Aqui estão eles, meu tesouro – meus discos que eu sempre acho que só eu que ouvi e ninguém mais... O que não é verdade, claro. Por mais que aquele artista por quem você se apaixonou seja “seu segredo”, tem sempre uma “alma solitária” que o encontrou por aí também – algo fácil de se descobrir, ainda mais em tempos tão conectados. O que só pode ser um bom sinal: a promessa de que nunca vai nos faltar a boa música.
 
Estou ciente de que se você só ouve o que nossas rádios tocam a impressão é outra: parece que nunca vamos sair do loop de vozes clonadas representando corações machistas pedindo perdão por ter chifrado a namorada (mais uma vez). Sim, existe muita música melhor que essa sendo feita – no Brasil e no mundo.
 
Por isso, como sempre, nossa lista anual viaja por nosso território nacional, mas também pelo Irã, Tunísia, Argentina, Tailândia, Sri Lanka, França, Austrália – e, claro, Estados Unidos e Inglaterra! Viaja também por vários períodos no tempo – muitas vezes de uma vez só, como é o caso do grande álbum no ano que você não ouviu, lá no fim da lista. (Lembrando que ela não é em ordem de preferência, os números estão lá apenas por uma questão de ordem).
 
Para quem está chegando agora, é importante que você esteja atento ao “não” no nome da seleção. Grandes artistas nos deram trabalhos geniais este ano – de David Bowie a Beyoncé, de Rihanna a Kanye West, de Drake a Metallica. Mas estes, claro, são artistas que dominaram nossos ouvidos. E cá estou eu no fim de ano, mais uma vez, para sugerir um mapa alternativo do pop em 2016.
 
Que você se divirta nessa rota – sempre errante. Como disse o mais elegante chefe de nação que conheci no meu período nesta Terra – aquele que infelizmente está deixando o cargo este ano –, Barack Obama: “We zig and zag”. Ele se referia, claro, aos caminhos da democracia (diante de um sucessor que ameaça voltar várias casas no tabuleiro do infindável jogo da civilização). Mas podemos dizer o mesmo do nosso surrado pop.
 
Assim como nenhum governo é permanente – pergunte isso a Fidel... –, não há moda que perdure para sempre na música. Logo vem um novo sopro mostrando que sabemos sim fazer um bom pop. Aqui estão então algumas dessas brisas que senti em 2016. Abram as janelas!
 
Whitney 1) “Light upon the lake”, Whitney – abro a lista com talvez o primeiro trabalho que eu separei este ano como um dos melhores de 2016. Lá em junho, ouvi “Light upon the lake” e achei que tinha apertado uma tecla de flashback. Quem faz música como essa hoje em dia? Bem, Whitney faz! “No woman” é a canção de amor que você sempre quis cantar e nenhuma banda veio te ajudar até então... Mas não pare por aí – avance para ouvir a melhor rendição de Belle and Sebastian desde... bem, quem liga pra datas?

Mahmundi2) “Mahmundi”, Mahmundi – melhor álbum brasileiro 2016? Sei que vou arrumar briga se der esse prêmio a Mahmundi. Mas assumo que ela foi sim a melhor descoberta nacional do ano – eu sei, tem Jaloo, mas “R#1” é oficialmente de 2015 (já falamos mais dele). Conheci Mahmundi numa “esquina” do último Lollapalooza – e fiquei encantado. O álbum (seu segundo) veio logo depois. E veio com vontade de mudar. Mas quem é que está ouvindo? Bom, eu tô – e você vai ouvir também...
 
Hopelessness3) “Hopelessness”, ANOHNI – “4 degrees” é a música mais desesperada deste ano. E isso é um elogio. Porque “Hopelessness” é um disco urgente. E brilhante.

Por trás desse nome, você sabe, está uma das vozes mais inesperadas de toda a história do pop: Antony Hagerty – venerado por uma lista de artista que vai de Björk a Kanye West, com talentos que ultrapassam a galáxia do pop. A urgência de ANOHNI é pela natureza ameaçada, mas seu grito ecoa outro pedido de socorro: o da boa música. Nós te ouvimos Antony!
 
Opoch4) “Un torrent, la boue”, O – nem tente achar este álbum no Spotify: é missão impossível! Também, quem mandou Olivier Marguerit dar simplesmente o nome de O para seu mais novo projeto? Eu mesmo tive de busca-lo num bom e velho CD! Quem conhece o pop francês sabe que os dedos de Olivier estão por todos os lados naquele cenário.

E agora, nesse projeto solo, você pode conhecê-lo por inteiro: uma mistura geral de sons e estilos – que é exatamente o que o pop está precisando. Corra atrás dele, começando por esta faixa no YouTube, “La rivière”.
 
Soft Hair5) “Soft Hair”, Soft Hair – imagine um Pet Shop Boys debochado. Sim, eu sei que o Pet Shop Boys já nasceu (mais de três décadas atrás) bastante debochado – mas o Soft Hair é mais. Sem contar Sam Eastgate e Connan Mockasin que são músicos ligeiramente mais sofisticados que Neil Tennant e Chis Lowe. Mas deixemos essa competição de lado: a proposta do Soft Hair é seduzir pela exuberância sonora – e para isso vale tudo: de “proto disco” alemão dos anos 70 ao “pós nada” do atualíssimo James Blake. Tá tudo lá – e é sublime!

 
MIA6) “AIM”, M.I.A – “Bird song”, música do ano. Não vou discutir – é o melhor sampler e o melhor remix. Pronto.

Dito isto, vou defender que o álbum que contém essa pérola é também sensacional – e se M.I.A. fosse um pouco menos teimosa ela teria emplacado melhor este ano.

Só ela tem a capacidade de achar o sample certo pra mensagem certa – e não usar esse clipe de música como uma muleta fácil, mas transformá-lo numa paisagem musical.

Se “Bird song” não lhe basta, tente “Go off” – ou qualquer outra faixa de “AIM”. Caso encerrado.

 
Bum Lam Plhoen7) “Essential hongthong dao udon”, Bum Lam Plhoen – lançada no final do ano passado no Japão, essa compilação é essencial para quem mergulhar fundo no pop tailandês. Eu sei, você nem sabia que existia um pop tailandês... Mas em mais uma viagem a Bangcoc este ano, numa loja de discos chamada 1979 Vinyl, encontrei esse CD e... Bom, sabe quando os terrestres ficam tentando se comunicar com os e.t.s em “A chegada”? Pois é, você tem que inventar um novo dicionário (musical) para entender isso – e se maravilhar...

 
Car seat 8) “Teens of denial”, Car Seat Headrest – devo estar ficando velho porque toda vez que ouço uma banda nova, fico procurando referências de coisas que já ouvi... Car Seat Headrest, por exemplo?

 

Como não achar nessa banda genial uma pitada de Strokes, outra de Clash – e até um dedinho de The Jam?

Pegue a receita que você quiser – o fato é que eu te desafio a achar em 2016 um punhado de faixas com mais energia do que a desses caras aqui. Nada mal pra quem tá na estrada desde 2010! Sem falar que o nome do álbum é genial...

 
Tam9) “Tam... Tam... Tam... – Reimagined”, Gilles Peterson – quase chorei quando vi que um dos melhores produtores contemporâneos resolveu fazer uma releitura de um álbum que eu achava que só eu ouvia... O “Tam... Tam” original é um disco brasileiro, de 1958 – a trilha de um musical bizarro que o “Brazil” resolveu exportar para a Europa naquela época.

Esse álbum foi relançado em 2014 – e comecei uma pesquisa em cima dele, quando de repente eu vejo que Gilles Peterson também se interessou pelo disco – e repensou essa obra-prima. Uma audição essencial pra quem quer sair da zona de conforto...

 
Kuorosh 10) “Back from the brink: pre-revolution psicheldelic rock from Iran 1973-1979”, Kuorosh Yaghmaei – este álbum foi lançado cinco anos atrás. Mas cheguei nele por um outro disco de Kuorosh que saiu em 2016: “Malek Jamshid”. Gostei, mas quando fui pesquisar no passado desse artista, gostei ainda mais!

Assim, como introdução a esse ídolo psicodélico iraniano, eu sugiro que você comece pelos anos 70. Coisa boa imaginar que do outro lado do mundo, enquanto o rock embarcava no punk, alguém fazia música assim...

 
Danny Brown11) “Atrocity exhibition”, Danny Brown – como nada que você ouviu este ano. Esta é a melhor maneira de definir esse – que é o quinto álbum do rapper de Detroit, e seu melhor. Mas vá preparado.

Logo na primeira vez que você escuta, você se vê diante de duas opções: sentir-se repelido por toda aquela esquisitice; ou seduzido por seus mistérios. Preciso explicar que caminho escolhi? “Lost” é a “melhor música de outra planeta” do ano – e a prova de que Danny Brown é genial.

Jaloo12) “#1”, Jaloo – faço logo o mea culpa: eu mesmo deveria ter “descoberto” este disco quando ele saiu – no final do ano passado. Mas eu devia estar envolvido com outras coisas – ou então abduzido! Fato é que eu “comi barriga” e deixei “#1” passar... O castigo por esse pecado? Ouvir Jaloo todos os dias de 2016. O que para mim não foi nenhum sacrifício. Há quem diga que ele é o Ney Matogrosso do século 21 – mas eu discordo: Jaloo é atemporal, etéreo, lindo e leve, é pop. Quem escreve algo como “Tô tão contente, delay, tô pra trás/and I get lost every once in our eyes” só poder ter meu respeito e admiração.

 
Pollice13) “Pollice Verso”, Pollice Verso – sim, uma banda brasileira cantando rock em inglês vale muito a pena ouvir – especialmente se ela for a Pollice Verso.

Eles são de Curitiba – e eu diria que o povo de lá tá se saindo bem no pop, certo Karol Conka? Dizer que um grupo brasileiro que canta em inglês é “competente” é “tapinha nas costas”.

Pra mim o Pollice Verso é uma boa alternativa pra gente procurar novos horizontes – um caminho até mais difícil do que o daqueles que cantam em português. Mas só pela coragem – e “competência” eheh – já chamaram minha atenção nesse simples EP.

Cashmere14) “Cashmere”, Swet Shop Boys – eu já tenho um pé ali na Índia, não é segredo. Mas justamente porque ouço tanta coisa que tem a ver com esse canto do mundo, tá cada vez mais difícil de me surpreender.

Nesse quesito o Swet Shop Boys se saiu com louvor: com samplers de fazer inveja a M.I.A. (veja acima), cada faixa é um pequeno universo – parte Eminem, parte Cornershop. E lá vou eu com as minhas referências de novo...

Não liga pra elas – ouça “Cashmere” do começo ao fim como uma grande viagem. Que é exatamente disso que estamos minha gente, eu tô falando...

Casa15) “Casa del Viento”, Karina Vismara – uma lista dessas sem um artista argentino não rola né? Você já conhece as regras eheh! Mas Karina não está aqui apenas pela nacionalidade no seu passaporte. Ouvir seu disco é lembrar de tantas mulheres fortes que já passaram pelo pop – de Joan Baez a Lhasa.

Ela bebe em tantas fontes, que chamar sua música de “neo-folk” é de um reducionismo cruel. Ainda não decidi se prefiro ouvi-la cantar em inglês ou castelhano... Talvez na sua língua nativa – só por causa de “Que fácil es hablar”...
 

Childish16) “Awaken, my Love”, Childish Gambino – enquanto todo mundo no hip-hop só se ajoelha para Kanye West (que fez o ótimo “The life of Plabo” este ano – e que todo mundo ouviu, logo, está fora desta lista), Donal Glover segue ainda abaixo do radar... Sempre achei que Gambino fosse só uma brincadeira de Glover, um projeto a mais desse artista multi talentoso. Mas “Awaken, my love” é o disco de hip-hop mais interessante que ouvi em 2016, com um pé no passado (soul circa 1970) e vários no futuro. Desculpa Kanye...

 
Barbara17) “Barbara - Fairouz”, Dorsaf Hamdani – uma cantora tunisiana cantando o melhor do reportório de uma dama da canção francesa e o de uma diva libanesa? É emoção demais pro coraçãozinho deste fã de músicas do mundo todo – aquelas sem barreiras, que falam todos idiomas e ao mesmo tempo um só... Mas sem divagações, este é um encontro feliz de dois universos – que na voz de Dorsaf nem parecem tão distantes assim.

Cantando em francês e em árabe, vemos que a proximidade entre Barbara e Fairouz é enorme. É a música ganhando dos mapas – é um presente pros nossos ouvidos.

 
Glass Animals18) “How to be a human being”, Glass Animals – é dessa festa que eu quero participar neste final de ano, ou qualquer outra festa que esses caras forem tocar. Modernos, misturados, misteriosos – divertidos, enfim.

Como alguém ainda não fez um remix de 2 horas de “Season 2 episode 3” pra quem quer passar uma madrugada sem dormir? Uma verdadeira inspiração para nossos tempos de mesmice – ainda bem que tem gente louca fazendo música. E não só em Oxford...

 
Blood Orange19) “Freetown sound”, Blood Orange – a essa altura, quem frequenta este espaço já sabe que sou devoro de Dev Hynes, em todas suas encarnações. Blood Orange é a mais esotérica delas – e talvez a que eu mais goste até hoje.

Seus outros álbuns já entraram nesta lista em outros anos, mas “Freetown sound” não está aqui só por inércia. Essa é uma coleção de criações de um músico inquieto, provocador, capaz de produzir joias pop para outros cantores, mas para si mesmo prefere os caminhos mais difíceis. Eu também eheh.
 

Tove Lo20) “Lady wood”, Tove Lo – num ano em que as grandes divas – Rihanna, Beyoncé, Gaga –  resolveram fazer álbuns “ligeiramente” experimentais (e sublimes) sobrou pra Tove Lo reinar na sua inteligência pop. “Habits” era só o começo. Depois que ela tomou coragem para gravar as músicas dela mesma – e não compor para os outros, seu trabalho ficou ainda melhor. Por isso fecho essa lista com ela – Tove Lo deveria ser mais ouvida! E não vou nem comentar o atrevimento de fazer uma capa que é um clone (ou seria homenagem?) a “Like a prayer”, de Madonna?

 
E o melhor álbum do ano que você não ouviu é... “Wildflower”, The Avalanches. Nenhum disco desse ano, independente de quem o tenha produzido, tem a sofisticação de “Wildflower” – e não digo essa sofisticação besta, esse virtuoso musical que muita gente gosta de exibir. O segundo álbum do Avalanches – que levou “só” 16 anos pra ser feito – é uma peça de joalheria pop, camada sobre camada de música delicadamente colocada um sobre a outra, com o cuidado de um artesão. Mas falando assim tenho medo de arruinar com elogios tolos um disco que é sensacional – único! E se o próximo do Avalanches demorar o mesmo tempo pra sair – nossa, eu vou ter 66 anos! – assim seja! Vou estar esperando com a mesma alegria com que eu acordo cantando, todo dia, “Sunshine”...
 
Avalanches