Cultura
PUBLICIDADE
Por — Rio de Janeiro

"Só fique aí deitada e me deixe fazer amor com você”. É quando soa essa frase que a plateia começa a suar frio. Até então, “Prima facie” é uma peça leve, divertida com uma Débora Falabella soltinha no palco. Mas a atriz está só preparando o terreno para lançar a bomba. De repente, o jogo vira, a tensão toma conta da cena e os gatilhos fazem o estômago revirar.

Tem sido assim a cada sessão do monólogo estrelado pela atriz, intérprete de uma advogada que defende acusados de violência sexual até ela mesma se tornar... uma vítima de estupro. Escrito pela australiana Suzzi Miller, o espetáculo, que ajudou a mudar leis britânicas de abuso sexual, vem lotando o Teatro Adolpho Bloch, no Rio (de quinta-feira a domingo, até dia 30), e repercutindo nas redes sociais com relatos tocantes de espectadoras. Muitas procuram Débora ao final.

Débora Falabella: 'Sou uma pessoa travada para emitir opiniões' — Foto: Leo Aversa
Débora Falabella: 'Sou uma pessoa travada para emitir opiniões' — Foto: Leo Aversa

Dia desses, em debate com as juristas Andrea Pachá e Raquel Dodge, uma mulher fez todo mundo ir às lágrimas ao narrar sua saga para provar a violência doméstica do ex-marido num caso caso que ela diz que tem sido tratado pela Justiça com misoginia e machismo.

Não é só com o público que o trabalho mexe. Afetou por inteiro a sua protagonista. Débora passou por muitas crises de choro. Não estreou até que conseguisse calibrar as emoções. Na temporada carioca, tem preferido ficar sozinha, em estado de concentração, no apartamento que alugou na Gávea.

Débora Falabella sobre stalker: 'Fico com medo porque a gente nunca sabe o que pode vir do outro. É chato, por tudo. Porque também quero que ela fique bem' — Foto: Leo Aversa
Débora Falabella sobre stalker: 'Fico com medo porque a gente nunca sabe o que pode vir do outro. É chato, por tudo. Porque também quero que ela fique bem' — Foto: Leo Aversa

Nele, recebeu o GLOBO para esta entrevista. Contou que a terapia ajuda a lidar com a intensidade do feedback, se definiu como “uma pessoa travada”, que decidiu ser atriz para conseguir falar publicamente, por meio das personagens, do que não é capaz na vida real. Também lamentou a situação com a stalker, que a persegue há dez anos. Confira a seguir.

A Câmara dos Deputados aprovou regime de urgência de projeto de lei que equipara o aborto a homicídio. Como a peça dialoga com a medida?

Um absurdo. Desesperador. A maioria das mulheres que passa por isso são crianças, vulneráveis que foram estupradas. Aprovar essa proposta é como aprovar o estupro dessas meninas. Elas viram uma ré. Na peça, falamos desse sistema que não olha para as mulheres e ainda penaliza.

Que relato mais te tocou durante a temporada?

No debate com Andrea Pachá e Raquel Dodge, uma mulher contou sobre a violência institucional que vive. Essa que, depois de passar por um abuso terrível, ainda temos que enfrentar na Justiça para provar a nossa versão. Se houvesse um sistema que nos protegesse, não teríamos que nos expor publicamente. Leis são dadas como ciência exata. E não pode ser assim com agressão sexual. Porque as vítimas não têm visão exata do que aconteceu e ficam traumatizadas.

É um sistema de leis criado, majoritariamente, por homens, né... Qual a importância de tratar desse assunto no teatro?

Teatro causa identificação. Tem necessidade de ser político, mas quando vai direto à questão sem passar pela história de alguém, me distancio como espectadora. Se acompanhamos a trajetória de um personagem, tem um momento em que somos capturados. A arte tem esse poder. Essa é a minha onda: através de uma história, de uma personagem, conseguir falar de um assunto que chegue no público. Temos recebido advogados, juízes interessados em levar estudantes. Há coisas difíceis de ensinar na escola. A peça tem uma coisa quase didática. E não só quanto às leis. Por isso, queremos muito que os homens assistam.

Débora Falabella em cena: 'O sistema de leis sobre violência sexual não olha para as mulheres e ainda as penaliza' — Foto: Divulgação / Annelize Tozetto
Débora Falabella em cena: 'O sistema de leis sobre violência sexual não olha para as mulheres e ainda as penaliza' — Foto: Divulgação / Annelize Tozetto

É pedagógica. Há passagens bem sutis...

É educativa. Temos homens na equipe e amigos que ficaram tocados. Alguns disseram: "Nossa, não vou nem dormir". É sutil. Porque não estamos falando do estupro em que a mulher é coagida na rua. É algo entre os afetos. E existe essa coisa do fetiche da mulher subjugada. Afastamos isso totalmente.

Uma preocupação da Yara (de Novaes, diretora) era que não descrevêssemos o estupro com o corpo. Isso acontece em forma de depoimento. Fomos criados vendo isso no cinema, educados num sistema misógino, existe a cultura do estupro. Algo que está colado na nossa sociedade. Suzie Miller (autora) conta que, uma vez, meninos de 14 anos assistiram e não se deram conta de que o que aconteceu ali foi estupro. Temos cabeça machista. Até pouco tempo, eu não atinava para certas coisas...

Como o texto mexeu com a Débora pessoa física?

A gente se dá conta dentro das próprias relações. Tenho 45 anos. Vejo minha sobrinha de 22 com outra cabeça, foi educada numa onda feminista. Até os 30, eu estava um pouco tapada, achando “sou artista, tenho liberdade”, mas não era muito assim. Fazer uma peça sobre abuso faz a gente olhar pra trás. E tem coisa que não quer nem mexer. Só que vem. No corpo, na sensação, na emoção. Há um expurgo na hora. Mas fico pensando no porquê de estar fazendo essa peça. Não é algo sobre o que quero falar porque passei. Não é algo claro na minha mente. Mas estou escolhendo por algum motivo. Ainda estou descobrindo...

Entrou em contato com situações que viveu?

Claro. Até porque, mostra que muitos homens não acham que estão cometendo aquela violência. Isso é cruel com a mulher. Com meus antepassados, sexo não consensual no casamento não era considerado estupro. Como mulher, fomos subjugadas dessa forma. Sinto esses gatilhos na hora em que faço o espetáculo. É importante discutir leis e rever onde deixamos essas coisas acontecerem.

Débora Falabella no palco: 'Aprovar essa proposta é como aprovar o estupro dessas meninas', diz atriz sobre PL do aborto. — Foto: Divulgação / Annelize Tozetto
Débora Falabella no palco: 'Aprovar essa proposta é como aprovar o estupro dessas meninas', diz atriz sobre PL do aborto. — Foto: Divulgação / Annelize Tozetto

Há gatilhos que mostram como a gente normaliza coisas que são violentas como a frase: "Só fique aí deitada e me deixe fazer amor com você".

Nessa hora, consigo escutar na plateia coisas como: "ihhh", "hum", "ai". Você vê que o público conecta, tipo: "Rolou comigo".

O abuso é inerente à vida da mulher. Moral, psicológico, sexual. Já sofreu algum?

Com todas essas questões que hoje a gente vê levantadas, com o "Me Too", etc., é difícil olhar e ver que não viveu algo assim. Nem lembro, não sei se minha mente apagou algum tipo de abuso. Sou atriz desde muito nova. Sempre fui muito fechada. Isso era péssimo, mas por outro lado, me protegeu. Pequenos abusos a gente vai ficando esperta, como os morais e os de gênero no trabalho. Questões como fazer o mesmo trabalho que o ator e receber menos é algo que temos que lidar a todo minuto.

Como faz para não absorver tanto os casos escabrosos que estão chegando em você? Terapia? Banho de sal grosso?

Terapia é imprescindível. Principalmente, no trabalho. Mas há coisas que se resolvem ali mesmo. Você escuta a história pesada, mas no outro dia está no palco falando sobre aquilo, dando voz. Parece que é um ciclo que se completa.

Débora Falabella: 'Preciso estar muito lúcida para fazer esse texto' — Foto: Divulgação/ Annelize Tozetto
Débora Falabella: 'Preciso estar muito lúcida para fazer esse texto' — Foto: Divulgação/ Annelize Tozetto

Mas emocionalmente deve ser cansativo...

É cansativo, sim, falar e passar por aquilo tudo. Mas é interessante fazer algo contemporâneo.

Trabalhar com um assunto urgente e que está sendo noticiado todo os dias...

No dia em que li uma matéria sobre um promotor de Justiça que, no caso da separação de um casal com histórico de agressão física e medida protetiva, mandou a mulher "aquietar o facho"... Há matérias sobre estupro todos os dias nos jornais...

E aí você sobe no palco ainda mais convicta da importância dessa peça...

Total. Fala uma frase que nem sabe que vai te afetar, mas afeta. E a emoção vai sendo dosada. Você recebe e devolve no palco. Até porque, na hora, aquilo é verdade. Maeve (Jinkings, atriz) falou uma coisa bonita: "Quando estamos em cena, talvez, sejamos mais verdadeiros do que na vida". Porque buscamos tanta verdade naquele texto, aquilo vem de um lugar tão profundo, que não tem como se distanciar de uma verdade mesmo fazendo uma ficção.

Você contaram com a consultoria de pessoas da área jurídica, como a juíza Andrea Pachá. Que toques fundamentais foram dados?

Andrea tinha medo de a personagem ficar ingênua, de ela não saber com o que ia lidar depois do estupro sendo uma advogada. Falou do medo de que o final do texto ficasse panfletário e distanciasse quem está vendo. Fomos fundo nessas coisas: tentamos ficar com o personagem sem escapar por nenhum outro lugar que não fosse o da história que estava sendo contada.

Acha que agora está mais "cascuda" ao subir no palco para encenar esse texto, comparando com o início?

Claro. Agora eu estou me divertindo, o que é imprescindível também. No início, é uma tensão. "Será que vou conseguir cumprir?". Até fisicamente, está mais fácil. No início, ficava muito cansada. Estou me preparando igual a uma atleta. Não estou nem bebendo, estou toda certinha, regradinha.

Síndrome de impostora, 'esposa troféu' e stalker

Após "Prima facie", você volta ao cartaz com o espetáculo "Neste mundo louco, nesta noite brilhante", que também fala sobre estupro...

É, estupro coletivo. Dramaturgicamente é bem diferente, vai para um caminho de delírio dos personagens. Um pouco aparte da realidade até pra conseguir aguentar falar de um tema tão pesado. Mas a maneira como tudo é dito e o fato de duas mulheres estarem juntas por uma causa, tentando se ajudar, é bem bonito. O texto da Sílvia Gomes, dramaturga de São Paulo, é poético. É uma peça que se conecta diretamente com mulheres, que ficam impactadas, mas os homens não captam tanto. Talvez "Prima facie" tenha essa facilidade de conectar com eles. Isso é diferente.

Débora Falabella: 'A peça é didática, por isso, queremos muito que os homens assistam' — Foto: Divulgação / Annelize Tozetto
Débora Falabella: 'A peça é didática, por isso, queremos muito que os homens assistam' — Foto: Divulgação / Annelize Tozetto

Você é uma atriz que se destaca por interpretar personagens em crise. O que isso diz sobre você e suas escolhas profissionais?

Algumas coisas parecem vir de encontro. Todo personagem bom tem crise, assim como as pessoas. Quando elas estão exibidas em cores fortes, me atraem. Quando comecei em novela, havia as famosas mocinhas. Achava estranhíssimo. Falava: “Essa pessoa não existe, como vou me aproximar?”. Hoje, mostramos mais todos os lados, falamos mais de saúde mental. Quanto mais humana, mais atrativo para mim.

Mas como isso se conecta com a sua vida?

Dialoga com questões que tenho e, através dos trabalhos, posso colocá-las, discuti-las sem ser através de mim, mas da personagem.

Que questões, por exemplo?

Em “Depois a louca sou eu” (filme de 2021, dirigido por Julia Rezende), fiz uma mulher que falava sobre ansiedade de forma bem humorada. Super me encontrei. Em “Fim” (série de Fernanda Torres, 2023), uma outra mulher que criticava coisas muito reais sobre maternidade e casamento. Tenho amarras para falar disso abertamente. Sempre fui fechada. Talvez, por isso escolhi essa profissão. É uma forma de conseguir dizer certas coisas.

Então, observando seus papéis, a gente entende quem é a Débora intimamente...

Isso, é só juntar os problemas (risos). Melhorei um pouco, mas sou uma pessoa travada para emitir opiniões. Me encontrei no teatro por isso. Consigo emocionalmente e com meu corpo dar voz ao que não consigo falar publicamente. Digo que é complemento de terapia (risos).

Quando tem uma questão que não sabe como resolver, os personagens te apresentam soluções?

Sim, mas não se pode usar o teatro só de forma terapêutica. Se não, fica autocentrada e não consegue ver como aquilo pode chegar no público. Ensaiando essa peça, eu chorava muito. Tive que deixar aquilo bater e resolver antes de estrear.

Ansiedade, como deixou escapar, é algo que te pega...

Me atravessa demais. E a angústia. Quando não estou trabalhando, ela bate forte. Não queria que fosse assim. Tenho que estar o tempo todo envolvida com algo. Tenho muita vida em casa, mas muita, muita vida no trabalho. A insônia é um outro problema.

Como trata? Remédio? Canabidiol?

Teve um período em que tomei, mas agora não tenho condições. Preciso ficar muito lúcida, com uma memória forte para fazer esse texto. Fui para o magnésio com não sei o quê... Às vezes, é difícil. Chego da peça dez e pouco da noite e só consigo desligar umas três da manhã.

Que projeto tem na manga?

Estou desenvolvendo um roteiro com outras três mulheres, Silvia Gomes, Vania Medeiros e Érica Ferreira, de um filme baseado numa peça de teatro que fiz, também da Silvia. Se chama "Mantenha fora do alcance do bebê". É sobre maternidade, outra questão feminina. Sobre uma mulher que quer ser mãe de qualquer maneira. Ela nem sabe o porquê. Mas é para se encaixar na sociedade. Falamos sobre diversos tipos de idealização dessa maternidade, sobre como o capitalismo a afeta, sobre maternidade compulsória. Às vezes, penso: “Será que isso já passou?”. Vejo que não quando olho coisas como “esposa troféu” na internet.

Será sua estreia na direção.

Sim. Tinha vontade de fazer isso há muito tempo. Via colegas homens fazendo, conseguindo financiar seus trabalhos, trilhar outros caminhos. E algumas mulheres, como Leandra Leal. Pensava: "Nossa, ela conseguiu!". Demorei por uma certa síndrome de impostora que vivia em mim, dificuldade de ir atrás, de bancar, de dizer: "Vou dirigir! Eu posso, eu consigo".

Preciso te perguntar sobre a stalker que te persegue há 10 anos. Em abril, a Justiça revogou a prisão dela...

É algo de que evito falar. Porque tem a minha história e a história dela que, com certeza, tem problemas. Estão cuidando para que seja da forma melhor possível, tanto pra mim quanto pra ela. A gente viu “Bebê Rena”... Nunca tive contato, não a conheço. É essa relação de fã. É ruim. Tem uma perseguição atrás por um trabalho que faço e pelo qual essa pessoa chega até a mim. E tem a vida dela. Ela tem uma família que pode cuidar, tem condições de ser tratada. Espero que seja. Fico com medo, porque nunca se conhece o outro, nunca se sabe o que vai vir. Atinge muita gente, meu núcleo familiar. É chato. Chato por tudo, porque também quero que ela fique bem.

Mais recente Próxima Disco mais raro do mundo será exibido para fãs em museu pela primeira vez; saiba qual é
Mais do Globo

Treinador cruzmaltino destacou a luta dos jogadores para evitar uma derrota em São Januário

Rafael Paiva, técnico do Vasco, valoriza empate em clássico e explica saída de Payet: 'Risco zero'

Alvinegro saiu em vantagem no placar, mas levou empate no fim e saiu com um ponto de São Januário

Na bronca com o VAR, Artur Jorge analisa empate do Botafogo em clássico com o Vasco: 'Um ponto somado'

Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) introduz “bandeira amarela”, após quase 2 anos de “bandeira verde”, que não tem cobrança adicional

Conta de luz terá taxa extra em julho

Segundo a polícia, ele era segurança pessoal de Willian Souza Guedes, vulgo Corolla, que é ex-chefe do tráfico de Manguinhos

Polícia prende segurança do tráfico que coordenava roubo de carga no Rio

Resultado foi ruim para as duas equipes

Em clássico marcado por falhas de goleiros, Vasco e Botafogo empatam em São Januário

Sorteio aconteceu às 20h no Espaço da Sorte, em São Paulo, com transmissão ao vivo nas redes sociais da Caixa Econômica Federal

Mega-Sena: ninguém acerta as dezenas, e prêmio vai a R$ 120 milhões; confira os números

Nomes como Sabrina Sato, Bruna Marquezine, Sasha, João Guilherme, Adriane Galisteu e Alice Wegmann aproveitam férias no país oriental

Japão entra na rota turística de famosos brasileiros, e busca por passagens aumenta; entenda

Ministério da Agricultura e Pecuária alertou que itens, pertencentes a 14 marcas, não devem ser consumidos e serão recolhidos

Os 24 lotes de café impróprios para consumo após serem identificadas matérias estranhas e impurezas; veja lista

O pregão, que resultará em gastos de até R$ 197,7 milhões, pode ter violado o sigilo das propostas técnicas das empresas concorrentes

TCU avalia pedir cancelamento de licitação da Secom de Lula

Presidente disse que não seria possível assinar o documento na ausência do prefeito da capital e do governador. Chefe do Executivo não cita nome de Boulos para 'não ser multado'

Sem Nunes e Tarcísio, Lula não assina contrato do metrô em agenda em SP
  翻译: