa?”. Bem, de certa forma sim, mas depois que esse branco superar as dificuldades, furar a bolha e conseguir acessar um desses espaços, ele sempre será visto como branco lá dentro do mundo corporativo, a casca do “pobre” começa a se desfazer; com o preto pobre é bem diferente, ele vai carregar alguns pesos e olhares até mesmo depois de conseguir furar a bolha desses espaços, e se você já leu até aqui, entendeu perfeitamente do que eu tô falando. E aí sabe o que alguns Marcelos acabam fazendo para ter a tal “aceitação social”? Colam com uma mina que não pode se parecer em nada com tudo aquilo que ele representa, até porque se ela for igual a ele, vai conhecer exatamente as mesmas pessoas; é como se ele quisesse correr atrás do tempo perdido dos contatos que ele não conseguiu fazer na época das festas da faculdade.

Tem um documentário do finado Mr. Catra em que ele tá andando de lancha em um lugar chique pra caramba e alguém pergunta: “Coé, Catra, tá tirando onda com essa tua lancha, hein”, aí ele devolve: “Irmão, nada aqui é meu, nem a lancha e muito menos o espaço, mas eu tenho bons amigos, e quem tem amigo não precisa ter dinheiro”. Catra estava certo; Catra era o único preto do local.

Sabe essas vagas de cargo de liderança que as empresas estão ofertando somente para pessoas negras? Elas são voltadas para os Marcelos e Marcelas que nunca tiveram tempo para criar um bom networking, porém são altamente capacitados e capacitadas para as devidas funções.

Dependendo da sua idade, eu acho que você já entendeu que conhecer as pessoas certas vai te ajudar muito mais do que ter um lindo currículo.

Marcelo Viana

Exportação /Importação/ Host do #minutocomex / Criador do #amocomex/ Co -autor do livro "Logistica No Comercio Exterior III/ Linkedin Top Logistics Management Voice

4 a

Bruno Rico há muito tempo atrás (sou da década de 70 adolescente preto da favela nos anos 80 para 90) vi no jornal (primórdios do boa chance) vaga para vendedor de loja (famosa grife que está aí até hoje, aquela que tem um "canto grande" se me entende) e chegando lá (zona sul do RJ)aguardei em uma recepção para o início da "entrevista/ dinâmica" , quando a entrevistadora chegou fui avisado que no meu caso eu somente poderia concorrer a vaga de estoquista já que não tinha "perfil" para a vaga de vendedor... Todos foram para a entrevista e eu fui o único que não pode seguir no processo. Apenas um detalhe: eu era o único preto...

Marcelo Ambrózio Ramos

MBA admissions consulting - MBA House College admissions consulting - MAUD education

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Brasil real criado por você, não?

Luciana Moletta

Consultoria Bilíngue Multidisciplinar | Operações | Pesquisa e Futuros | Tradução e Conteúdo

4 a

única correção (como ex aluna da PUC-Rio que estudou a vida toda com os "Economia" vindos de colégios particulares de elite branca): ALfredo mora no Leblon, no máx., Ipanema. Laranjeiras pra ele já é "bairro de acadêmico UFRJ tilelê", ele acha que é Zona Norte.

Daniella Oliveira

Source to Pay Analyst | Excelência de Processos Melhorias Contínuas | CSC

4 a

É exatamente sobre isso, me identifiquei em cada parte deste texto, obrigada por compartilhar Bruno

Jonatha Lima

Gestor da Qualidade do Inmetro

4 a

Excelente!!

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