Uma das salas da panorâmica “Angelo Venosa — Escultor”, inaugurada nesta quinta-feira (24) na Casa Roberto Marinho, no Cosme Velho, Zona Sul do Rio, é ocupada apenas por duas obras. Uma delas é uma xilogravura diminuta, um autorretrato de 32cm por 42cm, de 1972; a outra é uma escultura em madeira, tecido, fibra de vidro e resina de 4,3m de comprimento, de 2021, um de seus últimos trabalhos. Entre as duas datas, está uma longa jornada: o paulistano de 18 anos se mudou para o Rio (em 1974), graduou-se na Esdi (Escola Superior de Desenho Industrial), assistiu a aulas na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, tornou-se a principal referência da escultura da geração de 1980 e manteve uma carreira de prestígio dentro e fora do Brasil, com exposições em Paris, Roma e Lisboa, além de participar da 45ª Bienal de Veneza, em 1993.
Parte desta trajetória é contada na exposição curada por Paulo Venâncio Filho, a primeira dedicada ao artista após sua morte, aos 68 anos, em outubro passado, em decorrência dos efeitos da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença degenerativa com a qual foi diagnosticado em 2019.
A mostra havia sido pensada antes de sua partida, em conversas com Venâncio e Lauro Cavalcanti, diretor da Casa Roberto Marinho, dois amigos seus de longa data. Por conta disso, a ocupação dos 1.200m² de área expositiva da instituição foi pensada como uma celebração ao escultor, sem o peso de uma retrospectiva póstuma.
— Quis fazer uma exposição como se ele estivesse vivo, sem nenhum tipo de nostalgia, nem qualquer característica póstuma. Por isso, não estabelecemos uma cronologia, nem um percurso que fosse dos primeiros aos últimos trabalhos. Em todos os ambientes, são obras de diferentes fases e épocas conversando entre si, e os visitantes podem fazer suas próprias conexões — explica Venâncio. — Nas conversas sobre a exposição, falamos um pouco dos trabalhos que seriam importantes ter, mas sem nenhuma deliberação do que e onde entrar. Acho que a exposição correspondeu às expectativas dele. Ele teria gostado de ver.
Pesquisa constante
Neste diálogo entre trabalhos de diferentes períodos, as esculturas negras, dos anos 1980, ou as obras feitas a partir de elementos como cera de abelha e dentes de boi, dos anos 1990, dividem harmonicamente os espaços com estruturas criadas a partir de impressão em 3D, técnica investigada por Venosa na década de 2010. A mostra avança por esculturas mostradas em algumas de suas últimas individuais: “Penumbra”, no Memorial Vale, em Belo Horizonte (MG), e no Museu Vale, em Vitória (ES), em 2018, e, no ano seguinte, na Galeria Nara Roesler, em São Paulo, com curadoria de Vanda Klabin; e “Quasi” (2021), na sede carioca da Nara Roesler, curada por Daniela Name.
— Essa disposição das obras também destaca a variedade da obra dele, que vemos na escala dos trabalhos, na escolha dos materiais e nessa pesquisa constante, por várias técnicas diferentes. E há essa poética que permanece íntegra, ao longo da sua trajetória, o que faz com que o público possa reconhecer as suas características em obras de épocas distintas — destaca Venâncio. — Muitas definições surgiram no momento de instalação dos trabalhos, de como cada uma se relacionava com as outras e com o espaço da casa.
A seleção conta com empréstimos de coleções particulares e de instituições, como o Museu de Arte Contemporânea de Niterói e o Museu de Arte Moderna do Rio e o de São Paulo. Na Casa Roberto Marinho, a exposição é a primeira de esculturas contemporâneas — no ano passado, a instituição sediou mostras dos modernistas Maria Martins (1894-1973) e, em conjunto, de Alexander Calder (1898-1976) e Joan Miró (1893-1983).
— Angelo já tinha uma ligação com a Casa, participou das exposições "Oito décadas de abstração informal" (2018) e "O jardim" (2019). A ideia de montar uma panorâmica sua se relaciona com a nossa intenção de fazer uma ponte entre o moderno e o contemporâneo — frisa Cavalcanti. — E o trabalho dele trazia relações com o modernismo, como a questão planar, de estrutura, e a ligação com o abstracionismo não-geométrico, o que o coloca em diálogo direto com o nosso acervo.
Veja obras do artista Angelo Venosa
Outro detalhe da montagem é a relação das obras com a luz e a sombra, de forma a ressaltar as formas orgânicas criadas por Venosa, destacando ora a opacidade das “peles” de tecido e resina, ora as estruturas internas, que sustentam as esculturas como esqueletos. Iluminador da mostra atual, Antonio Mendel trabalhou com o artista na montagem de "Catilina", instalação montada no Paço Imperial em 2019, e se utiliza das orientações para direcionar os spots agora.
‘Super nerd’
Além das obras de Venosa, outra sala destaca a sua relação com a geração de 1980, com dez retratos seus pintados em acrílica pelo amigo Luiz Zerbini, nos anos 1990. A maior, uma tela de 2,4m por 1,90m, pertence à coleção Gilberto Chateaubriand/MAM do Rio. As demais, feitas em papel, vieram da coleção particular do pintor.
— Fiz os retratos em papel mais como estudos, depois ficaram guardados, não os via há um bom tempo. Gosto desses retratos, têm essa relação com a obra do Angelo, a presença dos ossos. E captaram bem a expressão dele, meio séria, mas muito doce — observa Zerbini. — Desde os anos 1980, nossa amizade passou por várias fases. Tinha a coisa de dois paulistanos morando no Rio, nossas lembranças de São Paulo. Além de ser um super nerd, todas as minhas dúvidas de informática tirava com ele. Falávamos de arte, das sementes que coletávamos no Jardim Botânico como referências para os trabalhos. Via muitas coisas coincidentes na minha pintura e nas esculturas dele.