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Best-sellers como 'Torto arado' e séries adaptadas são apostas para literatura brasileira abrir mercado externo

Mercado literário vê barreira linguística e a pouca atenção que o brasileiro dá à própria literatura como obstáculos para sucesso no exterior
Literatura brasileira para exportação Foto: Arte O GLOBO
Literatura brasileira para exportação Foto: Arte O GLOBO

No final do ano passado, após ganhar os prêmios Jabuti e Oceanos, “Torto arado”, o best-seller de Itamar Vieira Junior , começou a chamar a atenção de editores estrangeiros. Já lançado na Itália, o romance teve seus direitos de publicação comprados por editoras em Alemanha, Holanda, França, Eslováquia, Bulgária, México, Colômbia, Peru e países de língua inglesa. Agora, editores esperam que o livro repita, no exterior, o êxito nacional (165 mil cópias físicas e digitais vendidas), e contribua para o aumento do interesse pela literatura brasileira além-mar.

Apesar do sucesso da obra, a agente literária Luciana Villas-Bôas pondera, no entanto, que a literatura brasileira como um todo se sairia melhor nessa jornada para o exterior se ocupasse mais espaço por aqui mesmo.

— Um editor me disse “precisamos de 30 best-sellers como ‘Torto arado’”. Para que 30 romances brasileiros ocupem lugares expressivos no mercado, pelo menos uns 600 devem ser publicados. Centenas de americanos e ingleses são traduzidos anualmente enquanto bons autores brasileiros permanecem no limbo. Nesse desprezo pela própria literatura, o Brasil é único no mundo.

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Para viajar bem, a literatura brasileira precisa de alguma cor local, mas sem exagero. A agente Lucia Riff conta que um editor recusou “Suíte Tóquio”, de Giovana Madalosso, porque as babás são raras em seu país. O romance, no qual uma babá rapta uma criança, já foi vendido para Colômbia, Portugal, Itália, Reino Unido e EUA.

Lucia Riff espera que a disponibilização de produções audiovisuais brasileiras nas plataformas de streaming ajude a familiarizar o público estrangeiro com a cultura nacional e a torná-lo mais receptivo à nossa literatura.

— Séries baseadas em livros, como “Bom dia, Verônica” e “Dom” , disseminam nossos autores, nossas histórias e língua, e não mais apenas o futebol e música — diz.

A editora francesa Paula Anacaona crê que ainda haja estereótipos como esses por trás da resistência à literatura brasileira.

— Para os europeus, escritor é francês, alemão ou russo. E brasileiro só entende de festa e futebol, não de literatura — conta a editora, que publica na França José Lins do Rego, Conceição Evaristo e Ana Paula Maia. — Quando chega o inverno, pedem-me livros brasileiros porque querem sol e exotismo.

A maior parte do público de Anacaona mantém laços afetivos com o Brasil. Esse perfil começou a mudar quando ela lançou os livros de Djamila Ribeiro. “Pequeno manual antirracista”, “Quem tem medo do feminismo negro?” e “Lugar de fala” já venderam sete mil cópias na França.

A boa acolhida de Djamila na França não indica, necessariamente, que a literatura brasileira preocupada em discutir temas como herança escravocrata e genocídio indígena tenha mais chances de integrar os catálogos de editoras estrangeiras. Afinal, o antirracismo tem influenciado a produção literária de diversos países.

Coordenador de direitos autorais da Companhia das Letras, Fernando Rinaldi explica que, para fazer sucesso lá fora, um título “engajado” precisa apresentar uma perspectiva única, de preferência sem equivalente em inglês, como os livros do pensador indígena Ailton Krenak, já vendidos para Canadá, EUA, Alemanha, França, Itália, Holanda, Noruega e Argentina.

— Não creio que o engajamento político e social em si nos dê vantagem competitiva — reforça Luciana Villas-Bôas.

Além disso, a própria língua portuguesa continua sendo o principal obstáculo para a internacionalização da literatura brasileira. A última flor do Lácio às vezes é uma pedra no meio do caminho. São poucos os editores estrangeiros que leem português. Para avaliar um livro brasileiro, eles são obrigados a contratar um parecer externo ou a confiar no material recebido de agentes literários, que contém um trecho do livro (“sample”) traduzido para o inglês. No entanto, há editores que resistem em comprar um livro que não puderam ler integralmente.

A dificuldade alemã

A barreira linguística não se restringe a países lusófonos. Ela afeta toda literatura não escrita em inglês. Até os alemães penam para vender sua literatura contemporânea por conta da dificuldade de seu idioma, embora o peculiar humor germânico esteja caindo nas graças de leitores internacionais. A agente literária alemã Nicole Witt, especializada em autores ibero-americanos, estima que 70% da literatura estrangeira publicada na Europa continental seja traduzida do inglês.

— Uma vez um editor me disse que determinado livro brasileiro parecia interessante, mas que ele talvez encontrasse algo parecido nos Estados Unidos — conta Nicole.

Alguns editores, diz ela, só querem saber de títulos que se qualifiquem para as bolsas de tradução oferecidas pela Biblioteca Nacional (BN) e pelo Brazilian Publisher’s, parceria da Câmara Brasileira do Livro (CBL) com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).

Entre 1991 e 2019, a BN concedeu 1.114 bolsas de tradução. Cada edital tem vigência de três anos. A pandemia atrasou a concessão do benefício, deixando os editores ansiosos. No entanto, o edital 2018-2020 foi prorrogado em um ano e, até agora, já concedeu US$ 122,5 mil em bolsas de tradução para 81 projetos. Os recursos vêm da própria BN e do Ministério das Relações Exteriores. Desde 2018, o Brazilian Plublisher’s já distribuiu 11 bolsas.

Fernanda Dantas, gerente de projetos internacionais da CBL, afirma que a alta do dólar limitou a concessão do auxílio, que tem sido muito procurado por editoras do mundo árabe. Países como Portugal e Argentina têm programas de auxílio à tradução mais estáveis do que os brasileiros e, por isso, seus autores saem na frente na disputa por mercados estrangeiros.

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