Ruth de Aquino
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Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília

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Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília. Cidadania, família, educação, amor, sexo, drogas, religião, envelhecimento, saúde, arte e viagens.

Por Ruth de Aquino

RESUMO

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GERADO EM: 27/06/2024 - 12:53

Memórias polêmicas de Rose Boyt

Livro revela memórias polêmicas de Rose Boyt, filha de Lucian Freud. Relação complicada, posando nua para o pai famoso. Controvérsia e reflexões sobre o legado do renomado pintor.

“Nada foi conversado, eu simplesmente assumi que estaria nua. Tirei minha roupa e perguntei a ele o que gostaria que eu fizesse. Ele disse que a decisão era minha. Deitei no sofá e cobri meus olhos, as luzes no teto do ateliê eram potentes. Deitei, mas não queria parecer obediente em meu retrato, não me sentia obediente”.

“Havia uma batalha expressa nos músculos de minha perna dobrada, eu estava alerta, preparada para me levantar subitamente a qualquer momento. Pedi que não pintasse os pelos nas minhas pernas. Não tirei do rosto a maquiagem. Quis saber se ele estava satisfeito com a pose. Ele disse que era espetacular, mas demonstrou certa apreensão”.

“Hoje, não tenho certeza se ele estava preocupado com minha capacidade de me manter na mesma posição até terminar a pintura, com tanta tensão no corpo, ou se ele estava inquieto com o nível de exposição que eu havia involuntariamente escolhido”.

“Não sabia quanto ele poderia enxergar. Acho que ele estava pedindo minha permissão para usar o que via, transferindo a mim a responsabilidade e tirando proveito de minha generosidade, mesmo sem eu saber o que fazia. Fiquei chocada quando olhei a pintura e vi o que ele via”.

Essa é uma tradução livre minha da primeira página de um livro polêmico, lançado na Grã-Bretanha, “Naked Portrait”. São memórias e diários de Rose Boyt, que revelam uma relação complicada com seu pai, Lucian Freud, um dos maiores retratistas britânicos e neto de Sigmund Freud.

Rose tem hoje 66 anos. Quando posou nua para o pai, tinha 18. Eram três ou quatro vezes por semana, do anoitecer até a madrugada. Ele era rigoroso, se irritava quando ela precisava esticar a perna ou ir ao banheiro. O nu frontal de Rose, pernas abertas, é poderoso e tem a marca inconfundível do pintor.

“Como eu me sentia ao posar? Furiosa e entusiasmada, irada com os termos e condições, honrada por ter sido escolhida”. Rose é um dos 14 filhos reconhecidos de Lucian. Passar um tempo com o pai já era “uma inspiração”. “Eu o amava. Ele influenciou minha leitura. Aprendi com ele o que significava trabalho, a ser pontual e confiável”.

Lucian queria chamar a pintura de “A filha do artista”, mas ela insistiu em “Rose”, apenas. “O título dele faria qualquer pessoa pensar em incesto. O meu título é melhor, menos enganoso”. Nunca houve sexo entre Rose e o pai, nem mesmo vontade, afirma a autora em “Naked Portrait”.

O livro desperta controvérsia nos novos tempos. Citado por alguns como memórias condenáveis de abuso. Lucian recitava para a filha poemas eróticos, descrevia suas relações sexuais e transava com amigas de Rose.

Sou admiradora de Lucian Freud. Há 31 anos, escrevi sobre uma exposição dele em Londres, na Whitechapel Gallery. Desde a morte de Francis Bacon, críticos o consideravam o maior pintor vivo dessa ilha onde estou agora. Veio de Berlim para Londres em 1933 com 11 anos, fugindo do antissemitismo alemão. Morreu em 2011.

Seus nus frontais, esparramados no chão ou no divã, revelam o ser humano em seu estado mais vulnerável. Seus portraits têm raízes no expressionismo alemão e beiram o hiper-realismo. Às vezes, nos lembram o desespero de Bacon. Seu estúdio era no adorável Holland Park, com casas georgianas pintadas de branco.

O escritor favorito de Lucian Freud era Flaubert, mas ontem eu me lembrei de Proust, em busca do tempo perdido. Fui a Hampstead, no Norte de Londres, onde morei três anos há décadas. Almocei no mesmo pub local. Revisitei a casa de Sigmund Freud. O cenário, do bairro e da casa, é todo exatamente igual. E isso é reconfortante.

Leio as memórias de Rose Boyt e tento encarar o artista genial com a mesma compaixão da filha, esquecendo comportamentos discutíveis. “Não quero cancelar meu pai”, diz Rose, que dedica seu livro “aos pais, com amor e gratidão”. A vida é melhor assim.

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