• Graziela Salomão
  • Colaboração para Marie Claire
Atualizado em
Cena da campanha Is This Ok?, da prefeitura de Manchester (Foto: Divulgação)

Cena da campanha Is This Ok?, da prefeitura de Manchester (Foto: Divulgação)

"Oi, linda, dá um sorriso. Aposto que você fica ainda mais linda quando sorri" ou "você está pedindo por estar vestida assim". Muitas de nós já escutamos comentários grosseiros como esses ao andar pelas ruas. Ler essas frases pode até ser um gatilho para lembranças incômodas de assédio pelas quais passamos ao longo da vida já que esses casos, infelizmente, são quase unanimidade: sete em cada 10 mulheres afirmam que passaram por situações de importunação sexual, segundo dados de um estudo realizado pelos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão com apoio da ONU Mulheres.

São diversas as camadas que precisam ser analisadas quando se pensa no problema do assédio sexual. Além de uma educação mais ampla e inclusiva, começando com adolescentes e jovens para que eles entendam como o machismo e a estrutura patriarcal interferem diretamente em seus corpos, comportamentos e liberdades, é preciso também que se tenham leis que contemplem as mais diferentes formas de assédio, processos de denúncia mais acolhedores para as mulheres, e punições reais aos agressores.

E um dos pontos mais importantes disso tudo: essas etapas não se referem somente às mulheres, mas também, e principalmente, precisam trazer junto a conscientização e a responsabilização dos homens em seus papéis como agressores e mantenedores dessas estruturas.

Pensando nisso, iniciativas particulares, de ONGs e de governos de todo o mundo têm cada vez mais criado campanhas que trazem a parcela masculina da sociedade para o centro da discussão. Através de cenas e falas do cotidiano como "ela não te dá bola? é porque está se fazendo de difícil" ou "vai lá, pega ela, mostra que é macho", vídeos que, na maioria das vezes viralizam nas redes sociais, deixam explícito aos homens como eles reproduzem comportamentos sexistas sem, por vezes, ter a clara consciência de que isso se refere à necessidade de provarem traços de suas masculinidades para seus pares.

“Os homens precisam entender que a violência sexual é um problema deles e, embora atitudes e comportamentos associados aos direitos sexuais masculinos fossem anteriormente tolerados em uma sociedade patriarcal, não são mais aceitáveis hoje", diz um comunicado enviado pela polícia da Escócia à reportagem de Marie Claire, que lançou recentemente o vídeo "Don't Be That Guy".

Separamos três iniciativas para mostrar que o problema - e os caminhos para encontrar ações e soluções possíveis - também passa por esse debate mais amplo com eles.

Is This Ok?
Você sai para correr e, de repente, olhares insistentes e invasivos te acompanham ou alguém passa a mão no seu corpo. Ou também aquela sensação de medo de andar sozinha na rua à noite. Algo corriqueiro, muitas vezes normalizado, mas nem por isso correto. Pensando nessa afirmação de que não é certo mulheres passarem por isso, a prefeitura da Grande Manchester, cidade localizada no noroeste da Inglaterra, divulgou agora em dezembro uma campanha voltada para meninos e homens no intuito de combater o assédio sexual e provocar reflexões sobre comportamentos abusivos contra as mulheres com a pergunta "isso é certo?".

Em uma das partes do curta, há números da violência contra a mulher no país: 71% das mulheres inglesas de todas as idades já tiveram algum tipo de experiência de assédio nos espaços públicos e ele aumenta para 86% na faixa etária entre 18 e 24 anos. Em menos de uma semana, o vídeo viralizou e já tem mais de 4 milhões de visualizações na página oficial do órgão inglês no Twitter.

É Problema Meu
"Passa a vara", "pega de jeito", "comer", "pegador". É com falas agressivas como essas, tão comuns no cotidiano masculino, que o vídeo "É problema meu" tenta estabelecer uma conversa direta com os homens.

A campanha brasileira segue o mesmo modelo de uma israelense, divulgada em agosto de 2020 com o nome de "It's my problem", e que foi criada depois de um caso que abalou o país de estupro coletivo contra uma mulher.

O objetivo é mostrar homens questionando o modelo de criação no qual as mulheres são objetificadas e, a partir disso, romper o padrão tóxico de masculinidade que incentiva a violência contra elas. O vídeo chegou a ser exibido em telões nas ruas do país, ganhou o mundo e foi refilmado na Romênia. Ao ser impactado pelo curta em um post nas redes sociais, o engenheiro israelense Jacob Shar, que mora no Rio de Janeiro há 4 anos, decidiu organizar o movimento no Brasil. Com a ajuda da multiartista e produtora cultural Lia Levin, e sem vínculo com organizações ou partidos políticos, ele conseguiu executar o projeto. Lia produziu e teve o apoio de voluntários.

O curta, lançado em junho de 2021, também teve muita repercussão nas redes sociais por aqui. "O problema da violência contra as mulheres não é apenas o ato em si, mas também a cultura. E os homens fazem parte dessa grande cultura, por isso é importante mostrar isso da forma que esse vídeo faz", afirma Jacob.

Don't Be That Guy
A campanha criada pela polícia da Escócia tem o objetivo de reduzir os casos de assédio sexual e violência contra as mulheres usando, para isso, uma conversa franca e direta com os homens.

Para isso, "Don't Be That Guy" (Não Seja Esse Cara, em tradução livre) traz homens questionando seus próprios comportamentos e os convida a refletir e desafiar suas próprias atitudes, entendendo que a importunação se inicia muito antes do ato em si. Em uma das partes do curta, um dos participantes diz: "a maioria dos homens não olha no espelho e vê um problema, mas ele está nos encarando de frente. A violência sexual começa muito antes de você pensar que ela começa".

Para a polícia escocesa, "há uma ligação direta entre a mentalidade moldada pelo direito sexual masculino e ofensas sexuais graves. Uma não pode existir sem a outra. A menos que os homens desafiem suas próprias atitudes e as de seus amigos, eles correm o risco de contribuir para a agressão sexual, a violência e a cultura do estupro”. Quando o filme foi lançado, em outubro deste ano, a primeira ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, publicou um tweet em sua conta oficial enfatizando como era importante que todos vissem e pensassem sobre o tema. "Peço que todos os homens assistam a esse vídeo e encorajem seus filhos, pais, irmãos e amigos a fazerem o mesmo", escreveu Nicola na publicação. O vídeo já teve mais de 2,8 milhões de visualizações na página oficial do Twitter e 180 mil no Youtube.

Esta matéria faz parte do especial de Marie Claire sobre as variadas formas de assédio, que pode ser acessado em revistamarieclaire.globo.com/Feminismo/Assedio. O canal tem todas as reportagens abertas, sem paywall, com o apoio de L’Oréal Paris.

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