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Setor de petróleo e gás aposta na transição energética mas ainda mantém fortes investimentos em fontes fósseis

Por Simone Goldberg — Para o Valor, do Rio


Cristiano Pinto da Costa, da Shell: “Todas as fontes serão importantes” — Foto: Leo Pinheiro/Valor

O setor de petróleo e gás no Brasil começa a se preparar para uma economia de baixo carbono conciliando investimentos em fontes fósseis com iniciativas para a transição energética - um dos principais temas da Rio Oil & Gas, realizada na última semana de setembro. Com aportes bilionários, projetos para a redução ou a eliminação - quando possível - das emissões de gases de efeito-estufa das operações e a aposta em energia renovável ganham espaço na agenda das petroleiras.

A retomada pós-pandemia de covid-19 somada à guerra na Ucrânia, contudo, trouxe um choque de preços e novas oportunidades para as fontes fósseis em meio às iniciativas para a descarbonização da economia. Assim, empresas como as brasileiras Petrobras e Enauta e a multinacional Shell vêm atuando nas duas pontas. A estatal brasileira, por exemplo, vai investir US$ 2,8 bilhões nos próximos cinco anos em ações visando a redução de emissões em suas operações. Do total de recursos, US$ 248 milhões formarão um fundo de descarbonização criado pela empresa com foco em tecnologias e soluções de baixo carbono.

Roberto Ardenghy, do IBP: setor vai investir US$ 183 bi no país em dez anos — Foto: Leo Pinheiro/Valor

Setor aposta na transição energética sem abandonar os fósseis. Até quando?

O presidente da Petrobras, Caio Paes de Andrade, que participou virtualmente da abertura da Rio Oil & Gas 2022, no dia 26 de setembro, disse que a empresa também está priorizando o desenvolvimento de bioprodutos, como diesel renovável e bioquerosene de avião (bioQAV). “Trabalhamos para neutralizar as emissões operacionais em prazo compatível com o estabelecido pelo Acordo de Paris.”

A companhia, que continua tendo o pré-sal como prioridade, ainda pretende apostar em novas fronteiras exploratórias como a margem equatorial, no Norte e Nordeste do país. Essa região é vista por Andrade como uma das mais importantes províncias petrolíferas disponíveis no mundo. Segundo o plano estratégico em vigor para o período 2022 a 2026, os investimentos totais da Petrobras somam US$ 68 bilhões.

Desse total, 84% vão para a exploração e produção. Há cerca de US$ 1 bilhão para a área de gás e energia e outros US$ 600 milhões destinados a bioprodutos (biodiesel, bioQAV) e pesquisa e desenvolvimento de biobunker (combustível de navios). O plano deixou de fora as energias renováveis, ao contrário do que estão fazendo outras grandes petroleiras. O novo plano da estatal deve ser divulgado em dezembro.

A Shell, que tem investido entre US$ 1 bilhão e US$ 2 bilhões por ano em óleo e gás no mercado brasileiro, sem contar os leilões da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), vem diversificando atividades no país para além dos fósseis. “Todas as fontes serão importantes na matriz energética mundial do futuro”, diz o presidente da Shell Brasil, Cristiano Pinto da Costa.

Segundo ele, a guerra na Ucrânia mexeu com as perspectivas do setor. Se antes o tema principal era o ritmo da transição energética, agora o foco está na segurança energética global e os impactos provocados pelo desequilíbrio entre oferta e demanda. “Governos que buscavam uma redução ativa nos investimentos em petróleo e gás natural foram obrigados a reconsiderar suas posições”, salienta Costa.

A empresa, que vê crescimento do negócio em águas profundas no Brasil, onde é sócia da Petrobras no pré-sal, na Bacia de Santos, quer voltar com campanhas de perfuração em 2023 e 2024. Além da Bacia de Santos, a Shell atua também nas de Campos, Potiguar e Barreirinhas. No total, produz no Brasil 400 mil barris de óleo equivalente por dia. Esse volume representa mais da metade de sua produção global em águas profundas e pouco mais de 13% do upstream (exploração e produção) no mundo.

Interessada em adquirir novas áreas no Brasil, a Shell defende um regime único de concessão, acabando com a partilha, o modelo existente para o pré-sal. “Traria mais competitividade para o segmento de óleo e gás”, justifica Costa. Seja qual for o regime, acrescenta, é preciso “previsibilidade, regras claras e maior competitividade”. O Brasil, diz Costa, é estratégico para a meta global da companhia de chegar a 2050 com emissões líquidas zero. Por isso, em paralelo às atividades em óleo e gás, a companhia vem investindo em energia solar, eólica, hidrogênio verde e em uma usina térmica, em Macaé (RJ), e que entra em operação em 2023. Tem ainda etanol, por meio da Raízen, onde é sócia da Cosan.

Outra que pode enveredar pelo caminho da energia limpa em futuro próximo é a Enauta. A petroleira independente vai rever, em sua próxima rodada de planejamento plurianual em 2025, se começa a migrar investimentos para energias renováveis. Por enquanto, diz seu diretor-presidente Decio Oddone, não é o momento para fazer essa diversificação.

A empresa, forte em gás, é integrante do consórcio do Campo de Manati (BA), o maior fornecedor do Nordeste, e atualmente focada no projeto Atlanta, na Bacia de Santos, vê o mercado oferecendo oportunidades para as fontes fósseis de energia. A Enauta também está com apetite para se expandir em óleo e gás. “Estamos ativos na busca por aquisições”, diz Oddone.

O sistema definitivo para o desenvolvimento de Atlanta - que iniciou produção em 2018 com sistema antecipado - foi aprovado no começo do ano. Vai exigir US$ 1,2 bilhão em investimentos. “Estamos reformando um FPSO (espécie de navio-plataforma) em Dubai. Em meados de 2024 entra em operação ”, conta Oddone. A capacidade de produção será de 50 mil barris de petróleo por dia.

O FPSO a ser instalado no sistema definitivo conta com tecnologias para a redução de emissões de gases efeito-estufa e custos. O óleo de Atlanta, lembra Oddone, tem baixo teor enxofre, o que o torna menos poluente e traz uma vantagem competitiva à empresa. Nas operações em Atlanta, já há iniciativas de redução de emissões, como o aumento do consumo de gás associado para a geração de energia.

Segundo Oddone, daqui a algumas décadas, quando a transição energética já estiver avançada e a demanda por petróleo caindo, vão permanecer apenas as empresas detentoras de campos com menores custos e menor emissão. “O que vai ser privilegiado lá na frente será o petróleo de baixo custo e de baixa emissão”, destaca o executivo.

De acordo com o presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Roberto Ardenghy, o setor investirá US$ 183 bilhões no Brasil, nos próximos dez anos. Ele ainda revelou, na abertura da Rio Oil & Gas, outros números grandiosos vinculados à indústria: para a próxima década, há expectativa de geração de 500 mil empregos e de US$ 622 bilhões recolhidos aos cofres públicos.

O setor, que atualmente produz 3,5 milhões de barris de óleo equivalente (boe) por dia e transporta 400 milhões de litros de combustíveis pelo país, terá um futuro descarbonizado, seguro, eficiente, diverso e inclusivo, destacou o presidente do IBP. “Ao contrário do que muitos acreditam, os combustíveis de origem fóssil não estão excluídos da transição energética. São partes da solução para a redução das emissões acordadas nos acordos de Paris. Eles são complementares às fontes renováveis”, diz Ardenghy.

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