Entenda as eleições antecipada na França

Votação promete ser uma das mais decisivas para o país em décadas, uma vez que deve escolher entre um futuro governo de extrema direita, extrema esquerda ou entrar em um impasse político

Por , Valor — São Paulo


Eleições Fraça Ludovic Marin/Pool photo via AP, File

A população da França começa a votar neste domingo (30) nas eleições parlamentares do país, antecipadas pelo presidente Emmanuel Macron em uma decisão que pegou todos de surpresa. A votação promete ser uma das mais decisivas para o país em décadas, uma vez que deve escolher entre um futuro governo de extrema direita, extrema esquerda ou entrar em um impasse político se nenhum bloco conquistar maioria.

A decisão surpresa de Macron de convocar a eleição aconteceu após seu partido ser duramente derrotado pela extrema direita, liderada por Marine Le Pen, nas eleições para o Parlamento Europeu.

Em uma aposta política de alto risco e menos de dois meses antes de Paris sediar os Jogos Olímpicos, Macron anunciou que as eleições para a Assembleia Nacional (o parlamento francês) seriam antecipadas para 30 de junho, com uma votação de segundo turno em 7 de julho.

Com isso, a França se encontra agora em um território imprevisível, com o risco de Macron ser obrigado a uma difícil "coabitação" com um partido de oposição após uma das campanhas eleitorais mais curtas da história moderna da França.

Como vai funciona a eleição?

O parlamento da França tem 577 assentos, um para cada um dos seus distritos eleitorais. Para obter uma maioria absoluta, um partido precisa de 289 cadeiras.

Mas a formação do Parlamento não é tão simples assim. Isso porque seus membros não são eleitos com base na representação proporcional, mas sim através de um complicado sistema de votação em dois turnos.

A primeira rodada de votação acontece neste domingo (30), com segundo turno planejado para 7 de julho. Em cada distrito eleitoral, um candidato precisa de mais de 50% dos votos no primeiro turno para conseguir ser eleito diretamente.

Se nenhum candidato obtiver 50% dos votos no primeiro turno, os candidatos que tenham obtido o apoio de pelo menos 12,5% dos eleitores registrados no distrito voltam a se enfrentar no segundo turno.

Para facilitar a passagem para o segundo turno, os partidos que compartilham uma afinidade política tendem a se unir para não disputarem os mesmos distritos. O candidato com mais votos no segundo turno ganha o assento como membro do parlamento.

Se nenhum dos partidos conseguir formar uma maioria, a França pode enfrentar meses de turbulência política ou impasse. O mandato do presidente Macron não será afetado pelo resultado da eleição legislativa, mas ele não poderá convocar novas eleições legislativas antes de um período de um ano.

Neste ano, a França Insubmissa, um partido de extrema esquerda, uniu-se aos Socialistas, Verdes e Comunistas para criar uma aliança eleitoral chamada Nova Frente Popular (NFP). Os partidos evitaram candidaturas concorrentes em cada distrito e prometeram governar juntos se conseguirem formar uma maioria.

Já o partido de Macron, o Renascença (RE), forma a aliança “Juntos” com seus aliados centristas. Para decepção do presidente, eles aparecem na maioria das pesquisas em terceiro lugar.

Enquanto isso, o partido de extrema direita Reunião Nacional (RN), liderado por Le Pen e Jordan Bardella, segue sozinho com o apoio de outros partidos conservadores. O partido está à frente em todas as pesquisas de opinião, esperando conseguir a maioria absoluta de 289 dos 577 assentos.

Dois dias antes do início da votação, uma pesquisa para o jornal francês “Les Echos”, mostrou que o RN poderia conquistar 37% dos votos nacionais, dois pontos a mais do que uma semana antes, enquanto outra, para a “BFM TV”, estimou que o partido de extrema direita estava a caminho de obter entre 260 e 295 assentos, potencialmente garantindo maioria absoluta.

Já a NFP estava com 28%, e o bloco centrista de Macron com 20%.

Os locais de votação funcionarão das 8h às 18h e em algumas cidades até às 20h, no horário local. Segundo a emissora “France 24”, as primeiras estimativas dos resultados do primeiro turno serão divulgadas no domingo, a partir das 20h, hora local (15h de Brasília).

Por que Macron antecipou a eleição?

Minutos depois de anunciado que seu partido, o Renascença (RE), foi derrotado nas eleições para o Parlamento Europeu, Macron convocou as eleições nacionais antecipadas _ tornando-se o primeiro presidente a fazê-lo desde 1997.

O RE ficou em segundo lugar nas eleições europeias, com menos da metade dos votos conquistados pelo partido de extrema direita de Le Pen e apenas ligeiramente à frente da coalizão de esquerda em terceiro lugar.

Macron não tinha obrigação de dissolver o Parlamento, mesmo que a votação europeia o deixasse com uma figura reduzida, pois ainda tem mais 3 anos de mandato. Mas ele acreditava que a dissolução era inevitável, com parlamentares da oposição já ameaçando derrubar seu primeiro-ministro, e que uma eleição antecipada era a única maneira de respeitar a vontade do povo.

"Esta dissolução foi a única escolha possível", escreveu Macron em uma carta aos eleitores franceses

Desde o anúncio bombástico, o cenário político na França vem mudando em uma velocidade impressionante, com novas alianças surgindo da noite para o dia e rupturas desagradáveis ocorrendo em público. Isso torna difícil fazer previsões confiáveis sobre assentos e coalizões.

Por ser uma eleição parlamentar, Macron deve manter seu cargo na presidência até 2027. No entanto, é provável que ele tenha que trabalhar com um novo governo e primeiro-ministro que podem ser hostis a ele. Se o RN confirmar seu favoritismo, seu líder, Jordan Bardella é cotado para assumir o cargo de primeiro-ministro.

Isso porque o presidente tem de escolher um primeiro-ministro do partido ou coligação que tiver a maioria na Assembleia Nacional. O primeiro-ministro escolherá então os ministros do governo.

Na política francesa, esse processo é conhecido como "coabitação", em que a Presidência e o Parlamento estão em lados políticos opostos.

Por que essa eleição é importante?

Apesar da Presidência ser o cargo mais importante na França, o Parlamento tem o poder de aprovar a maioria das grandes mudanças de política doméstica e peças-chave da legislação, como projetos de lei de gastos ou emendas à Constituição.

Crucialmente, a composição do Parlamento determina como a França é governada. Com isso, muita coisa está em jogo em relação ao futuro do país se Macron não conseguir reunir uma maioria parlamentar forte e tiver de governar em “coabitação” com um grupo da oposição.

A República moderna da França conheceu três coabitações, a última sob o presidente conservador Jacques Chirac, com o primeiro-ministro socialista Lionel Jospin, de 1997 a 2002.

Nesse cenário, Macron seria compelido a escolher um primeiro-ministro de um partido político diferente, o que poderia bloquear grande parte de sua agenda doméstica. Os presidentes tradicionalmente mantêm o controle sobre a política externa e questões de defesa em tais cenários, mas a Constituição da França nem sempre oferece diretrizes claras.

Essa também é a primeira vez em que o partido de extrema direita de Le Pen pode chegar ao poder. Uma coabitação entre um presidente pró-europeu e um partido nacionalista eurocético seria um território inexplorado para a França.

Mais recente Próxima Sem mudanças na chapa, eleitor democrata terá menos ânimo para sair de casa e votar, diz analista dos EUA

Agora o Valor Econômico está no WhatsApp!

Siga nosso canal e receba as notícias mais importantes do dia!