Carreira
Group CopyGroup 5 CopyGroup 13 CopyGroup 5 Copy 2Group 6 Copy
PUBLICIDADE
Por


Epidemia e pandemia são palavras que nos despertam memórias traumáticas. Passamos pela do coronavírus e ainda estamos controlando a crise da dengue - e há quem diga que o Brasil vive outra. Uma epidemia dos remédios para o sono.

Segundo a Anvisa, o aumento das vendas de remédios como o Zolpidem entre 2018 e 2022 foi de 66%. Não à toa, a agência aprovou recentemente uma resolução que torna mais rígida a prescrição de todos os medicamentos à base de Zolpidem, independentemente da concentração da substância. Isso passa a valer a partir do dia 1º de agosto deste ano.

À primeira vista, pode parecer que esse tema nada tem a ver com a minha coluna, mas não consigo deixar de pensar na relação entre a nossa dificuldade de dormir e aquela cultura traduzida em dizeres populares como “trabalhe enquanto eles dormem” ou “dormir é para os fracos”.

Entendo que essas frases carregam um exagero para dar ênfase à mensagem, são hipérboles. Contudo, me pergunto o quanto elas também não ajudaram a disseminar uma cultura corporativa que associa produtividade com privação de sono. Como se, lá no fundo, ficasse aquela ideia de que para render mais é preciso dormir cada vez menos.

Para trabalharmos bem, a nossa mente precisa entrar em outros modos, como o do descanso, afirma a colunista Sofia Esteves — Foto: Pexels
Para trabalharmos bem, a nossa mente precisa entrar em outros modos, como o do descanso, afirma a colunista Sofia Esteves — Foto: Pexels

Pense em quantas entrevistas você já viu com pessoas em posição de liderança dizendo, com orgulho, que dormem pouquíssimo. Em 2022, quando houve o escândalo de Sam Bankman-Fried, fundador da FTX, muitos veículos lembraram em suas reportagens dos traços “peculiares” do jovem executivo, dentre eles o hábito de dormir em um pufe na própria empresa. Sam costumava dizer que pegava no sono no escritório para que a sua mente permanecesse no “modo de trabalho”.

Só que, para trabalharmos bem, a nossa mente precisa entrar em outros modos, como o do descanso.

Eu sei, é uma obviedade afirmar isso. Todo mundo sabe que o sono desempenha várias funções essenciais para o corpo e o cérebro, sendo crucial para a saúde e o bem-estar geral. Ele ajuda, por exemplo, na consolidação da memória e da aprendizagem, uma vez que, principalmente na fase REM, o cérebro não só processa, mas organiza as informações e as experiências do dia, transferindo tudo isso da memória de curto prazo para a memória de longo prazo.

Também ajuda na regulação do humor e na estabilidade emocional, de modo que a privação de sono pode levar a irritabilidade, ansiedade e depressão.

O sono ainda fortalece o sistema imunológico, o que torna o corpo menos suscetível a doenças. Além do desempenho de funções cognitivas, como atenção, concentração, resolução de problemas e tomada de decisões - o que significa que poucas horas dormidas podem prejudicar essas habilidades, resultando em menor produtividade e aumento do risco de erros.

Eu poderia continuar citando outras funções importantes do sono, mas, como afirmei anteriormente, a maioria das pessoas já sabe disso tudo, certo? Sim e, ao mesmo tempo, não.

Na verdade, acho que a questão central, neste caso, não é necessariamente o conhecimento sobre o assunto, mas o quanto subestimamos as possíveis consequências de uma cultura em que “cair nos braços de Morfeu” é sinal de fraqueza e pouco comprometimento com o trabalho.

Aposto que, quando questionadas, as pessoas concordam que, sim, dormir é importante. Porém, na prática, elas estão dispostas a sacrificar horas de sono em prol da produtividade.

Veja, eu sei que é normal termos episódios de trabalhos intensos que demandam aquele “a mais”. Entendo isso. O meu ponto é: por que convencionamos que o sono é inimigo do alto rendimento?

Ficar mais tempo de pé porque o prazo de um projeto é apertado ou porque existe uma situação emergencial é uma coisa. São situações excepcionais - ou que deveriam ser - e que demandam um sacrifício. Nesses casos, o desafio é “driblar” o relógio para dar conta do recado.

Agora, ficar sem dormir porque isso vai ajudar no trabalho, porque é sinal de produtividade? Bem, essas são ideias muito deturpadas.

O que estou querendo explicar é que uma coisa é sacrificar o sono mediante uma necessidade excepcional, outra coisa muito distinta é fazer esse sacrifício por uma crença (consciente ou inconsciente) de que dormir pouco fará alguém render bem mais.

É claro que não dá para afirmar que essa cultura “inimiga do sono” é responsável pela epidemia do zolpidem. Como se só a pressão no trabalho estivesse por trás da dificuldade de dormir, da necessidade de uso de medicamentos e, por consequência, dessa dependência química.

Por trás da decisão da Anvisa, certamente existem diversos fatores complexos que não cabem aqui serem discutidos. Ainda assim, o momento me inspira uma reflexão sobre como podemos reestabelecer uma relação de paz entre o sono e a cultura de alta performance. Acredito que não só profissionais, mas empresas, se beneficiariam - e muito - disso.

Sofia Esteves é presidente do conselho da Cia de Talentos

Mais recente Próxima Demissões não são tão discretas quanto os chefes gostariam

Agora o Valor Econômico está no WhatsApp!

Siga nosso canal e receba as notícias mais importantes do dia!

Mais de Carreira

Carreira

Algumas vagas podem demorar meses até serem preenchidas, o que faz aumentar o recrutamento interno e a preparação de talentos

Achar profissionais de tecnologia é desafio para companhias

Carreira

A colunista Vicky Bloch escreve sobre a importância de saber se desconectar do trabalho

Tire sempre férias com propósito, não esqueça

Carreira

Confira a movimentação executiva da semana

Udemy anuncia seu primeiro vice-presidente para a América Latina

Carreira

Especialistas explicam que é preciso clareza nas informações fornecidas durante o recrutamento

Homem é descartado de seleção por demorar a responder mensagem: “Procuramos senso de urgência”

Carreira

Pesquisa inédita sobre combate ao assédio no trabalho analisa ações de 104 companhias

Mais da metade das empresas no Brasil não tem políticas de diversidade e inclusão

Carreira

Mesmo após perder pênalti durante a prorrogação, Portugal avançou às quartas de finais da Eurocopa

O que a reação de Cristiano Ronaldo ensina sobre liderar com paixão

Carreira

Pesquisa exclusiva com 402 profissionais de RH indica que capacitações, mentorias e práticas de feedback estão entre as prioridades

Como as empresas estão investindo na qualificação das lideranças

Carreira

Jovem fez relato que viralizou no TikTok. Saiba o que fazer em situações semelhantes

Brasileira diz ter sofrido preconceito de holandeses em entrevista de emprego: "Riram de mim"

Carreira

As habilidades necessárias para estar à frente das mudanças tecnológicas vão além do puramente técnico

Como se preparar para o trabalho com IA em diferentes áreas

Carreira

A colunista Stela Campos fala como o reconhecimento pelas habilidades e pelo empenho pode ser mais inclusivo

Existe um lugar onde não importa quem você é
  翻译: