Livros
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Por — São Paulo

O escritor japonês Toshikazu Kawaguchi perdeu o pai na terceira série. Naquela noite, quando a mãe lhe preparou um suco, ele percebeu que ela enfrentava a dor com um sorriso. Kawaguchi, que acaba de completar 53 anos, desconfia que essa lembrança esteja na origem da série “Antes que o café esfrie”, que já vendeu mais de três milhões de cópias no mundo todo (200 mil só no Brasil, onde é editada pela Valentina) e criou uma nova moda literária: a healing fiction, tendência já traduzida por aqui como ficção de cura.

— Minha mãe me ensinou a encarar a vida com esperança, sorrindo, mesmo nos tempos difíceis. Não posso mudar o fato de que meu pai morreu, mas gostaria de encontrá-lo novamente, se pudesse. Foi assim que nasceu a ideia de uma cafeteria onde é possível voltar no tempo — conta Kawaguchi, que está escrevendo o sexto volume de “Antes que o café esfrie” (o terceiro acaba de sair no Brasil). — Muitas pessoas desejam ser curadas por histórias, não importa a época ou o país.

É relativamente fácil viajar no tempo na cafeteria Funiculì Funiculà. Basta sentar-se numa cadeira específica (que quase sempre está ocupada por um fantasma) e pedir um café. Mas é preciso retornar ao presente antes que a bebida esfrie. E não adianta tentar mudar o passado — o presente continuará rigorosamente o mesmo. Então, por que viajar no tempo? Para acertar as contas com um ente querido, conversar com uma pessoa ausente, encontrar uma carta perdida... Em suma: curar o que ainda dói no presente.

A ficção de cura engloba livros que acolhem os leitores, incentivam a reflexão, trazem mensagens positivas, dão lições de empatia — e vendem bem. O cenário é quase sempre um estabelecimento comercial onde há um fluxo de pessoas razoável e diverso: cafés, livrarias, bibliotecas, lavanderias, lojas de conveniência etc. A maioria desses livros vem do Japão e da Coreia do Sul, alguns flertam com a fantasia, e gatos são personagens frequentes (como indicam as capas).

Momentos decisivos

O rótulo surgiu nas grandes feiras onde editores do mundo todo negociam os próximos best-sellers, como as de Frankfurt e Londres. Agentes literários passaram a descrever a leva asiática de “feel-good books” (adaptando a expressão, livros que aquecem o coração do leitor) como “healing fiction”. Editores ouvidos pelo GLOBO relatam que a “healing fiction” movimentou a Feira do Livro de Londres, no mês passado.

— A busca por um propósito sempre foi um tema popular na não ficção. Agora ganha força uma boa fórmula para apresentá-la também na ficção — diz Nana Vaz de Castro, diretora de aquisições da Sextante. — Os personagens estão sempre em momentos decisivos, pensando no que fazer da vida. Ao se conectarem com as pessoas que frequentam o mesmo café ou livraria, eles têm iluminações para resolver questões do passado que ficaram em aberto.

Editora da Intrínseca, Marina Ginefra descreve os cenários de livros como “Bem-vindos à livraria Hyunam-Dong”, da sul-coreana Hwang Bo-Reum, como “verdadeiros refúgios tanto para os personagens quanto para os leitores”.

— São ambientes seguros e reconfortantes, corriqueiros e familiares, com os quais os leitores se identificam. Os personagens são empáticos e se tornam companhias para quem lê — afirma. — A principal característica da ficção de cura é ser uma leitura leve, indicada para pessoas de diferentes idades e gêneros que queiram dicas para uma vida melhor.

A criadora de conteúdo Geise Jacqueline, de 37 anos, é uma dessas pessoas. Ela vive em Registro (SP) e fala sobre livros no perfil @leiturasdageh, no Instagram. Quando começa a pensar muito na vida, a perguntar se ainda dá tempo de arriscar, sabe que é hora de ler mais uma ficção de cura.

— Leio esses livros quando preciso de alguma resposta. Eles trazem personagens maduros que já passaram por muita coisa: mudança de emprego, de cidade, divórcio... Eu me vejo muito neles. E a escrita é tão simples! Parece que estou ouvindo uma história. — conta Geise. — Não é o tipo de livro que dá para ler um atrás do outro. Tem que ler em momentos específicos. Se você lê quando tudo na sua vida está dando certo, talvez ache chato. Mas em momentos difíceis, em que as coisas não dão certo ou precisamos fazer escolhas, esses livros nos abraçam.

A escritora sul-coreana Yun Jungeun descreve a ficção de cura como “uma grande árvore sob a qual se pode descansar num dia extremamente quente, quando você está exausto e com sede”, “um guarda-chuva para se abrigar das repentinas tempestades em nossos corações”.

— Acredito genuinamente que as frases têm um grande poder de confortar e curar — afirma. — Nos dias em que meu coração estava cansado, sempre pude me apoiar em frase de conforto, das quais recebia forças para continuar vivendo e caminhando com um sorriso, sem desmoronar, apesar de tudo.

Jungeun é autora de “A incrível lavanderia dos corações”, que acaba de sair pela Intrínseca. O romance começa com uma pergunta: “se você pudesse se livrar da dor de uma ferida entalhada no coração, como se fosse uma mancha incrustada, você seria feliz?”. É esse o serviço oferecido pela lavanderia da enigmática Jieun (uma mulher que já viveu muitas vidas): remover manchas de corações tristes.

O processo é razoavelmente simples. Primeiro, é preciso tomar o chá de consolação. Depois, fechar os olhos e se concentrar na memória que deseja limpar. Aos poucos, a mancha de dor surge na roupa do cliente. “Vá pensando nessa lembrança, se quer mesmo apagá-la até o momento de tirar a camiseta. A escolha e as consequências são de sua responsabilidade”, avisa Jieun.

Questão geracional

Jungeun tem uma hipótese para explicar por que seu país se tornou um celeiro de ficção de cura.

— As gerações passadas de coreanos habituaram-se a viver suas vidas lutando pelo bem da nação e da sociedade, relegando os cuidados de seus corações a um segundo plano — diz ela, “prescrevendo” seu nicho literário para vários males contemporâneos. — Estamos aprendendo a conviver com depressão, síndrome do pânico, ansiedade e compulsões em meio a um clima social altamente competitivo As doenças mentais são doenças sociais, então acredito que estas histórias, bem como as demais artes, desempenham um papel no tratamento dessas enfermidades.

Nana Vaz de Castro, da Sextante, relaciona a proliferação de ficção de cura no Extremo Oriente com a rígida ética do trabalho cultivada na região. Vários livros, ela aponta, apresentam personagens com dilemas profissionais. Exemplo: em “A biblioteca dos sonhos secretos”, da japonesa Michiko Aoyama, Tomaka tem vergonha de confessar que trabalhar numa loja de departamentos, e Natsumi é escanteada no trabalho ao engravidar.

Marina Ginefra, da Intrínseca, afirma que “os mercado sul-coreano e japonês são receptivos a leituras mais introspectivas e reflexivas”.

Mas nem toda ficção de cura vem da Ásia. O sucesso do gênero pelo mundo tem levado editoras colar a etiqueta “healing fiction” em livros que consolam os leitores, independentemente da nacionalidade do autor, como “A biblioteca da meia-noite”, do britânico Matt Haig; “A fantástica farmácia literária de monsieur Perdu”, da alemã Nina George; “Tempo de reacender estrelas”, da francesa Virginie Grimaldi; e “Dewey, um gato da biblioteca”, dos americanos Vicky Myron e Bret Witter. Esse último nem é ficção, mas reúne os principais ingredientes da moda: um gato e uma biblioteca com leitores tristonhos.

— É natural que livros que originalmente não eram ficção de cura sejam ressignificados e ganhem esse rótulo. Os leitores do gênero são muito fiéis e estão sempre trocando ideia nas redes sociais e procurando livros parecidos com aqueles de que eles já gostam — explica Amanda Orlando, editora da Globo Livros. — Nosso desafio é publicar livros que sobrevivam à moda. Editoras estrangeiras têm publicado muitos livros feitos a toque de caixa, que combinam clichês do gênero só para atender a demanda.

Editores ouvidos pelo GLOBO apostam que a ficção de cura deve seguir em alta, no mínimo, até o ano que vem. O quarto volume de “Antes que o café esfrie” sai no Brasil até o Natal. Toshikazu Kawaguchi, o autor, não tem planos de encerrar a série tão cedo.

— Se eu pudesse tomar um café e viajar no tempo, contaria a meu pai que os romances que escrevi já foram lidos por pessoas do mundo todo. Tenho certeza de que ele ficaria muito feliz — diz o romancista.

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