Hoje os cabelos crespos e cacheados são símbolo de força e poder das mulheres negras, que secularmente sofrem preconceito por conta de suas madeixas. O chamado movimento “orgulho crespo” foi impulsionado, inclusive, pelo empreendedorismo de muitas dessas mulheres negras que, nos últimos anos, resolveram apostar em seu próprio negócio. Uma das pioneiras nessa área é Heloisa Assis, conhecida como Zica Assis, dona da empresa de cabeleireiros Instituto Beleza Natural, fundada em 1993, e eleita pela revista Forbes, em 2013, como uma das 10 mulheres mais poderosas do Brasil.
A trajetória de Zica Assis, serviu, inclusive, de inspiração para a criação da personagem Monalisa, interpretada pela atriz Heloisa Périssé na novela Avenida Brasil e está contada no livro “Beleza Natural - A história da rede de cabeleireiros que levantou a autoestima das brasileiras”, de Liana Melo. A empresária coordena, atualmente, 35 unidades do Beleza Natural, distribuídas pelos Estados da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Dessas unidades, sete são franquias. A investida no franchising começou no segundo semestre do ano passado.
A Fábrica Cor Brasil é responsável pela elaboração de 90 produtos voltados, especificamente, a cabelos crespos e cacheados. “É muito gratificante para mim ser reconhecida como pioneira neste segmento e ser uma das pessoas à frente deste movimento de empreendedorismo negro e de produtos e serviços especializados para os nossos cabelos”, afirma Assis.
A empresária nasceu em 1960, no Rio de Janeiro, e começou a trabalhar na infância para ajudar financeiramente em casa. “Eu venho de uma família muito humilde, meu pai era biscateiro e a minha mãe era lavadeira. Aos 9 anos, comecei a trabalhar como babá, na subida do Alto da Boa Vista, em mansões que eram perto da minha comunidade”, conta. Mas para ser aceita no trabalho, onde cuidaria de uma criança de cinco anos, a patroa exigiu de sua mãe que ela cortasse seus cabelos. Assim, ainda bem pequena, ela sentiu o racismo em razão de seu fenótipo.
“A patroa disse que com ‘aquele cabelo’ eu não entraria na casa dela. Então, por necessidade, precisei cortar e alisar o meu crespo. Para mim, foi uma tristeza muito grande. Sempre ganhava o concurso do black power mais bonito, mais armado, mais volumoso, e assim garantia a entrada no baile”, lembra.
Na escola, onde suas notas eram baixas e ela não tinha nenhuma aptidão por química, as crianças também não lhe poupavam das agressões racistas. A sétima filha de 13 irmãos chegou a passar fome, dada à pobreza da família, que vivia na comunidade do Catrambi, no bairro da Tijuca. Assis foi empregada doméstica, cozinheira, lavadeira e vendeu lingeries.
Por conta do preconceito em relação ao cabelo, sofrido durante toda juventude, Assis resolveu inventar uma fórmula de creme que o amaciasse. Aos 21 anos, ingressou em um curso para ser cabeleireira na igreja da comunidade e, nos intervalos de seu trabalho como empregada doméstica, fazia caseiramente alguns experimentos capilares com diferentes materiais. Com uma das misturas, o cabelo de seu irmão, Rogério Assis, que lhe servia na época de cobaia, chegou a cair. A experiência capilar não o traumatizou, tanto é que Rogério se tornou o sócio empresarial de Zica tempos depois.
Dez anos de erros e acertos e Assis conseguiu chegar à fórmula do Super-Relaxante. Assim, com esse produto, nasceu seu primeiro salão Beleza Natural. “Em 1993, não existiam produtos e serviços especializados e com preços acessíveis para tratamentos de cabelos cacheados, crespos e ondulados. Hoje temos uma realidade bem diferente, com o crescimento de novas ofertas do mercado voltadas para este público, onde o empreendedorismo negro tem uma parcela importante”, diz ela. O Beleza Natural emprega hoje cerca de 1.500 pessoas, sendo que cerca de 90% delas são ex-clientes, o que reforça seu aspecto social de inserção da classe C no mercado de trabalho e políticas de primeiro emprego.
Para Assis, empreender precisa ser uma consequência de um grande sonho ou de uma necessidade não suprida pelo mercado. Às jovens negras, ela tem um recado: “Encontre dentro de você algo que te mova - um propósito, uma verdade própria. É essencial amar o que faz, pois empreender é cansativo e, sem paixão, torna-se ainda mais desafiador”, afirma. A empresária também diz que, em um país como o Brasil, é crucial que o negócio traga benefícios para os outros. “Iniciar algo focando apenas em ganhar dinheiro não é suficiente; seu negócio deve gerar impacto positivo na vida das pessoas. Não desista; nem sempre se acerta na primeira tentativa. Sonhe alto e nunca deixe de acreditar em seus sonhos”, completa.