Por Leonardo Milagres, g1 Minas — Belo Horizonte


"O Menino Marrom", livro de Ziraldo. — Foto: Editora Melhoramentos

A suspensão do livro "O Menino Marrom" em escolas de Conselheiro Lafaiete, na Região Central de Minas Gerais, dividiu opiniões na cidade. As atividades relacionadas à obra de Ziraldo foram canceladas pela Secretaria Municipal de Educação depois da pressão de pais que consideraram o conteúdo "agressivo".

Livro de Ziraldo é proibido em escolas em Conselheiro Lafaiete

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A publicação, de 1986, conta a história de dois amigos, de raças diferentes, que querem entender juntos as cores. Eles buscam saber o que é branco e o que é preto e se isso os torna diferentes. Para alguns responsáveis de alunos, trechos do texto induzem crianças "a fazer maldade" (entenda mais abaixo).

  • O mineiro Ziraldo morreu no último abril, aos 91 anos. Escritor, desenhista, chargista, caricaturista e jornalista, ele foi um dos fundadores, nos anos 1960, do jornal "O Pasquim", e autor do clássico "O Menino Maluquinho".

Ziraldo Alves Pinto, jornalista, cartunista, chargista e escritor — Foto: Revista Crescer/Globo

No entanto, a decisão gerou reações de outros pais de estudantes, moradores do município e docentes a favor do livro.

"Eu sou professor de história do município e tenho uma filha que estuda na mesma escola, no 4º ano. Durante a semana, ela leu o livro e estava aguardando para fazer o exercício. Houve uma discussão inicial de alguns pais e recebemos essa notícia [da suspensão]. Enquanto professor e pai, não achei devida nem justificável essa intervenção", disse o historiador César Willer de Sousa.

Historiador César Willer de Sousa e a filha lendo "O Menino Marrom", de Ziraldo — Foto: Ernane Fiuza/TV Globo

"Eu fui criado lendo Ziraldo, um 'mineiro raiz'. Eu gosto muito de Ziraldo. A minha luta é que estão há um tempo usando religião para censurar grandes escritores. Onde a gente vai parar com isso? A minha indignação está nisso", contou o laboratorista Fábio Leandro Ferreira, pai de uma adolescente que estuda na rede municipal.

Para a professora Marta Glória Barbosa, que dá aulas de português para o ensino médio, a medida é prejudicial aos estudantes.

"É preocupante. Sou professora de português, então, qualquer retirada de livro, para mim, é o cúmulo do absurdo. O livro é espetacular, escrito pelo Ziraldo, que é nosso. Não vejo nenhuma justificativa para essa suspensão", afirmou.

Trechos citados

Um dos trechos de "O Menino Marrom" citados por alguns pais em Conselheiro Lafaiete trata de um possível pacto de sangue entre os meninos, que não se conclui:

  • "— Temos que fazer o pacto de sangue! Um deles foi até a cozinha buscar uma faca de ponta para furar os pulsos."

Ele termina com os protagonistas optando por usar tinta no lugar de sangue:

  • "Ficaram os dois com as pontas do fura bolos cheias de tinta azul."

O outro é um pensamento negativo que o protagonista tem em relação a uma velhinha que não aceitou a ajuda dele para atravessar a rua. Mas a ação também não acontece, por se tratar apenas de uma ideia.

Prefeitura lamenta

Em nota publicada nas redes sociais, a prefeitura disse que o livro de Ziraldo "é um recurso valioso na educação, pois promove discussões importantes sobre respeito às diferenças e igualdade" e "aborda de forma sensível e poética temas como diversidade racial, preconceito e amizade".

No entanto, "diante das diversas manifestações e divergência de opiniões", a Secretaria Municipal de Educação solicitou a suspensão temporária dos trabalhos realizados sobre a obra, "a fim de melhor readequação da abordagem pedagógica, evitando assim interpretações equivocadas".

"Lamentamos que tenham havido interpretações dúbias [...]. A Secretaria, em sua função de gestão e articulação entre escola e comunidade, compreende ser necessário momento de diálogo junto aos responsáveis para que não sejam estabelecidos pensamentos precipitados e depreciativos em relação às temáticas abordadas", declarou a prefeitura.

'Manifestação de censura', avaliam especialistas

Para o cartunista mineiro e especialista em literatura infantil José Carlos Aragão, a medida é uma "manifestação de censura a uma obra consagrada".

"A literatura não pode ser tomada como um código de conduta, de moral e bons costumes. [...] A literatura é arte, uma coisa que vai muito além disso. No máximo, um tema como esse pode ser tomado como um pretexto para um debate amplo e civilizado, que vai promover mais conhecimento", argumentou.

A pedagoga Rosa Margarida, especialista em estudos africanos e mestre em educação, destaca que a decisão de suspender o uso da obra é um retrocesso.

"O livro trata de muitas questões que são fundamentais, como a questão da tonalidade de pele das pessoas, como a questão da amizade, mas de forma sutil, muito agradável. O que não pode acontecer é censura a um livro, isso é muito preocupante, é um retrocesso", explicou.

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