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Por Beatriz Pacheco, Valor Investe — São Paulo


As 10 ações do Ibovespa que registraram as maiores perdas neste primeiro semestre de 2024 têm um ponto em comum: são empresas sensíveis a juros e dependentes do mercado doméstico. Ora, ora, ora…se não são as consequências de um cenário que impede a queda da Selic.

Ações das companhias que experimentam os dissabores da taxa básica de juros nos dois dígitos - e agora fixada em 10,5% ao ano - são os destaques negativos de performance na bolsa em 2024.

Azul e as empresas de ensino privado Yduqs e Cogna ficam nesse ingrato pódio das maiores quedas do Ibovespa no primeiro semestre deste ano.

Os ativos que perderam valor em 2024 são 67 das 86 ações do Ibovespa atualmente. Fatia que corresponde a 78% dos papéis na carteira.

As 10 maiores quedas do Ibovespa no 1º semestre de 2024

Class. Papel Código Variação (%) Cotação
1 AZUL PN AZUL4 -54,15 7,34
2 YDUQS PART ON YDUQ3 -52,73 10,41
3 COGNA ON COGN3 -49,28 1,77
4 CVC BRASIL ON CVCB3 -44,00 1,96
5 MAGAZ LUIZA ON MGLU3 -43,86 12,05
6 MRV ON MRVE3 -40,52 6,68
7 VIVARA ON VIVA3 -37,85 20,94
8 P.ACUCAR - CBD ON PCAR3 -33,50 2,70
9 LOCALIZA ON RENT3 -32,88 42,00
10 LWSA ON LWSA3 -32,61 4,05

No mês de junho, 38 dos 86 papéis na carteira do índice desvalorizaram, ou 44% das ações. E as empresas cíclicas domésticas dominam as listas nos dois recortes temporais.

As 10 maiores quedas do Ibovespa em junho

Class. Papel Código Variação (%) Cotação
1 AZUL PN AZUL4 -22,49 7,34
2 ASSAI ON ASAI3 -15,11 10,34
3 YDUQS PART ON YDUQ3 -14,04 10,41
4 CARREFOUR BR ON CRFB3 -9,07 9,02
5 DEXCO ON DXCO3 -8,89 6,56
6 ULTRAPAR ON UGPA3 -6,78 21,60
7 VAMOS ON VAMO3 -6,66 7,57
8 LWSA ON LWSA3 -6,47 4,05
9 P.ACUCAR - CBD ON PCAR3 -5,92 2,70
10 ALPARGATAS PN ALPA4 -5,69 9,12

O ambiente que permitia ao Banco Central (BC) cortar a Selic veio gradualmente ruindo do começo do ano para cá.

Primeiro, a inflação deu um repique. Aqui e nos Estados Unidos, o que adiou o começo dos cortes de juros por lá (para quando? Não se sabe).

Então, os mercados de trabalho daqui e de lá aqueceram. E, por fim, o governo revisou as metas fiscais para 2025 e 2026, dando início à espiral de eventos que minaram a confiança de investidores na equipe econômica do Planalto.

Algumas empresas da bolsa sentiram bem mais que outras cada um desses baques que o mercado levou com os (não) eventos de 2024.

Gol, por exemplo, se não tivesse sido excluída do Ibovespa, estaria na liderança do ranking deste primeiro semestre de 2024, com perda acumulada em 88%, e o papel atualmente cotado em R$ 1,03.

Mas é difícil especular sobre esse cenário alternativo porque, para seguir na carteira do índice, a companhia não poderia ter entrado em recuperação judicial nos Estados Unidos, pelo Chapter 11, o que provavelmente não levaria à queda tão expressiva no valor da ação.

Além disso, quaisquer outros cenários para a bolsa brasileira pertencem ao hipotético. Junho sacramentou a dependência da recuperação do mercado doméstico de notícias macroeconômicas e políticas positivas.

Por isso, ficou difícil falar em virada para os ativos de risco brasileiros sem ter no horizonte mudanças nas economias do próprio Brasil, dos Estados Unidos e da China. Para dizer o mínimo.

Se é hora de comprar ou cair fora desses papéis, aí isso depende da sua estratégia de investimento. No curtíssimo prazo, há espaço para as ações caírem mais ainda. Mas quem aloca em empresas pensando no longo prazo deve manter esses ativos caso eles já estejam na carteira.

Caso não tenha nenhuma das ações em carteira, o recomendável é avaliar caso a caso, de acordo com seu portfólio de ações, e partir de uma análise fundamentalista para selecionar as companhias com boas perspectivas e que estão baratas.

De acordo com especialistas ouvidos pelo Valor Investe, ainda que o curto prazo siga bem negativo para todas, os médio e longo prazos prometem retornos consideráveis. Isso porque os valores de quase todos esses papéis estão comprimidos. Assim, conforme o ambiente para investimentos em ativos de risco melhore, essas ações tendem a subir, na medida que era esperado para 2024 - e possivelmente um pouco mais.

Quando o otimismo reinava na bolsa, no fim de 2023, a projeção da maioria esmagadora dos investidores para 2024 se apoiava em um fato gerador: o começo dos cortes de juros nos Estados Unidos.

A partir daí, o BC teria mais espaço para cortar a Selic, o dólar baratearia, um fluxo do capital global desviaria para mercados periféricos (nosso caso), taxas dos futuros de juros seriam reajustadas para baixo e...boom! Ibovespa para cima.

Mas a realidade trilha seus próprios caminhos. E nenhuma projeção se concretizou - pelo menos não neste primeiro semestre.

Azul (AZUL4)

O que não está afetando negativamente a Azul hoje em dia? Dólar nas alturas: o custo operacional e a dívida da companhia sobem. Juros altos: encarecimento da dívida e redução da capacidade de investimentos. Inflação aquecida: perda do poder de consumo da população.

A ação registra a maior queda da carteira do Ibovespa no acumulado do ano e também foi a que mais se desvalorizou no mês de junho.

“As quedas que a ação da Azul está experimentado nos últimos meses são explicadas pelo câmbio. A empresa tem o passivo quase todo dolarizado. E os dois componentes que mais pressionam os resultados são o preço do petróleo e o leasing [arrendamento] das aeronaves, ambos em dólar”, diz Felipe Moura, analista da Finacap.

Em relação ao petróleo, os valores de contratos futuros tiveram pressões relevantes de alta neste começo de ano, em virtude do cenário geopolítico, ainda que o movimento já tenha esfriado.

“E cabe lembrar que o peso do querosene de aviação [obtido do petróleo] nas despesas da companhia corresponde a quase 40% das receitas da companhia. Se ainda somarmos a essa conta os gastos com salários, depreciação, litígios, impostos...a margem da empresa está muito apertada”, enumera Enrico Cozzolino, sócio e chefe de análise da Levante Investimentos.

Para ele, existem duas saídas para uma melhoria estrutural na aérea: a Azul cortar custos e a possibilidade de fusão com a Gol, o que destravaria valor dentro do setor. “Do contrário, viveremos torcendo para fatores macroeconômicos, o que inclui subsídios do governo, salvarem essas empresas”, conclui Cozzolino.

Gol e Azul confirmaram que existem conversas nos últimos meses para uma possível fusão. Desde o fim de maio, no entanto, não houve novidades sobre esse assunto. “A companhia resultante seria líder no mercado de aviação do Brasil, porque a sobreposição de rotas das duas empresas é baixa”, avalia Moura.

O analista da Finacap é ainda mais otimista ao recapitular os resultados que a companhia vem reportando há um ano. “A Azul conseguiu firmar um plano de renegociação do passivo, que envolveu os arrendadores de aeronaves. Assim, alongou a dívida para prazos maiores e consequentemente tirou pressão do fluxo de caixa no curto prazo.”

A gestora Finacap, que tem posição na ação da Azul, enxerga a capacidade da companhia aérea de alcançar o breakeven (quando receitas se igualam ou superam despesas) ainda este ano. “Com o ‘grosso’ da dívida começando a vencer só em 2028, a empresa tem quase quatro anos pela frente para ajustar o operacional. É algo que alivia o risco desse passivo”, defende Moura.

Yduqs (YDUQ3) e Cogna (COGN3)

A Ydus e a Cogna têm parte relevante de suas receitas ligada aos públicos de média e baixa renda, lembra Hugo Baeta, analista de Renda Variável da AF Invest. “E a perspectiva de juros mais altos e de câmbio elevado - que canaliza inflação no mercado - pode comprometer a renda líquida disponível desse grupo”, acrescenta.

Este cenário pressiona as companhias em várias frentes. Da perspectiva inflacionária, o aumento de custos com as operações e o serviço da dívida elevado, em função da Selic a 10,5% por mais tempo, podem tanto exigir reajuste de preços dos serviços como dificultar essas correções.

Isso porque o volume de receitas tende a minguar. A demanda de pessoas por ensino superior é bastante afetada num ambiente de inflação e juros altos.

Ou seja, a notícia de manutenção da Selic no horizonte relevante (até 2025) veio para piorar o que já estava ruim.

O setor educacional enfrenta a diminuição do número de matrículas diante de uma economia em desaceleração e das mudanças na política de financiamento estudantil, aponta Rodrigo Fonseca, especialista da mesa de renda variável da RJ+ Investimentos.

Ele ainda lembra que, da perspectiva setorial, a concorrência tem aumentado, o que apertou as margens de lucro dessas empresas.

As empresas também reportaram resultados frustrantes no primeiro trimestre deste ano, o que provocou um fluxo de vendas das ações e o rebaixamento das recomendações para os ativos, em especial no caso de Yduqs, aponta Fonseca. Já para a Cogna, a tensão entre investidores é o endividamento elevado.

Acabou? Não, tem a cereja do bolo. O setor de educação privada lida com a baixa penetração do ensino superior no país.

“Essa ideia de que a salvação [do negócio] está no ensino a distância é frágil. A falta de infraestrutura em regiões mais pobres e remotas do território brasileiro dificulta esse processo”, comenta Cozzolino.

Mesmo com tudo isso, o especialista da Levante acredita que os valores de mercado das duas companhias estão exageradamente descontados. “A Cogna acabou de aprovar uma captação, cujos recursos servirão para reforçar o capital de giro e alongar o passivo”, acrescenta.

Este último aspecto sana parte das preocupações de investidores relacionada à capacidade da Cogna de cumprir suas obrigações financeiras.

“Mas a lição mais importante que fica para o investidor nesses dois casos é não se ancorar na expectativa de que os preços dessas ações voltarão às máximas lá de 2023. Não vão. O cenário hoje é completamente diferente”, finaliza Cozzolino.

Magazine Luiza é a única "varejista raiz" do ranking no primeiro semestre. Mas não é porque está pior que suas concorrentes brasileiras, e sim porque é a única delas que se manteve na carteira do Ibovespa. Grupo Casas Bahia rodou na última revisão e está fora do índice desde maio. Americanas...precisamos retomar?

E aí sobram Mercado Livre, Amazon e Shopee, que, apesar de serem operações de varejo totalmente on-line, são as maiores rivais de qualquer empresa de varejo atualmente. Mas são todos papéis listados em bolsas estrangeiras e, no Brasil, negociados apenas via BDRs (certificados que representam ações emitidas por empresas em outros países).

“Magazine Luiza tem potencial para se recuperar, especialmente após a notícia da parceria com o Aliexpress”, aponta Cozzolino. Mas o receio de uma “canetada" tributária e com a pressão inflacionária, que aumenta o endividamento das famílias, são o pano de fundo de um cenário paradoxal.

“A questão aqui é: ou acertamos os ruídos e ajustamos uma política fiscal que trará os juros para baixo ou teremos redes varejistas fechando lojas”, declara o chefe de análise da Levante. “O custo da dívida dessas companhias já não consegue mais ser pago com a margem operacional.”

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