O lançamento dos óculos Vision Pro, da Apple, em fevereiro, ampliou o interesse dos participantes do SXSW 2024 sobre o futuro da computação espacial. O evento de inovação dedicou ao menos três andares inteiros de um dos hotéis ligados à conferência a palestras e experimentações sobre realidade virtual, aumentada e a mescla destes dois elementos, a chamada realidade mista ou estendida (XR, na sigla em inglês).
Na visão de Ola Björling, líder de tecnologia criativa do Buoy Studio, embora o termo realidade virtual não seja novo, o avanço promovido por dispositivos vestíveis, incluindo os óculos da Meta e da Apple, nos últimos dez anos, nos leva à computação pessoal, de fato.
“Usamos o termo computação pessoal por muito tempo, o que foi bastante prematuro porque o computador não sabe nada sobre nós. Mas temos computadores vestíveis que sabem onde estamos, medem nossos batimentos cardíacos, conhecem meu padrão de sono etc, e que estão começando a se tornar, de fato, pessoais”, disse Björling, a um salão lotado para sua palestra “Apple Vision Pro. Isso não é espacial?”.
O próximo passo, de acordo com ele, é termos computadores que entendem o mundo tão bem como ou até melhor do que nós. “Entendo que essa é a ambição da Apple ao usar o termo computação espacial”.
Veterano do setor de realidade virtual, Björling trabalhou na empresa Oculus, criada em 2012 e comprada, dois anos depois, pela Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, por US$ 2 bilhões. A aquisição deu origem aos óculos Quest, em 2019.
Embora a realidade virtual tenha surgido nos anos 1950, segundo Björling, o especialista destacou que a última década foi a mais importante para o avanço da computação imersiva. “Foi somente com o lançamento do Quest que conseguimos um dispositivo independente, sem sensores externos. E não vejo outro dispositivo de tecnologia que tenha avançado tão rapidamente”, afirmou.
Björling acredita que boa parte dos US$ 50 bilhões investidos em dez anos pela Meta na divisão Reality Labs, que inclui os óculos de realidade virtual e a proposta do metaverso, ainda não chegou ao consumidor. O mesmo vale para as mais de 5 mil patentes registradas pela Apple, desde 2008, como base para o Vision Pro.
O efeito da computação espacial no cérebro humano explica seu potencial e, provavelmente, os bilhões de dólares investidos por gigantes de tecnologia, incluindo a Microsoft, com seus óculos Hololens, nesse setor.
“A realidade virtual não é um meio de massa, mas para alcançar conexões significativas e profundas. Há uma sensação de presença e interações que você realmente não pode ter em nenhum outro meio”, ressaltou Björling. Ele citou aplicações potenciais para a educação, no aprendizado de temas abstratos.
“Você pode entender distâncias cósmicas e relações matemáticas, que podem se manifestar fisicamente em sua sala, de uma maneira que não se conseguiria reproduzir em outros meios”, ilustrou. “Acredito que é um dos meios mais poderosos emocionalmente de todos os tempos”. O especialista também destacou aplicações de entretenimento e produtividade que estão vindo por aí.
“Captar momentos da realidade é algo importante para nós humanos”, comentou Björling, ao mencionar a plataforma Dust3r, capaz de reconstruir imagens 3D baseada em fotos digitais, e o aplicativo Wist Labs, que transforma vídeos simples em imagens imersivas.
“É possível ler textos em formato imersivo confortavelmente em dispositivos VR, o que é um importante catalisador para aplicações de produtividade com os óculos e na integração com outros dispositivos”, destacou. Um dos exemplos mencionados foi o da startup Fluid, que promete adaptar aplicações de trabalho, streaming de vídeos, jogos, entre outros, para a computação espacial.
As aplicações imersivas ganham impulso com a inteligência artificial (IA) generativa. “Teremos tudo generativo: imagens, ambientes e objetos em 3D, vídeos, aplicativos e games”, previu Björling.
A mesma visão foi compartilhada por Cathy Hackl, executiva-chefe da Spacial Dynamics, no SXSW. “Há uma corrida do ouro acontecendo no Vale do Silício, agora, quando se trata de hardware”, disse Hackl. “Você verá todo mundo, desde a OpenAI, até Samsung e Google, apresentando vestíveis como anéis, smartphones, óculos, o que você quiser”, afirmou.
Um exemplo da computação espacial além dos óculos podia ser visto fora das salas de palestras. O monitor de computador imersivo da startup Brelyon, da Califórnia, exibido no saguão do hotel, tem 30 polegadas, mas permite um alcance visual de 122 polegadas. Na demonstração eram exibidos simuladores de voo, filmes, games, bem como o potencial para vigilância e operações militares. Alguns destes recursos interessam à gigante dos setores de defesa e aeroespacial Lockheed Martin, principal investidora da Brelyon.
Na computação espacial, a imersão tem dois lados e um deles pode imergir em um caminho perigoso para nossa privacidade.
“A realidade virtual tem o potencial de gravar memórias em nosso cérebro da mesma forma que a realidade [física] o faz”, destacou Björling.
A conclusão, de acordo com ele, parte de estudos científicos sobre as áreas do cérebro onde são registradas nossas memórias durante o uso da realidade virtual para tratar casos de estresse pós-traumático.
Outro poder da computação espacial, que também não se trata de ficção, é o de prever nossas reações, antes de termos consciência sobre elas.
A futurista Amy Webb, diretora-presidente do Future Institute, chamou a atenção para a possibilidade de óculos como o Vision Pro acessarem a reação ocular do usuário, dilatando ou contraindo suas pupilas, antes que a pessoa tenha uma reação consciente.
“Isso significa que seu computador facial vai saber o que você está prestes a pensar, antes que o faça”, alertou Webb.
Björling disse conhecer estudos sobre a ciência de prever a interação humana com objetos há pelo menos sete anos. “Você pode ter um dispositivo capaz de entender o que uma pessoa fará antes que ela mesma saiba, com um alto índice de acerto. Isso soa assustador”, afirmou. “Já pensou nisso [aplicado] em drones armados? Só que quem está mergulhado na pesquisa não pensa nessa questão, o que pode ser um problema.”
A jornalista viajou a convite do Itaú Unibanco