O que os discursos de posse revelam sobre Jair Bolsonaro
Imagem capturada durante a transmissão

O que os discursos de posse revelam sobre Jair Bolsonaro

Antes de tudo, esta não é uma análise partidária. Vemos na televisão e nos jornais análises baseadas nas posições e disposições políticas, tentativas de antecipar o que está por vir como conteúdo. Esta não é uma análise com esta intenção. É uma análise da comunicação. Como o novo presidente do Brasil se comunicou nestes primeiros momentos de governo. Que elementos usou e como usou para engajar, ganhar apoio. 

E que fundamentos usei como base desta análise? Utilizei três técnicas de comunicação: a da Associação Americana de escritores de discursos (PSA); a de Nancy Duarte, guru do Vale do Silício, que, depois de muitos estudos, encontrou um padrão comum aos grandes comunicadores da História; e as técnicas de persuasão de Robert Cialdini.

O que ele aplicou das técnicas conhecidas ou o que ele deixou de aplicar? Essa leitura pode trazer dicas boas para líderes se prepararem para outros contextos. Confira.

  1. Perfil como comunicador

No primeiro discurso do dia, no Congresso, Jair Bolsonaro revelou uma linguagem de fazedor. Vou explicar melhor, Duarte sugere quatro perfis de comunicadores: 

·     influenciadores – que mudam a percepção das pessoas sobre algo,

·     inovadores – que colocam em seu discurso chamadas à novas soluções,

·     provedores - que se concentram em como trazer os recursos para realizar o que está sendo proposto, 

·     fazedores – que instigam atividades.

O presidente apresentou uma “lista de tarefas” e muitos verbos de ação ao longo do discurso, dois hábitos comum aos fazedores. Separei três exemplos abaixo:

·      “convoco cada um dos congressistas para me ajudarem na missão de restaurar e reerguer nossa pátria.”

·      “vamos unir o povo, valorizar a família (...) combater a ideologia de gêneros...”

·      “vamos honrar e valorizar aqueles que sacrificam...”

2. Concessão

Nos dois discursos, abriu com o recurso da concessão: atribuindo aos brasileiros a autoridade de tê-lo eleito e ele como quem recebeu esta missão. Este é um dos recursos de abertura que visa angariar, imediatamente, a simpatia de qualquer plateia. 

3. Consistência, reciprocidade, comprovação social

Ao relembrar, também nos dois discursos, o voto dos brasileiros que o elegeram, ele trabalha a consistência, principio da persuasão que levado neste contexto quer relembrar entrelinhas – vocês me apoiaram antes, repitam esse comportamento e me apoiem daqui em diante. E reforça essa retórica ao adicionar adjetivos (forte, indestrutível...). E também nesses trechos trabalha a reciprocidade: me elegeram e agora vou cumprir. E a comprovação social: quando se refere aos resultados das urnas.

3. Nós é melhor que eu

Outro recurso importante: o uso do plural “vamos, faremos...”, que é um elemento de inclusão: o ouvinte se sente parte da ação. 

4. Contraste

Usa também o contraste, recurso fundamental da narrativa persuasiva, entre substantivos concretos como no discurso ao povo na parte em que fala do fim do socialismo e em seguida fala de inversão de valores, uma ideia, que, ao contrário da anterior, é sujeita a diferentes interpretações e referências pessoais  A mesma dinâmica se repete em gigantismo estatal e politicamente correto. E mais claramente na frase: dar voz a quem não era ouvido. 

Faz ainda contraste entre passado, presente e futuro, mas não realça, com linguagem do cotidiano, com exemplos e metáforas, a diferença entre adotar ou não esse novo momento. Como um comunicador assertivo, ele vai direto ao ponto, sem contextualizar suficientemente para que os diferentes perfis de brasileiros consigam se projetar para dentro da sua argumentação.

 5. Impacto e call to action

Ofereceu um discurso institucional e não uma experiência transformadora. E, novamente, de acordo com as técnicas, o discurso mais persuasivo é aquele que nos faz ir junto e sentir o que a pessoa que está ali, na sua frente, está sentindo. Ao arrastar a linguagem de fazedor, institucional até o final, ele só consegue engajar quem pensa como ele. Não há call to action para os demais tipos de interlocutores.

6. Repetição de palavras

O presidente também não usa da melhor maneira um dos recursos de maior sucesso nos discursos que entraram para a memória: a repetição sonora de palavras. Ele repete apenas duas vezes, ao invés de três vezes, como sugerido pelas técnicas de alto impacto:

“Temos recursos minerais(...), temos uma grande nação (...)”

“Graças a vocês (...). Graças a vocês (...)”

E fala sem nenhuma inflexão em sua performance. Quando repete o slogan da campanha: “... Deus acima de todos”, também o usa sem cadência. Pontua finais, mas não contribui para engajar com a mensagem anterior. Esse era um recurso simples que podia ter sido aplicado com sucesso e criado uma conexão com o público. 

7. Afeição

E que momento talvez entre para a história? Aquele que criou elo emocional (princípio da afeição)? O da performance da primeira dama. Ponto positivo para a narrativa geral, já que esta conexão não foi contemplada nos demais momentos. Sentem como, nesse momento, acabamos mergulhando na experiência? Torcendo para ela acertar os gestos, tentando entender o que vinha depois... Nos envolvemos.


8. Estratégia

Toda comunicação é uma estratégia, além do mais quando é política. Então, por que não usar todos os recursos disponíveis para criar as conexões necessárias e realmente fazer acontecer o que se propõe? Explorar todas as oportunidades é o que faz uma narrativa forte. É o que fazem líderes que usam a persuasão positiva para dar forma a grandes transformações.

Por aqui, em geral, (não vou citar a exceção aqui para não polemizar) estamos longe de seguir nos discursos, os passos que Alan H. Monroe, sugere como estrutura motivadora e que, lá nos Estados Unidos, os escritores de discurso seguem como regra. Quer saber quais são – para usar na sua comunicação?

1.   construa a atenção da audiência,

2.   estabeleça anecessidade,

3.   convença sua audiência que existe um problema,

4.   satisfaça a necessidade e introduza a solução

5.   visualize o futuro. 

Que futuro visualizou a partir desses dois primeiros discursos?



Henrique Cremão

Transforming people and companies, using technologies for online corporate education

5y

Sensacional Kátia. Nosso discurso pode revelar muito sobre nossa personalidade não acha? Ou você acha que um discurso pode esconder a verdadeira personalidade? Parabéns pelo artigo.

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SERGIO F. LEAL

Diretor administrativo na Associação de Empregados em Hotéis e Similares do Estado R

5y

Um Presidente Liberal e Militar. Não como Lula e Dilma! Comunista e que em 16 anos endividou o país em 3 trilhões e 400 bilhões de Reais, destruiu a chamada família, criou um inferno nesse país, com mais de 60 mil homicídios por ano . Investiu nos países comunistas e implantou nas escolas a ideologia de Karl Marx.

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Profissional é profissional! Ótima análise! 👏🏻 Gostaria muuuito de ver uma análise do discurso de posse dos outros 2 ex presidentes (Lula e Dilma). Isso contribuiria muito na assimilação desse rico conhecimento que você disponibilizou aqui na rede 😉

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Nicolino Eugenio Silva Jr.

Gerente de Relações Trabalhistas e Sindicais na FEBRABAN

5y

Prezada Katia Menezes, Adorei sua análise. Parabéns!

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