Empresas

Por Beatriz Pacheco, Valor Investe — São Paulo


🎶Sensível demais, você me deixou, e agora? 🎵 Os papéis de empresas sensíveis aos ciclos econômicos estão no clima da música de Jorge Vercillo: combalidos e abandonados. Não por amores, mas pelos investidores. Quatro meses ano adentro e as ações cíclicas já perigam dominar por mais um ano seguido o ranking das maiores quedas do Ibovespa.

Mas é cedo para cantar a derrota, ainda faltam dois terços do ano para 2024 acabar.

Abril foi marcado principalmente por varrer do mercado quaisquer esperanças de que os cortes nas taxas americanas começariam no meio deste ano. Com uma economia ainda bastante aquecida por lá, o que exige que os juros permaneçam altos por mais tempo, a margem para o Banco Central (BC) descer a Selic aqui também fica apertada.

A deterioração das perspectivas para os cortes de juros foi um evento mundial que começou em março e se estendeu para abril. Por isso, temos um saldo de bolsa no negativo pela maior parte do mês. As ações que têm maior beta [indicador de sensibilidade de uma ação em relação ao mercado], isto é, aquelas que são mais sensíveis à volatilidade dos juros e à atividade econômica sofreram mais. Desta lista, estamos falando de papéis do varejo, serviços, companhias aéreas e por aí vai”, resume Phil Soares, chefe de análise de ações da Órama, numa referência ao ranking das maiores quedas deste mês.

O problema para as empresas cíclicas é o horizonte que se desenha a partir deste cenário de juros mais altos.

A começar que a política monetária em campo restritivo é um gargalo para a circulação de capital. Assim, há também menos oferta de crédito na praça e ainda sobra menos dinheiro disponível para consumo, o que significa receitas menores para as empresas de bens e serviços discricionários, ou seja, que não são indispensáveis e são considerados parte do orçamento livre, o que sobra após o pagamento das despesas básicas.

Junta-se a tudo isso um serviço de dívida ainda bastante elevado. É basicamente um combo apocalíptico para os negócios que dependem de um mercado ávido por consumo.

“As ações de empresas com endividamento elevado, caso da Azul, por exemplo, também flutuaram mais do que a média. Mas esse cenário [para os juros] provocou quedas na carteira do Ibovespa como um todo. Neste mês, vimos baixas relevantes até em ativos tradicionalmente estáveis”, acrescenta Soares.

Das 86 ações atualmente no Ibovespa, 66 encerraram o mês no negativo.

E entre os 10 nomes no ranking das maiores quedas do índice em abril, as empresas cíclicas dependentes do consumo doméstico ocupam oito posições.

As 10 maiores quedas do Ibovespa em abril

Class. Papel Código Variação (%) Cotação
1 CVC BRASIL ON CVCB3 -30,69 2,01
2 AZUL PN AZUL4 -25,23 9,75
3 MAGAZ LUIZA ON MGLU3 -24,44 1,36
4 LWSA ON LWSA3 -21,23 4,60
5 GRUPO SOMA ON SOMA3 -20,24 6,07
6 BRASKEM PNA BRKM5 -19,39 21,28
7 AREZZO CO ON ARZZ3 -19,22 51,92
8 USIMINAS PNA USIM5 -18,25 7,91
9 CARREFOUR BR ON CRFB3 -18,05 11,17
10 YDUQS PART ON YDUQ3 -17,99 14,59

CVC (CVCB3)

Em abril, a ação da CVC alcançou o menor preço da sua história. Foram 10 sessões seguidas em queda entre 5 de abril e o pregão do dia 18, quando fechou na mínima, cotada em R$ 1,80. Por quê? A história começa antes deste mês, quando o ativo deu um mergulho no fim de março, após a companhia reportar seu balanço do quarto trimestre de 2023.

Com resultados abaixo do esperado, a maioria das principais casas de análises manteve recomendação neutra para o papel, mas algumas trouxeram observações de “underperform” (performance negativa na comparação com as demais) e “underweight” (recomendação de reduzir a exposição ao ativo).

Em relatório, a equipe de analistas do BTG Pactual aponta que sua “recomendação neutra se baseia nos grandes desafios que a companhia tem pela frente, como o alinhamento entre a sua base de franqueados e o crescimento/concorrência on-line, tornando-a uma tese mais arriscada do que outros agentes do setor.”

E aí veio abril. A empresa anunciou no dia 8 mudanças no alto escalão, com as saídas de líderes das áreas financeira, relações com investidores e compliance. A novidade já não agradou nada o mercado, que passou a desconfiar do plano estratégico da empresa após sucessivas trocas no corpo executivo.

Sobre todas essas questões internas pesou a piora do cenário macroeconômico.

A alta dos futuros de juros - quando o mercado revisou suas expectativas para a Selic acima de 9% ao ano no fim de 2024 - machucou essas ações sensíveis ao ciclo da economia e espalhou aversão ao risco no mercado.

Ao mesmo tempo, a visão para dólar mais alto este ano - a moeda trocou suas máximas em mais de um ano neste mês - fechou o horizonte para a CVC. O câmbio mais caro reduz a demanda por viagens internacionais e ainda degrada as margens de lucro da companhia.

Azul (AZUL4)

Para Felipe Moura, analista da Finacap, as quedas expressivas da Azul neste mês estão associadas em grande parte ao movimento geral nos mercados de aversão ao risco diante do atual cenário macroeconômico.

“Mas a companhia sofre adicionalmente por conta do câmbio, dada a alta forte do dólar nos últimos 45 dias, e pelo preço do petróleo, que é muito resiliente. Essas duas variáveis prejudicaram muito as ações da Azul”, afirma Moura.

A disparada do câmbio e de preços dos contratos futuros de petróleo (este em função do acirramento das guerras no Oriente Médio) é má notícia para o setor aéreo, que tem cerca de 40% de seus custos operacionais atrelados ao querosene de aviação (um derivado do petróleo) e parte da sua dívida em dólar.

Então, se o preço da commodity sobe, o combustível fica mais caro e as despesas dessas empresas aumentam. Se o dólar dispara, o bolo da dívida cresce. As duas variáveis se concretizaram em abril.

“A Azul tem um fator até mais importante: o nível de endividamento, extremamente alto, resquício ainda do período da pandemia da covid. Isso torna a situação da empresa bastante delicada. Então ela segue a linha de queda das empresas extremamente sensíveis à economia, mas com o agravo de estar bastante alavancada e sofrer mais nesse sentido com a perspectiva de juro mais alto”, pondera Soares, da Órama.

Alexandre Rocha, assessor da RJ+investimentos, aponta que o consenso é de recomendação neutra para as ações da Azul com preço-alvo de R$ 23,29, potencial de valorização de 139% do fechamento de hoje.

Moura vê espaço para otimismo na sua tese para Azul, porque a empresa deve cessar a queima de caixa dos últimos anos após a "bem-sucedida renegociação do seu passivo, o que realmente lhe deu um fôlego financeiro."

Magazine Luiza é mais um exemplo de ação bastante prejudicada pelo cenário macro, que afeta varejistas de consumo discricionário de uma forma geral. “Além de serem empresas com um endividamento relevante, cada trimestre que passa com esse juro alto atrapalha as vendas dessas redes, especialmente as que trabalham com produtos de tíquete médio alto, para as quais o crédito é um elemento importante do negócio”, avalia Soares, da Órama.

Em abril, Grupo Casas Bahia só escapou por pouco da situação em que está a sua principal concorrente histórica. No último domingo, o anúncio da empresa de que estava renegociando suas dívidas por meio de um plano de recuperação extrajudicial alavancou a ação em 34% no penúltimo pregão do mês. O salto foi pontual mas suficiente para devolver as perdas acumuladas até então.

Assim, a varejista, que é presença quase certa na lista, escapou ao ranking das maiores quedas do Ibovespa em abril.

Para Magalu, o desfecho deste mês não foi tão feliz. O assessor da RJ+investimentos destaca que a empresa está sendo negociada a múltiplos mais elevados, por isso as recomendações para o ativo tendem a ser neutras.

Grupo Soma (SOMA3) e Arezzo (ARZZ3)

O fato de Soma e Arezzo estarem entre as maiores quedas deste mês se deve muito à percepção do mercado, principalmente em relação à Arezzo, de que as empresas terão um primeiro trimestre mais fraco, segundo a analista da Empiricus Research Larissa Quaresma.

“Temos expectativa de um crescimento de receita mais tímido na Arezzo, uma alta em torno do 5%, em razão de um efeito-calendário: no ano passado, o primeiro trimestre teve uma semana a mais do que o de 2024. Isso gera um deslocamento de receita para o próximo período”, pondera a analista da Empiricus, que ressalta ainda assim não ver razão para quedas tão acentuadas como foram as de abril nesses papéis.

Mas, com a perspectiva de fusão entre Arezzo e Grupo Soma, as ações das companhias tendem a espelhar o movimento uma da outra.

Para Rocha, da RJ+investimentos, os pontos negativos da Arezzo estão relacionados ao varejo, impactado pela desaceleração do consumo e piora da situação financeira das famílias. “E se trata de um setor com fracas barreiras à entrada de concorrentes, o que pode pressionar as margens”, acrescenta.

“Já o Grupo Soma divulgou estimativas para o primeiro trimestre que incluem expansão da margem bruta. Apesar disso, compartilha do mesmo futuro que a Arezzo, caso a fusão seja aprovada pelo Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica]. Então, diante deste cenário, dos resultados reportados e das perspectivas positivas, a empresa pode valorizar”, diz o assessor. Ele acrescenta que o preço-alvo do consenso para o papel é de R$ 9,64, com 11 casas recomendando compra da ação.

Para Soares, no entanto, é justamente essa perspectiva de fusão que contamina a visão de investidores para a Arezzo atualmente.

“A Arezzo estava avaliada para a perfeição, porque é uma empresa que vem tendo um desempenho operacional. Mas essa entrada da Soma, e especialmente da Hering, que representa 40% da receita do grupo mas tem dificuldades de fechar no azul, a Arezzo deixa de ser uma tese plain vanilla [baunilha pura, na tradução livre, que no mercado financeiro se refere a um ativo na sua forma mais simples ou elementar], que seria um case estável de branding classe A”, explica o chefe de análise de ações da Órama.

Com a fusão, o ativo da Arezzo passaria a carregar esse componente de turnaround que Grupo Soma tem hoje com Hering, por isso a ação perdeu valor. “E, assim, Soma cai junto, porque as duas empresas passaram a ser uma”, conclui.

A visão da Empiricus é contrária. A casa de análise espera recuperação do crescimento de receita da Arezzo ao longo dos próximos trimestres, o que levará à recuperação sequencial de ambas as ações.

“Outro fator que pode contribuir para a recuperação das ações são anúncios relacionados à própria combinação das companhias, que está pendente apenas de aprovações societárias e de passar por assembleia geral, então provavelmente deve acontecer em algum momento de junho. Mas, por isso, o mercado ainda não embutiu nos ativos as sinergias dessa transação, que entendemos que não estão nada refletidas nas ações hoje”, defende Larissa.

Ela detalha que a ação da Arezzo é negociada a algo em torno de 12 vezes o lucro estimado para o ano que vem, mas a absorção de resultados de cross-sell (venda cruzada a partir de colaborações entre as marcas) faria com que a assimetria de preço entre a calçadista e Grupo Soma fosse corrigida pela elevação de valor deste ativo. A Empiricus tem recomendação de compra para Arezzo.

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