O câncer fez Preta Gil ressignificar a alegria. A rainha da gargalhada e das músicas estilo “tira o pé do chão” entendeu o sentimento como algo mais profundo e internamente revolucionário para dar a volta por cima mesmo quando a doença a jogava para baixo.
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— A gente costuma concretizar a alegria em festa, mas também podemos encontrá-la na tristeza, ao valorizar o fato de estar vivo — conta ela. — Com tudo que passei, acabei ressignificando: alegria, hoje, para mim, é abrir os olhos de manhã.
É assim, transformada, que a cantora também reencontra a música. O processo de cura a fez “limpar” sua arte, explica. Preta tem buscado se “reconectar” com a inspiração de uma outra forma.
— Estou me permitindo ter tempo, me livrar da ansiedade que tinha antes. Não tenho que provar mais nada a ninguém, corresponder a expectativas. Daqui pra frente, minha arte tem que estar conectada com a minha satisfação e felicidade plena — afirma. — Quero fazer música para mim e não para alcançar números ou agradar os outros. Já fiz isso algumas vezes, me rendi à essa pressão. Estou me preparando para uma Preta mais Preta, ela vem aí.
A nova Preta agora compõe, algo que nunca tinha feito antes. Vai mostrar o resultado dando sequência ao EP que lançou no ano passado, “De volta ao Sol”.
— Estou me permitindo escrever coisas que sinto e sobre as quais quero falar — diz. — Estou em busca de redescobrir e entender a sonoridade que faço, esse afoxé funk, fruto dessa África diaspórica que a gente vive, da mistura dos tambores e da brasilidade que vivi na minha infância na Bahia e no Rio. Tudo isso com os beats atuais.
Show com Thiago Pantaleão
“Na batucada”, single que lançou com o jovem cantor, compositor e dançarino Thiago Pantaleão já é nesse novo rumo. Depois de causarem com um clipe regado a pegação (“até hoje as pessoas perguntam se a gente se pegou ou não, então fica o mistério aí”, diverte-se Preta), a dupla vai mostrar a parceria ao vivo no sábado (01/06).
A cantora convidou Thiago, seu afilhado artístico, para subir ao palco com ela no Tim Music Rio, na Praia de Copacabana. Será o primeiro show aberto ao público no Rio após a cura de Preta. E ela considera aquele palco especial.
— Ainda mais depois do show da Madonna... A gente viu tanta fake news, desinformação, ódio e preconceito sendo proliferado que Copacabana ganhou uma dimensão ainda maior de liberdade, arte e cultura.
Jacaré, do É O Tchan
Bissexuais assumidos, Preta e Thiago afirmam que a bandeira LGBTQIA+ estará representada por meio de seus próprios corpos. De corpo Thiago entende. Ele garante que seu famoso rebolado estará on.
— Todo mundo tem que rebolar, faz bem! Cresci vendo o Jacaré, do É O Tchan, fazer isso. A pessoa tem que se sentir livre para ser quem é independente do que a sociedade impõe. Tem que ser feliz e celebrar — diz ele.
A ginga faz Preta brincar dizendo “que a bunda do Thiago tem nome próprio, identidade e CPF: porque é uma outra pessoa”.
Artista revelado na internet, Thiago assume certo nervosismo às vésperas de encarar a multidão de Copacabana num show gratuito, que tem transmissão ao vivo pelo Multishow.
— Passa um filme na cabeça: desde Paracambi (no Rio, onde ele nasceu), quando eu cantava na igreja, e depois fazendo curso de inglês... Em seguida, me encontrei na arte — recapitula.
Para Thiago, entrar em cena ao lado de Preta potencializa o discurso — e a prática — pela aceitação.
— O fato de estarmos ali é importante para muita gente que precisa nos olhar para se sentir representada — diz. — Nas minhas letras, falo sobre o que eu sinto. Isso vem naturalmente porque tive o privilégio de a minha família me aceitar bem, de poder expressar meus sentimentos por uma menina, um rapaz ou os dois ao mesmo tempo. A liberdade de poder falar sobre nossos sentimentos na música já representa muito. Tem muita gente que vai se conectar com isso.