Para dar certo, reforma tributária depende do cumprimento do prazo do split payment, dizem especialistas

Sistema tem de estar pronto em 2027, com devolução de créditos aos contribuintes. Se falhar, será considerado inconstitucional

Por , Valor Econômico — São Paulo


Alexandre Alkmim, professor da UFMG: split payment tem de ser eficiente na restituição dos créditos aos contribuintes para garantir a não cumulatividade, prevista na Constituição Divulgação

O sistema repartido de pagamento dos tributos, chamado split payment, que integra a reforma tributária no Brasil é inédito. Não existe nada parecido no mundo. Há modelos de split payment na República Tcheca, na Itália, na Polônia, na Bulgária e na Romênia, mas são opcionais aos contribuintes. Também o sistema só deu certo nos países da União Europeia que conseguiram cumprir o prazo de restituição dos créditos aos contribuintes. No Brasil, o sistema será obrigatório a partir de 2027, com o início do Imposto sobre Valor Agregado (IVA Dual). Se o sistema não fizer a rápida e correta restituição dos créditos, será inconstitucional no País, afirma o professor de direito tributário na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Alexandre Alkmim Teixeira.

“O split payment tem de ser eficiente na restituição dos créditos aos contribuintes para garantir a não cumulatividade, prevista na Constituição do Brasil. Se falhar na restituição dos valores pagos antecipadamente por meio do split payment, o sistema passa a ser inconstitucional. A eficiência do sistema é essencial. Se o sistema não existir ou não funcionar, as consequências serão gravíssimas”, afirma Alexandre Alkmim Teixeira, também sócio da JBA advogados e autor do estudo “To Split or not to Split: o Split Payment como Mecanismo de Recolhimento de IVA e seus Potenciais Impactos no Brasil ”, publicado na Revista Direito Tributário Atual nº 50, em 2022.

Na avaliação da conselheira do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Mariel Orsi, o split payment no Brasil vai demandar agilidade no sistema em si e na restituição dos créditos aos contribuintes. “Esse cenário é contrário à atual realidade quanto às restituições, ressarcimentos e compensações, configurando-se a implementação da nova não cumulatividade um desafio para 2027”, diz Orsi.

Seria o tamanho do projeto do split payment no Brasil semelhante ao tamanho de outra inovação no sistema financeiro brasileiro, o Open Finance, que recebe investimentos desde 2020? O gerente jurídico da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Eduardo Augusto Marcondes de Freitas, informou que ainda não há nenhuma informação concreta de como será esse sistema e qual o papel de cada participante no seu desenvolvimento, entrada em produção e manutenção.

Em 5 de junho, a Febraban teve uma primeira reunião com a Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária (SERT/MF), Receita Federal, Banco Central, além de entidades dos Estados e Municípios, como Consefaz, Confederação Nacional de Municípios (CNM) e Frente Nacional de Prefeitos (FNP).

Ainda participaram da mesma reunião algumas entidades associadas à Confederação Nacional das Instituições Financeiras e de meios de pagamentos.

“Na ocasião, nos foi apresentada uma visão conceitual de como seria essa estrutura e foi indicado de que seria criado um Escritório de Projeto para avançarmos nas tratativas sobre o tema”, afirma o gerente jurídico da Febraban.

Para entender o termo, um split de pagamento é quando um valor pago é automaticamente dividido entre várias partes. É comum em plataformas de marketplace ou serviços, onde o valor de uma venda pode ser repartido entre o vendedor, o marketplace, e outros participantes. Essa divisão é feita de forma automática e instantânea no momento do pagamento.

Na área tributária, o split de pagamento permite a divisão do pagamento de tributos entre diferentes entes federativos, como municípios, estados e a União, no momento da transação comercial. Isso garante que cada parte receba a sua devida parcela do imposto diretamente, sem a necessidade de intermediários ou repasses posteriores. Facilita a arrecadação e diminui a burocracia. Cada parte recebe rápido, reduzindo as fraudes.

Segundo Freitas, da Febraban, por ser uma demanda totalmente nova, que deverá abranger todos os arranjos de pagamento, de indústrias financeiras distintas, muitos sistemas deverão ser criados, enquanto tantos outros deverão ser remodelados para atender à essa nova estrutura. “Sempre com o maior cuidado de que todos esses sistemas, processamentos e transmissão de dados que eles demandarão, dentre outras questões, sejam desenvolvidos sob os mais rígidos sistemas e tecnologias de segurança de dados”, diz.

“Quando se trata de desenvolvimento de novos sistemas e, portanto, de criação ou adaptação de tecnologias àquelas já implementadas nas instituições, é prudente considerarmos, sob pena de haver uma frustração de expectativas e ampliação de riscos, que a implementação do split payment ocorra de forma criteriosa, sem atropelos e de forma gradual, com devido planejamento. É o que estamos chamando de “sistema evolutivo” do split payment”, explica Freitas, da Febraban.

No caso do Open Finance, o sistema – que permite que os consumidores compartilhem seus dados entre diferentes bancos –, já recebeu R$ 219 milhões de todos os participantes no ecossistema de 2020 até 2023. Desse total, cerca de 70% foi direcionado ao desenvolvimento da infraestrutura tecnológica e da segurança cibernética, segundo informações do Relatório Anual Open Finance Brasil 2024. A implementação do sistema foi definida de forma gradual, em quatro fases.

O professor de direito tributário da UFMG, Alexandre Alkmim, explica que o Brasil é o país mais avançado do mundo em termos de tecnologia aplicada à administração tributária, a quilômetros de distância de qualquer outro país. “O sistema de processamento de dados, utilizado pela Receita Federal, assim como o sistema informatizado financeiro, são bastantes evoluídos e eficientes”, diz Alkmim.

Na avaliação do diretor-executivo do Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado Federal do Brasil, Marcus Pestana, mesmo que o split payment seja um sistema caro de se implantar aqui, se comparado ao contencioso tributário, seja na esfera administrativa, e somado à prática de elisão fiscal e sonegação fiscal no contexto tributário nacional, ele “não tem nenhuma dúvida de que pior não vai ficar”, diz.

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a carga tributária no Brasil foi de 33,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, enquanto que a carga tributária do México ficou em de 16,9% do PIB em 2022. O valor representa a proporção das receitas tributárias do governo federal, estadual e municipal em relação ao PIB do país. A carga tributaria do Brasil, em 33,8% do PIB, é um mais altas entre os países membros e parceiros da OCDE, com problemas de fraude e elisão fiscal.

Na Europa, a adoção do split payment tinha o objetivo de combater a fraude “carrossel”, quando empresas fantasmas, em diferentes países, recolhem o IVA e desaparecem sem pagar para a autoridade fiscal que, dificilmente, encontra o responsável para o recolhimento.

O VAT Commitee da União Europeia estabeleceu um grupo de estudos para sua implantação, publicado em 2016, mas com base em dados desenvolvidos desde 2014. Após dados coletados e processados, a conclusão foi que os custos e efeitos provocados na administração tributária e nos contribuintes, com a implantação do split payment nos países da comunidade europeia, seriam mais onerosos do que os benefícios.

O professor de direito tributário da UFMG explica que seria preciso integrar os fiscos dos diferentes países da União Europeia para a rápida restituição dos créditos aos contribuintes que aderissem ao split payment. O custo administrativo de um sistema integrado, que processe todas as informações de cada país em tempo real, foi apontado como mais um fator de dificuldade.

Por esse motivo, a União Europeia acabou desistindo de implementar o split payment em toda a comunidade. Tornou-se opcional. Outra característica é que o pagamento repartido de impostos acontece somente nas operações de venda ao poder público, com o contribuinte aderindo voluntariamente ao sistema.

Foi adotado pela República Tcheca, Itália, Polônia e Romênia. “Também o Azerbaijão tem um sistema parecido, mas não entrou no estudo”, explica Alkmim.

A República Tcheca adotou o sistema de split ayment opcional em 2011. Na Itália, o sistema é chamado de “scissione dei pagamenti e vem sendo implantado com sucesso, por pessoas específicas, desde 2015. O resultado tem sido positivo, apesar de o estorno dos créditos apresentar algumas dificuldades quanto ao tempo de processamento, em torno de quatro meses, explica o estudo.

Também com adesão voluntária, o split payment na Polônia entrou em vigor em 2018. A instituição financeira separa os valores pagos pelo adquirente de bens e serviços, destinando a parcela do IVA a uma conta vinculada e a parcela de pagamento ao prestador. Os reembolsos do IVA na Polônia são processados em apenas 25 dias.

Na Bulgária e na Romênia, a sistemática não deu certo. Houve rejeição por parte da Comissão Europeia quanto ao prazo de restituição dos créditos aos contribuintes. Não seguiam as normas do IVA, determinadas pela Comissão Europeia, explica Alkmim. O pagamento repartido de impostos também foi abandonado pela Bulgária após complexidades funcionais que não atendiam o objetivo do sistema.

Mais recente Próxima RS pode ir à Justiça caso gatilho para teto de despesas seja acionado, diz secretária de Fazenda

Agora o Valor Econômico está no WhatsApp!

Siga nosso canal e receba as notícias mais importantes do dia!