E se você contasse seus fracassos e não só as vitórias?

Outro dia fiquei surpresa ao descobrir que já existem eventos nos quais pessoas se reúnem para contar seus fracassos. Pois é, geralmente ouvimos por aí apenas as vitórias e o lado bonito de vidas bem-sucedidas. Mas reunir pessoas para falar sobre o que deu errado é intrigante, no mínimo. Chega a parecer difícil contar apenas fracassos, porque temos uma tendência a imediatamente colocar desculpas sobre o motivo daquilo ou associá-lo a um episódio de vitória em seguida. Mas em um mundo repleto de notícias sobre gente que se deu bem ou ideias "bobas" que aos olhos do povo do dia para a noite deram certo, é importante conhecer bastidores.

O mito do "desenvolva uma startup e ganhe muito dinheiro"

Publicações respeitadas do cenário norte-americano de tecnologia, como o Mashable e o TechCrunch estimam que apenas 25% das startups fundadas conseguem sobreviver aos primeiros dois anos de operação, o que não significa que elas irão muito além disso. Além disso, a rapidez de ganho de escala de startups é algo relativo e muitas vezes mal calculado. De acordo com a aceleradora BlackBox, do Vale do Silício, o ciclo de maturação médio de uma startup é de 20 e 27 meses, passando pelas etapas de descoberta, validação, refinamento e escala.

Alguns casos famosos de startups que pareceram surgir de repente e fazer sucesso quando investigados nos mostram que não foram bem assim. O Pinterest, por exemplo em seus primeiros meses no ar era apenas mais um e tinha pouco mais de dez mil usuários, muitos deles sequer acessavam a rede diariamente. Durante os doze primeiros meses os sócios persistiram e investiram tempo e dedicação. Embora pareça que ele fez sucesso rápido, somente após vários meses é que o Pinterest acabou recebendo mais atenção e então começou a ganhar escala alcançando 25 milhões de usuários em 2011, de acordo com a ComScore.

Parecido ocorreu com o jogo Angry Birds, que virou febre entre jovens e adultos. Ele patinou sem sucesso por muitos meses, só depois de uma parceria com a Apple que o colocou na loja de aplicativos e de uma estratégia de marketing planejada por meio do lançamento simultâneo de um vídeo de divulgação é que ele subiu 600 posições e virou o jogo mais baixado, tendo neste momento lançado versões pagas para conseguir receita.

Currículos que só mostram as coisas boas

Geralmente, nossos currículos apresentam apenas nossas conquistas e são recheados de cursos, títulos, experiências, prêmios, pesquisas e publicações. Mas o Washington Post noticiou recentemente que o professor Johannes Haushofer, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, está fazendo sucesso após ter colocado em seu currículo todos os fracassos de sua carreira.  

Ele divulgou em sua conta no Twitter um currículo em que relata apenas as ocasiões dos cargos que disputou e não levou, dos prêmios que não ganhou, ensaios que foram rejeitados por publicações acadêmicas e pedidos de financiamento de pesquisas que não foram aprovados. Depois disso ele recebeu o apoio de muita gente. 

O professor quis contar que ele fracassou em muitas coisas que tentou fazer e que geralmente essas decepções não são vistas, enquanto o sucesso sempre é. 

Para elaborar o currículo de fracassos ele dividiu um currículo comum em categorias como "programas de estudo para os quais não me qualifiquei", "cargos acadêmicos e bolsas que não consegui", entre outros.  E assim, curiosamente o currículo de fracassos foi mais visto e comentado que o tradicional currículo de conquistas. O professor é doutor em economia e depois deste ocorrido recebeu cumprimentos de muitas pessoas dizendo que ele era otimista, inspirador e inovador. Ele fez isso para ajudar um amigo que estava vivendo um momento ruim, mas depois quis tornar público em seu Twitter como uma forma de ajudar pessoas que estejam vivendo momentos difíceis.

Para fazer isso ele se inspirou em um artigo publicado na revista Nature em 2010 pela neurobióloga Melanie Stefan, da Universidade de Edimburgo, na Escócia em que ela incentiva a fazer seu currículo de fracassos e perceber que provavelmente ele será seis vezes maior que um currículo tradicional. Nesse processo você vai perceber que será difícil lembrar desses fracassos, porque o tempo todo somos estimulados a esquecê-los, mas ao fazer isso você vai valorizar tudo o que já conseguiu e vai se lembrar de que coisas ruins passam.

Contando sobre fracassos e o que aprendi com eles

Participando de uma entrevista de emprego ano passado eu fiquei diante de uma pergunta que ainda não havia ouvido e que achei interessante, porque fugia daquele chavão "conte-me um defeito e uma qualidade".

A entrevistadora queria que eu contasse sobre um projeto meu que havia dado certo e um que havia dado errado e o que aprendi com cada um. Respondi com sinceridade nos dois casos achando ser uma pergunta realmente bacana, porque veja só, como seres humanos e também como profissionais não somos apenas 100% acertos.

Naquele dia eu contei sobre um produto que planejei certa época em uma empresa, quando trabalhava numa equipe de P&D. Meu erro foi ter gastado muito tempo no planejamento e criado expectativas para a diretoria sobre a apresentação dele, além de chamar mais gente do que deveria para a tal reunião. O produto foi mal aceito e não deu certo, fiquei frustrada e sem chão, mas daquilo tirei muitas lições boas sobre desenvolvimento de produtos e tratei de nunca mais repetir o que não havia sido legal na ocasião.

E outro dia eu exercitei lembrar sobre todas as vezes em que alguma coisa não deu certo pra mim e sobre como continuei tendo esperanças e não desistindo, sempre lembrando do que minha mãe sempre disse: "dias ruins sempre passam". Lembrei  de quando tentei doutorado em engenharia de produção como aluna especial e antes conversei por Skype com uma das professoras, além de ela ter me destruído e dito coisas horríveis, eu ainda não passei no processo seletivo. Lembrei também de quando tentei uma vaga de emprego que queria muito e que tinha certeza de que passaria, mas fui preterida e escolheram outra pessoa que aos meus olhos não tinha condição alguma de assumir a vaga. Lembrei de uma escola que já tinha acertado comigo sobre eu dar um curso presencial lá, e na última hora desmarcou tudo. De quando dei o meu máximo em um concurso de startups e meu projeto não foi escolhido, mas outro que eu achava péssimo. Lembrei das broncas que já levei da diretoria de uma empresa em que trabalhei, do seguro-desemprego que não tive acesso porque tinha um MEI aberto em meu nome sem movimentação, do período em que fique seis meses desempregada e não encontrava nada e das milhares de dificuldades que passei na infância e na juventude, relacionadas a coisas que eu queria ter e não podia, como por exemplo quando minha família passava um aperto e eu precisei ir à escola certo tempo com um tênis torto e feio, que era "zuado" por outros colegas da sala.

Lembrar sobre fracassos e perdas, principalmente aquelas relacionadas à carreira é um exercício interessante e útil. Nos mostra como a vida tem altos e baixos, momentos certos e errados. Nos mostra que em determinadas situações realmente só poderíamos falhar, porque realmente fizemos algo errado e o resultado só podia ser aquele, mas na época não podíamos ver dessa forma. Nos mostra também que precisamos ter calma em algumas outras situações, às vezes tudo parece conspirar a favor e de repente tudo dá errado. Nesses casos eu sempre me lembro que as coisas tem um propósito sempre.

Lembra de quando o World Trade Center foi atacado e tanta gente morreu? Naquele dia existiram pessoas que se atrasaram para chegar lá e por isso não morreram. Isso vale para sua vida toda, seja sim persistente sempre, mas quando algo não der certo procure lembrar que realmente talvez não fosse pra dar mesmo. Em muitos casos a gente só percebe isso mais pra frente, quando outras oportunidades ou verdades surgem e entendemos que o "nosso estava reservado".

Escrevo essas palavras para escancarar mais uma vez as verdades da vida, pra te dizer que você não é pior profissional que ninguém, que todo mundo tem momentos ruins e fracassos, mas que refazer-se e voltar a ter fé sempre corrigindo o que for entendido como algo que merece ser trabalhado é o segredo para ser cada vez mais uma pessoa melhor e alcançar o que você deseja.

Ps: o artigo ressalta a importância da reflexão sobre derrotas. Isso não quer dizer que você deva chegar a uma entrevista de emprego e contá-las, ok? Já explico isso aqui antes de receber comentários de quem possivelmente não tenha entendido a mensagem e o contexto.