O Lado Sombrio da ARTE
- Nossa ele é a sua cara — disse a mulher, com uma expressão ambígua no rosto.
Adoramos quando alguém diz que nossos filhos se “parecem” com a gente, né?
É um misto de orgulho e alívio.
Quando “criamos” algo funciona da mesma forma…
A nossa criatividade, quando se veste de inovação, traz ao mundo uma invenção, um ideia que morava na sua cabeça e que, por muitos motivos, necessidades e estratégias, veio à luz.
"Isso aqui é a cara do fulano ou da fulana…". Nossas criações mais autênticas têm uma assinatura que nos revela.
Mas, não se engane, tudo o que fazemos não é nosso, definitivamente.
Não fazemos filhos sozinhos (tem que ter pelo menos 2 na parada), e também sempre os criamos para o mundo (mesmo que uns não gostem da ideia).
Filhos são obras de arte da própria natureza. O que usamos para “fazê-los” não é nosso; inclusive o conhecimento que usamos para configurar suas visões de mundo.
Tudo é externo a nós
O DNA veio de nossos pais; que receberam de seus pais, e, assim, indefinidamente…
O conhecimento disponível já estava aí; a gente só fez a curadoria ou apenas seguiu no fluxo, por mera conveniência ou puro acaso.
A vida, às vezes, é só uma enxurrada de acontecimentos.
Mesmo assim, adoramos quando alguém diz “ela é a sua cara”.
Ainda nos dá um prazer enorme acreditar que somos criadores singulares.
A busca pela originalidade máxima guia nossos sentidos e mantém a ganância fresquinha de novas possibilidades.
Difícil provar para alguém que somos a soma de tudo o que veio antes, e que nosso conhecimento nada mais é que a mesma coisa.
A natureza continua a fazer seres humanos porque mantém um banco de dados armazenado em nossas células, assim como criamos nuvens digitais para guardar o máximo de ideias fantásticas e vídeos de gatinho que for possível.
É a soma e a mistura que tornam a sobrevivência de uma ideia, que nunca é a mesma, possível.
Ideias e DNA que não se permitem viver a mistura não se adaptam.
E de acordo com o Tio Darwin isso é tipo um atestado de extinção à vista.
A arte é uma maldição para nós humanos.
Desde as paredes de antigas cavernas, passando pela pedra de Roseta, hieróglifos e murais egípcios, até a Capela Cistina, sem esquecer o Davi de Michelangelo, nem a Pietá, muito menos a Monalisa de Da Vinci; sem contar a infinidade de livros fantásticos e pentagramas musicais, e, agora, a Internet e sua filha mais encantadora, a IA, povoam a história da criatividade humana.
A arte é teimosa
Ela é um tipo de sombra existencial, que nos persegue enquanto caminhamos como insetos na direção da luz.
A curiosidade humana é poderoso combustível que mantém a imaginação em pleno voo, na eterna busca por novidades.
A questão mais delicada e importante é que devastamos tanto o ecossistema sensorial das pessoas que as chuvas ficaram escassas, e a quantidade de perguntas diminuiu.
Questionamos pouco; e quando o fazemos, nossos argumentos são frágeis, às vezes, tão impregnados de certezas que se tornam quebradiços.
Nos falta flexibilidade.
naturalmente artificiais
Asas de aviões dobram até 7 metros para lidar com fortes turbulências; se fossem rígidas suas asas se quebrariam.
Da mesma forma, ideias precisam dessa elasticidade para manter a nossa imaginação voando.
As turbulências da vida jogam nossos “aviões” no solo porque usamos ideias rígidas pra guiar nossos projetos.
Essa mudança climática sensorial “cultivou” na maioria de nós um jeito de pensar quase estéril.
Desenvolvemos estilos de pensamento baseados em monoculturas, como lavouras.
Pensar de forma linear, repetida ou seguindo padrões rígidos, como é feito na agricultura de monocultura é perigoso demais. Pragas ameaçam lavouras porque são ambientes naturalmente artificiais.
Ela ainda é a mesma
Mentes que pensam raso ou de forma genérica, também encaram a ameaça de “pragas”.
Ambientes diversos, como florestas nativas, possuem predadores naturais. Por isso não existem pragas, tudo está em equilíbrio.
A arte se reinventou ao longo dos séculos e milênios de existência dos sapiens; e se valeu da tecnologia, mas também sofre com as suas invevitáveis facilidades.
A arte que normalmente serviu como alerta para as mazelas do mundo, estimulando um senso crítico sobre a própria realidade, hoje é usada como artifício de uma lógica de mercado.
Uma simples banana, que já serviu de símbolo do que seria barato, fácil de cultivar e ainda mais fácil de se encontrar em todos os lugares, além de deliciosa e simples de ser consumida, agora é o símbolo máximo do status quo.
Ela mudou?
Seu código genético está diferente?
Chegou um exemplar vindo de outra galáxia?
Não; não mudou! É a mesma banana. O que mudou foi o nosso olhar sobre ela.
Ela ainda é a mesma.
É só não prestar atenção
Obras já demandaram anos de estudo e dedicação, além de colossais enfrentamentos sociais, já que algumas ou eram o fruto de rebeldia contra um sistema ou a disputa acirrada entre artistas que pensavam diferente. Não importa, sempre houve uma história gigante e densa por trás desses ícones.
Hoje, não.
Alguém, na vã tentativa de desconstruir a tal lógica mercantilista, acaba criando um ícone instantâneo que os donos do poder usam para fazer ainda mais dinheiro com ela.
Isso está em todas as camadas e atinge a todos nós.
Lembro de um episódio de os Simpsons, em que os personagens das propagandas criam vida e começam a destruir Springfield. E a única forma de detê-los era parar de prestar atenção.
Mas, como?!
A arte foi corrompida
Assim como a Alegria e a Tristeza foram banidas da Sala de Controle, no filme Divertidamente da Pixar, deixando a Raiva, o Medo e a Nojinho com as rédeas nas mãos, assim também estamos nós aqui na praça, dando milho aos pombos.
Meio que assistindo ao grande show da existência humana, no qual deveríamos protagonizar, mas escolhemos papéis passivos; e quando surgem oportunidades, reagimos com ira, receio ou desprezo, já que a alegria insiste em não fazer as pazes com a tristeza, e permitir que todas as emoções convivam em paz, e de forma equilibrada.
A arte é a fome e a sede de viver.
Como as crianças fazem.
Tarja Branca
Quando terminei de assistir ao documentário Tarja Branca, dirigido pelo Cacau Rhoden e produzido pela Maria Farinha Filmes, ficou gravado em alto relevo a expressão “O território sagrado da infância”.
Ele nunca é o mesmo; o lugar nunca se repete.
A criança é naturalmente rebelde, não porque deseja ou sente vontade; é mais forte que ela. Não precisa de razões para isso. É instintivo. Há milhões de “vozes” em sua mente, e ela quer ouvir todas, dar nomes a elas, como um tipo de desbravador de um paraíso pessoal, que precisa batizar tudo o que existe ali.
No entanto, a “vida” através de seus emissários (os adultos) se encarrega de diminuir o volume, e encaixar suas rodinhas existenciais em trilhos de ferro, garantindo que sigam na direção e velocidade "certas”.
Nada de perguntas.
- Por quê? — diz o pobre ser infantil.
- Porque sim!!! — diz o adulto com saudades da infância que não consegue reconhecer no próprio filho ou filha.
Rir é para os fracos?
O lado sombrio da arte é, ao mesmo tempo, aquilo que nos cega para a parte colorida da vida, e onde estão ocultos todos os segredos que fomos obrigados a guardar ao longo da vida.
Boa parte daquilo que nos fazia rir espontaneamente.
Precisamos brincar no trabalho, e trabalhar no riso.
Precisamos trazer a “criança” de volta.
O tempo e o senso de urgência nos tornou adultos doentes de racionalidade crônica.
O riso foi proibido.
- O riso é o vento demoníaco que faz o homem se parecer com macacos — diz o Monge Ancião Venerável Jorge de Burgos, personagem fictício do famoso romance O Nome da Rosa de Umberto Eco.
- Os macacos não riem. O riso é próprio do homem — responde William de Baskerville, personagem de Sean Connery.
A morte que dá futuro
Riley, em Divertidamente, perdeu a capacidade de sorrir, de interagir com a realidade porque a sua Alegria tardava em se desvencilhar do passado, de sua alma mais despretensiosa e infantil.
Quando seu amigo imaginário “morre”, Bing Bong se torna a motivação principal para a alegria entender que não era para abandonar o riso, mas aprender a escolher a hora certa de permitir que isso aconteça, com propósito.
A minha criança interior e a sua precisam ser resgatadas do cativeiro, mas elas não virão como eram no passado.
Elas vão se reacostumar com esse presente e com o próprio senso de liberdade, recém-adquirido.
Não precisamos ser adultos infantilizados, mas crianças que aprenderam a ser adultos.
É disso que a nossa criatividade mais precisa.
É disso que o nosso espírito inovador mais sente falta.
É disso que se faz projetos de inovação realmente poderosos, com pessoas em suas plenas capacidades de interagir com uma vontade incrível de aprender uns com os outros; sem excessos e descontroles emocionais, recheados de cargas extras de medo, raiva e nojo.
Cadê a sua CRIANÇA?
O Lado Sombrio da Arte esconde valiosas pedras preciosas a serem lapidadas.
Vale a viagem e a coragem para nos redescobrir como verdadeiros protagonistas de histórias dignas de serem lembradas.
Afinal, não somos as experiências que vivemos, mas a forma como lembramos delas.
Me conta aí o que acha dessas ideias.
Compartilhe as suas opiniões; bora ampliar o papo e polinizar ideias.
Como você resgata sua criança interior em seus projetos ou no dia a dia?
Connector of people, dreams and results | Creator of Impactful Experiences | Leader Educator | Advisory Board | Developing Careers - Solopreneur X Employee
2wWILLIAM BARTER sua capacidade de filosofar e transformar em story telling, me deixam envolto em fantasia e cenas ficcionais explodem na minha mente, gratidão e sem dúvida esse é um dos caminhos. Gente esse é o valor entregue do Escritor. Abraços
Entrevistador de pesquisas de mercado na Kantar IBOPE Media | Pesquisas de mercado e Multimídia , Nível 2 .
2wÉ uma situação, muito triste, chegar a esse ponto.