Se não souber como falar com seu público, ele o abandonará
“Quem não comunica se trumbica”: os veículos de comunicação deveriam prestar mais atenção à célebre frase do Chacrinha - Foto: divulgação

Se não souber como falar com seu público, ele o abandonará

Recentemente assisti a uma entrevista com a youtuber Kéfera Buchmann, que já tem mais de 5,5 milhões de seguidores e está fazendo um bom dinheiro com seu canal. Na hora, pensei na Info, que não resistiu e anunciou, no dia 12 de agosto, o fim da sua versão online (a impressa já não circulava desde fevereiro). Mas, afinal, o que uma coisa tem a ver com a outra?

Não, esse não é mais um melancólico post lamentando a morte de um veículo de comunicação. A proposta aqui é debater como o sucesso da primeira e a derrocada da segunda têm muito a ver com o uso adequado da linguagem.

Kéfera é bonita e divertida, e seus vídeos, apesar se resumirem a mostrar situações prosaicas de seu cotidiano, têm uma boa produção. Mas seu grande trunfo é usar uma linguagem adequada para seu público, que ela conhece bem. E, por linguagem, não me refiro apenas às palavras que ela escolhe. O ritmo, a edição e os efeitos aplicados nos vídeos são importantíssimos elementos para quem quer ter sucesso no YouTube. Seu bom manejo da linguagem digital continua em como promove seu conteúdo (e a si mesma) e como interage com seus fãs nas redes sociais, aproveitando-se das peculiaridades de cada uma. Ou seja, nada de tentar empurrar uma mesma chamada para todas ou ignorar as pessoas!

Voltemos à Info: para muitos, o fim da publicação era inevitável. Como me disse um colega, um dos melhores jornalistas de tecnologia do país, “não há mais espaço para revistas de tecnologia em Língua Portuguesa, há espaço para sites”.

Opa, mas a Info já era apenas um site desde fevereiro!

Muita gente vai dizer que o problema da publicação era o mesmo que assola a imprensa escrita de forma generalizada: a enorme queda das receitas publicitárias, acompanhando a fuga de leitores. Mas será que isso é tudo, especialmente em um veículo segmentado, talvez o melhor que já cobriu o noticiário de tecnologia do país?

A Info já sofria a concorrência de sites havia muitos anos. Chegou a ela antes de outros títulos, pela natureza de seu assunto e de seu público. Esse enfrentamento provocou, há uns cinco anos, uma mudança editorial que desfigurou a revista: a Info passou a ser menos técnica e a cobrir assuntos da “vida digital”, com pautas sobre negócios e até comportamentais. Na minha opinião, essa decisão foi desastrosa, e acabou afastando parte considerável de seu público mais fiel e antigo.

Junto com a mudança nas pautas, veio uma mudança na linguagem, que tentou ser mais descontraída. Isso pode ter reforçado a distância do leitor mais tradicional da revista, sem conseguir atrair o público de sites de tecnologia, que já nasceram com essa proposta. Apesar de ser um dos títulos mais vanguardistas da Editora Abril na adoção de novas formas de distribuição digitais, é um fato que a Info nunca conseguiu fazer aquilo que a Kéfera faz com extrema desenvoltura. Nesse ponto, o veículo ficou sem uma identidade clara. Tempere tudo isso com a crise do setor, e o desfecho da Info estava definido.

 

Atualizar sem se perder

Uma mudança de linguagem não implica em um veículo perder a sua essência. Um exemplo bastante interessante vem acontecendo no Jornal Nacional. William Bonner e sua equipe não se limitaram às tradicionais mudanças cosméticas do cenário e implantaram alterações significativas editoriais e técnicas, conferindo ao telejornal um novo ritmo, mas sem deixar de ser o JN.

Além de uma linguagem muito mais próxima do público e reportagens mais longas, o uso de um truque de câmeras combinado a um enorme telão permite que os âncoras conversem de pé com os jornalistas que fazem entradas ao vivo como se estivessem lado a lado. Vale destacar também a reinvenção da previsão do tempo (um noticiário tradicionalmente relegado ao segundo plano) com Maria Júlia Coutinho, que ganhou um destaque que poucos têm no JN. A nova “moça do tempo” não apenas informa a previsão, mas também explica o porquê dos fenômenos climáticos para o público. Além disso, o próprio Bonner extrapola os limites da telona e faz um bom uso de sua conta no Twitter, mesclando algum humor, tuítes pessoais e promoção do Jornal Nacional do dia.

 

“Quem não comunica se trumbica”

A famosa frase do Chacrinha é uma dessas obviedades da vida que muitas vezes passam despercebidas no cotidiano. Mas é inaceitável que uma empresa de comunicação não consiga praticar isso.

É claro que a crise financeira parece ser o maior dos problemas dessas companhias, metidas em um buraco que teima em ficar cada vez mais fundo. Ontem mesmo O Globo e Extra demitiram cerca de 60 jornalistas (aparentemente os de salários mais altos), no seu segundo “passaralho” do ano (o primeiro aconteceu há seis meses). Mas esse problema é uma “crônica de uma morte anunciada” diante da inabilidade (ou teimosia) dessas empresas em insistir em um modelo de negócios que não se sustenta mais há anos (e debatido exaustivamente neste blog).

A situação fica desesperadora quando notamos que há ainda essa crise de linguagem nos veículos tradicionais. Qualquer um sabe que não se deve usar as mesmas palavras de uma mesa de bar com os amigos ao se escrever um e-mail comercial, que, por sua vez, também não serve para um artigo científico.

Cada público e cada ocasião têm a sua maneira de se comunicar. Isso vale também para os meios digitais, e cada um deles tem suas peculiaridades. Quem não respeita isso assiste impotente a seu público ir embora. Kéfera explica.

 

Este texto foi publicado originalmente no meu blog, "O Macaco Elétrico" (www.paulosilvestre.com.br), no dia 3 de setembro de 2015.

 

Sobre o autor: Paulo Silvestre, jornalista apaixonado por mídia e tecnologia, está online desde 1987 e trabalha com mídias digitais desde 1995. Participou da criação da FolhaWeb, que se transformou no Universo Online, e da AOL Brasil, onde foi gerente de produtos. Foi também editor de produtos digitais da revista Exame, gerente sênior de conteúdos didáticos digitais da Editora Saraiva, gerente de produtos digitais do Grupo Estado, editor de produtos digitais da Microsoft e gerente de e-commerce da Samsung. Lecionou as disciplinas “Jornalismo Digital” e “Tecnologias da Comunicação” na Universidade Metodista de São Paulo. Atualmente é professor dos cursos de pós-graduação “Redes Sociais, Colaboração e Mobilidade” (PUC-SP), “Design de Interação” (Istituto Europeo di Design) e “Gestão de Conteúdo em Comunicação” (Metodista).

Solicitações de palestras podem ser enviadas para contato@paulosilvestre.com.br

Perfeito texto!

Leonardo Augusto Alvares De Azevedo

Sócio no Grupo JP&B Contabilidade, Consultoria Tributária, Treinamentos e Sistemas

9y

Apresentação dos nossos trabalhos e possíveis parcerias com os clientes. Obrigada pela atenção e se possível favor divulgar os mesmos. Cálculos jurídicos e extras judiciais, Consultoria Tributária e Contábil. Trabalhos para ANVISA - Protocolar algum documento, dar entradas nas famosas AFEs (Autorização de Funcionamento), dentre outros para execução e conclusão dos serviços solicitados. Atendemos em todo o Brasil. www.jpeb.com.br Leonardo 61-9926-7755 (wathsapp) 041-61-8217-5013 (tim) - leoazevedo.df@gmail.com

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Quem não comunica-se trombica, eu repito isso sempre, o velho guerreiro tinha razão!!!

Tatiana Queiroz de Siqueira

Conecto ideias, pessoas e oportunidades Profissional de comunicação, atualmente assessora de imprensa da Transpetro

9y

Quando comento com amigos que me transformei em uma viciada em Youtube e que não vejo mais TV todos acham que estou querendo voltar à adolescência. Mas assistir conteúdo sob demanda, com uma linguagem com a qual se tem afinidade e informação é sensacional. Perfeita sua colocação! A mesma mensagem pode ser tratada de diversas formas. Cada público tem seu gatilho atrativo e é nisso que nós comunicadores devemos pensar. Não é que o mundo é digital e todo o resto morreu. As Kéferas e Jout Jouts da vida estão dando um banho nos heads dos impressos.

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