Eu, Leitora
Por e , em colaboração para Marie Claire — Rio de Janeiro (RJ)

"Meu nome é Charlene da Costa Bandeira, tenho 31 anos e sou psicóloga. Sou o̩mo̩ obìnrin de Oyá, filha de Oyá, e pertenço ao Ilé Asé Aloyá Ìfokànrán, terreiro que frequento no Rio Grande do Sul. Pertenço e fui criada na comunidade quilombola Macanudos, a única comunidade quilombola reconhecida na cidade de Rio Grande (RS), onde sou liderança. Em 2013, eu e meu povo fomos certificados pela Fundação Cultural Palmares.

Antes, a gente não acessava nenhum tipo de política pública voltada para os quilombolas. Esse processo se intensificou um ano antes, quando a Universidade Federal do Rio Grande (FURG) começou a fazer um estudo sobre comunidades negras rurais e encontraram a gente. Eles começaram a fazer pesquisas e projetos lá. Daí, fundaram o Coletivo de Negras e Negros Macanudos.

Dentro desse projeto, começou a se pensar a criação de um processo seletivo quilombola, uma forma de permitir o ingresso na universidade a partir de um vestibular específico para estudantes das comunidades. Fomos os primeiros a estabelecer essa política.

Então, eu e minha comunidade conversamos sobre as possibilidades, pensando na escolha de um curso que supriria as nossas necessidades. Não é uma vaga que é individual, é coletiva. Foi por isso que fui fazer a prova para cursar Psicologia, e fiz isso enquanto estava grávida da minha primeira filha.

Passei na prova e fui incentivada pela minha mãe e pelas minhas irmãs a entrar. Nas comunidades quilombolas, a criança não é só responsabilidade da mãe, tem um cuidado coletivo. Eu fui acolhida por outras mulheres.

Já na universidade, participei de um coletivo formado por estudantes quilombolas e comece a pensar, ao lado de outros estudantes, as políticas públicas de ingresso, já que muitos pensavam e ainda pensam que só o fato de ser negro já faz com que a pessoa tenha direito a uma vaga quilombola. Dentro dessa lógica, mais de 50% do Brasil poderia disputar nossas vagas. A questão quilombola não tem apenas a ver com a raça, ela está ligada à territorialização, à família, à vivência em comunidade. Não é uma questão de autodeclaração, é uma questão de pertencimento."

As lideranças do meu quilombo fizeram um convite para que eu me juntasse a eles. Fiquei receosa, por ser um cargo geralmente ocupado pelas pessoas mais velhas, mas, nessa época, minha tia tinha acabado de passar para o plano ancestral e ela falava que a nossa comunidade era como uma árvore e que tinha pessoas que seriam o tronco. Eu já coordenava muitos projetos, fazia reuniões, só que não me entendia como liderança, mas sim como alguém que ajudava. Então, passei a coordenar um encontro nacional de comunidades quilombolas.

Enquanto estudava, pensava que não conseguia me encontrar na Psicologia, porque tudo que era ensinado lá não se parecia com a gente. Eu também acreditava que eu não era boa, que não seria uma psicóloga capaz, não entendia que estava sendo perseguida por conta da minha atuação política. Meus professores reforçavam que eu não servia para aquilo. Por ser uma universidade no interior do Rio Grande do Sul, é como se tudo que acontecesse ali, ficasse ali, o que dá uma margem muito grande para você ser preconceituoso.

Tive muitas coisas boas na Psicologia, mas tudo ficou contaminado pelo racismo. Por exemplo, lembro de quando meu pai estava no hospital, por conta de um câncer de estômago, eu fiquei lá um tempo com ele, fazendo as atividades à distância. Uma professora foi lá verificar se eu estava realmente no hospital e não estava mentindo. Em outro momento, cheguei a ser afastada de uma disciplina por culpa da relação complicado com um professor. O nosso coletivo teve que intervir para me defender. Nessa época, conheci um lugar que a Psicologia denomina como depressão, o que me desestabilizou muito.

A academia me adoeceu em um nível muito preocupante. Consigo lembrar que eu era uma pessoa feliz e, depois que eu entrei na universidade, eu virei uma pessoa triste com momentos felizes. Eles tiraram de mim uma coisa que eu não quero que eles tirem da minha filha, a alegria. Eu só não desisti, porque eu não podia. Eu fui a primeira mulher do meu quilombo a entrar na faculdade. O que as crianças iriam pensar? Que não podem ser graduadas?

Uma colega chegou a perguntar porque eu não mudava de curso e iria fazer Direito, já que eu era tão ligada em causas sociais e tinha aprendido sobre legislação por conta da minha atuação como liderança quilombola em busca de políticas públicas para a minha comunidade. Mas, eu neguei e comecei a refletir sobre a minha profissão, o curso que escolhi. Entendi que tudo que eu fazia já era Psicologia. Eu só não estava sabendo o nome.

Só pensávamos na Psicologia a partir da patologia e apenas estudávamos as pessoas que não se pareciam com a gente. Mas, a gente, de fato, e os nossos saberes, não estavam ali. Passei a entender porque a minha comunidade queria que eu fizesse esse curso. Não era uma mudança de cenário, era uma mudança epistemológica, de conhecimento.

Estava muito atravessada pelo racismo e pela colonialidade, mas foi só tirar isso para eu pensar: isso não é meu. Isso é algo que vocês criaram. Então, decidi ficar com o que é meu, com a minha negritude e o meu saber sobre saúde. Nós, como pessoas negras, somos negados à existência, ao saber e à história, e isso vai te afetando, porque é como se nada fosse parecido contigo. Por isso que acho tão importante o terreiro e o quilombo, que fazem um movimento de construir identidade, de pertencimento, de criar raízes.

A Psicologia sempre se embasou na gente, ela só não nos referenciou. Ela nunca tinha nos ouvido antes. Os mais velhos, para nós, são bibliotecas vivas. Então, se a pessoa não for para debaixo de uma árvore para ouvir, ela não vai conhecer. A Psicologia se dá pela arte da palavra e nossos povos sempre fizeram isso. A palavra é território, é corpo, e o corpo é território, então, por isso, é Psicologia.

Foi assim que, conversando com outras estudantes de comunidades quilombolas, ajudei a organizar o Encontro Nacional dos Estudantes Quilombolas. Também criamos a Quilomboteca, um espaço para crianças e mães, voltado para a educação.

Ao pensar sobre todo o evento, questionei minha amiga que ajudou a organizá-lo sobre o significado da palavra 'psicologia' e expliquei que remetia ao estudo da subjetividade, da alma. E indaguei: 'quem é que não tem alma no Brasil, historicamente falando?' É por isso que a gente não está na psicologia brasileira! Muito foi construído sem a gente, sem os nossos saberes, então a gente só vai ser visto nesse lugar de dor. Por isso, decidimos inserir a palavra 'quilombo' no meio, criando a psicoQUILOMBOlogia. Mas só criar a palavra não adianta, a gente precisava trabalhar nisso.

Usamos as ferramentas acadêmicas para validar o nosso conhecimento e, assim, fundamos um grupo de estudos. Nele, levávamos convidados e fomentávamos discussões sobre a área, transferindo esse saber para outras comunidades quilombolas.

Hoje, a Psicologia é um espaço revigorante, que caminha pelas comunidades. Mas, quem me ensinou a escutar foi as mulheres da minha comunidade, e não necessariamente os teóricos do ramo. Estudei os autores da minha área, mas não me esqueci do meu saber tradicional.

A Psicologia fala que se o atendimento faz sentido, então eu não posso tirar a validade. Então, se faz sentido para as nossas comunidades, quem é que vai dizer que não?

Nossas questões de saúde mental estão relacionadas ao nosso território. Porque, se há problemas na pesca, se há falta de áreas para se plantar, isso vai afetar a nossa alimentação, o que impacta na nossa saúde mental. Se tem uma limitação do nosso território e nossas crianças têm menos espaço, isso afeta a saúde mental. A preocupação com o avanço da questão das drogas no nosso território, a violência policial... tudo isso afeta a nossa saúde mental. A terra é saúde para nós. Então, se isso faz sentido para mim, a comunidade da Psicologia não vai poder dizer que não.

Agora, sinto que sou um espelho para a minha comunidade. Quando eu olho para a ela, eu me vejo, mas quando a comunidade olha para mim, ela também se vê".

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