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Um tiro de bacamarte disparado das mãos do mestre Nena em plena periferia de Juazeiro do Norte acerta o coração da gente em cheio. Explode coração, na maior felicidade. Explode a cabeça da gente, antes delimitada por um Brasil que a gente ao mesmo tempo desconhece e anseia. Explodem estereótipos de um Nordeste que a história se encarregou de rotular de seco, de pobre. Explode alegria, cor, fantasia. Gente grande brincando, criança feita de rei, meninos correndo de um pássaro sem asa, corre que o Jaraguá vem te pegar. Reisados de altezas brasileiríssimas, brincadeiras que levam o Brasil a sério, folguedos que desafiam a produtividade infértil de um mundo desprovido de poesia.

Há algumas semanas recebi um convite que me parecia tão irrecusável quanto misterioso: “vamos dançar reisado na periferia de Juazeiro do Norte”? O que você responderia? Saberia do que se trata, pra começar? Minha primeira reação: vamos, vamos de todo jeito, já tô com roupa de ir, vamos logo que o tempo urge e o Brasil não é para amadores, mas para amantes desse lugar e desses territórios todos. Mas, num segundo momento, o mistério: saberei eu dançar reisado? É algo que se aprende? Que se ensina? E eu lá tenho roupa de ir nesse negócio? Terá o meu corpo sudestino esse gingado e essa leveza para esses verbos todos ligados ao folguedo: dançar, brincar, tirar reisado? Terá o seu?

Explosão de Brasil, explode a cabeça da gente essa cultura tão rica e tão viva — Foto: Kant Rafael
Explosão de Brasil, explode a cabeça da gente essa cultura tão rica e tão viva — Foto: Kant Rafael

Eu descobriria alguns dias depois, já encantada pelas figuras do Mateo, da Caterina, do Jaraguá, da Burrinha e do Boi descendo ladeira abaixo no bairro do João Cabral com o Reisado dos Irmãos, seguido pelo estrondo do bacamarte de mestre Nena, em pleno Cariri cearense. Pow! Explosão de Brasil, explode a cabeça da gente essa cultura tão rica e tão viva, explode coração de assombro e mistério. O tiro de bacamarte do mestre Nena acertou meu coração em cheio. Dias depois, eu reaprenderia reisado e risada na pequena Potengi, com os caretas do mestre Antonio Luiz. Ali, no sitio Sassaré, depois de comer o mugunzá da panela da dona Rosa. E jamais me esquecerei. Pow! O Brasil quando acerta a gente é de arrepiar.

Conhecer o Nordeste para além do litoral é um convite que não se recusa. Vai por mim. A viagem é sem volta e o retorno é garantido. Mas o que para mim fora um chamado, ou ainda uma invocação, é missão para quem me chamou. O convite partiu dos irmãos Pablo e Thiago Buriti, que carregam o coquinho do Cerrado no nome, mas que são filhos do “solo sagrado da Paraíba”. Há seis anos, eles fazem vivências pelo Nordeste interiorano através da Que Visu, agência especializada em turismo cultural e economia circular.

A ideia é mesmo desmistificar o Nordeste, ou revela-lo para o restante do Brasil, apegado aos estereótipos reducionistas ligados à região. Desde 2019, já foram mais de 20 vivências pelo Cariri paraibano – inicialmente com o chef de cozinha Onildo Rocha, e desde 2020 numa parceria virtuosa com o estilista Ronaldo Fraga (56), chamado pela dupla – de 40 e 38 anos respectivamente - de “irmão caçula”. Além deste roteiro, destaque para o Cariri cearense e a Chapada do Araripe e outros dois a caminho: Pernambuco e Serra da Capivara. O mote da agência? Não visita, viva. E a gente sai dessa experiência vivinho da Silva.

O Brasil quando acerta a gente é de arrepiar — Foto: Kant Rafael
O Brasil quando acerta a gente é de arrepiar — Foto: Kant Rafael

O Nordeste “das águas desarrumadas”

Nascidos em João Pessoa, os irmãos, filhos de um casal de professores, tiveram a formação escolar – do ensino médio à faculdade, entre Mogi das Cruzes e Campinas. Os pais faziam mestrado e os meninos acompanhavam. Só que nas férias, em janeiro e julho, eles voltavam à Paraíba, se revezando entre o litoral no verão e o agreste e o Cariri no inverno. “Mas tudo que tentavam ensinar de Nordeste para a gente na escola em São Paulo não ia além do litoral, e muita coisa a gente questionava, dizia que estava errado, era uma visão rasa, e às vezes errada do Nordeste. Por isso, quando criamos a Que Visu, a ideia era mostrar esse nordeste seco”, diz Thiago. E logo completa: “e eu não gosto desse termo, eu prefiro nordeste das águas desarrumadas, porque tem chuva, só que é mal distribuída”.

Dá pra entender porque Thiago não gosta da expressão “nordeste seco”. A seca sempre foi atrelada à região como algo limitador, que castigava sua gente e forçava a saída da terra em busca de uma vida melhor. É justamente contra esses estereótipos, mas mais que isso, a favor de mostrar um Nordeste que pouca gente conhece, que eles organizam os roteiros.

“A nossa ideia é mostrar para o Brasil inteiro o Nordeste das águas desarrumadas. O objetivo é quebrar os paradigmas sobre o Nordeste seco, e pra isso a gente mostra que tem arte, tem cultura, tem gastronomia, tem um povo hospitaleiro, composto por mulheres fortes. No Cariri paraibano a gente até provoca esse imaginário: se o Nordeste é do cangaço, do cabra macho ou das mulheres fortes que fazem a vida aqui”, diz Thiago.

Pablo Buriti, Ronaldo Fraga e Thiago Buriti — Foto: Kant Rafael
Pablo Buriti, Ronaldo Fraga e Thiago Buriti — Foto: Kant Rafael

No roteiro de cinco dias do Cariri cearense, há visitas em casas de mestres da cultura popular brasileira como mestre Nena do bacamarte, o Reisado dos Irmãos, o Reisado dos Caretas de Potengi, a casa dos irmãos Aniceto da banda de pífanos, ao ateliê do artista Espedito Seleiro, ao centro de artesanato Mestre Noza, à Lira Nordestina e suas xilogravuras, e aos impressionantes centros culturais da Fundação Casa Grande, ONG Beatos e ao Centro Cultural do Cariri, no Crato, entre outras atividades. Na mais recente, a vivência finaliza na tradicional Festa do Pau da Bandeira, em Barbalha – uma explosão cultural de Brasil como eu nunca tinha visto antes.

Para Ronaldo Fraga, o sucesso das expedições “vem justamente da visão de mundo que eu e os meninos temos sobre o mesmo assunto, que é o artesanato, o Brasil profundo, o turismo solidário e não aquele predatório. As expedições ressignificam não só artesanato, mas todo o universo de saberes, da gastronomia, das sonoridades.

A expedição vem para diminuir essas distâncias, para trazer um Brasil que muita gente não conhece, mas que é um Brasil que o Brasil não pode perder de vista”. Ronaldo jamais perdeu o Brasil de vista em suas coleções, seus projetos e agora, nas vivências pelo Brasil. Pelo contrário: ele sempre foi uma espécie de lupa, de lente de aumento para as belezas do nosso país. Um turista aprendiz, tema de uma de suas coleções e, agora, mote de vida.

E(u)xpedicionária

É tempo de São João e o Brasil se volta para o Nordeste. Um excelente momento para tentar avançar na visão sobre a região. Pare. Olhe. Escute. O céu está lindo, olhar incendeia o coração. É tempo de reinventar Nordestes.

Ouvir os irmãos Buriti – os três, inclusive o “caçula Ronaldo” – me faz lembrar de um livro essencial para se entender a visão estereotipada do Nordeste na cabeça de muitos brasileiros, e a missão dada e cumprida de reverter esse processo pelos irmãos paraibanos. Em “A Invenção do Nordeste e outras artes”, Durval Muniz se debruça sobre as origens da nossa ideia da região – tanto geográfica e supostamente homogênea quando de seus mitos, culturas, personagens e narrativas.

Imagens que foram, aos poucos e de forma certeira, povoando nosso imaginário sobre a região supostamente homogênea, ainda que tão múltipla, plural e diversa em sua geografia e modos de viver, de saberes e fazeres. Ele nos alerta sobre a importância de se retomar esse processo, de reverter esses males históricos, de desacreditar nas historias para boi dormir que nos contaram e começar a ouvir as historias dos bois dos reisados, vivos e brincantes.

“É preciso que a invenção do Nordeste deixe de ser uma questão adomercida, para voltar a ser reposta em nome do amor à vida que ainda é possível, em nome do amor aos homens. Se vida é amiga da arte, é possível com arte inventarmos outros Nordestes, que signifiquem a supressão das clausuras desta grande prisão que são as fronteiras”.

Que no tiro dos mestres do bacamarte se explodam as fronteiras, os estereótipos e os reducionismos. Para que possamos reinventar Nordestes nas nossas mentes e corações, povoá-los de imagens mais próximas das muitas realidades daquele lugar diverso e múltiplo – e mais cheias de beleza e fantasia, justamente porque mais reais. Tudo isso não se descobre, se aprende. Tal qual nos convidam os Buritis. Que a gente não se canse de inventar e reinventar Nordestes, mas principalmente, que estejamos ávidos de conhecê-los.

Para se entender melhor o Nordeste

“A Invenção do Nordeste e outras artes”, de Durval Muniz de Albuquerque Júnior | Editora Cortez

Para beber com e pelo Nordeste

Como além de pesquisadora de brasilidades eu sou também mixologista, sempre termino as colunas com dicas de goles para brindes sobre o tema. Nesta não poderia ser diferente.

Cajuína

Existirmos, a que será que se destina? É a frase de Caetano que todo mundo lembra, mas cajuína é um refresco de caju clarificado e adocicado. Há a versão gaseificada e industrializada, inclusive muito conhecida em Juazeiro por ser sede da fábrica da Cajuína São Geraldo. Ambas, com gelo valem o brinde. E com gim, numa versão de Cagimjina, vale demais também, com ou sem água tônica.

Kariri com K

Cachaça produzida na cidade de Barbalha, é um aguardente de cana adoçado. Na festa de Santo Antonio de Barbalha há um tonel que acompanha os homens que carregam o pau da bandeira, durante o percurso da chapada até a praça da cidade, chama de Cachaça do Vigário.

Cagimgina

por Néli Pereira

50 ml de gim
100 ml de cajuína

Bater os ingredientes na coqueteleira e servir em copo alto com gelo. Como alternativa, colocar 100 ml de água tônica e preparar como gim tônica.

Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Vogue Brasil.

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