Economia
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Por — São Paulo

A afinidade com ciências humanas e o interesse pelo que já tinha lido de Sigmund Freud, o pai da psicanálise, foram alguns dos atrativos que levaram a paulistana Brenda Gontan, de 24 anos, a escolher Psicologia na hora de ingressar na universidade, há cinco anos. Profissionalmente, ela esperava que a graduação abrisse portas para uma vaga nas áreas de recursos humanos e recrutamento.

— No final, não foi nada disso, o que é frustrante — desabafa a recém-formada, que tem dado aulas de inglês e alemão enquanto não acha um emprego em sua área.

A história de Brenda é uma entre tantas a ilustrar um paradoxo do mercado de trabalho no país: ao mesmo tempo em que nunca tantos brasileiros ingressaram no ensino superior, o diploma não tem sido garantia de um emprego com carteira assinada ou um salário compatível com a formação.

Estudo do início do ano da solução de análise de dados Geofusion, da empresa Córtex, do qual O GLOBO teve acesso a detalhes inéditos, mostra que só um em cada dez recém-formados nos cursos mais populares do país consegue uma vaga formal equivalente ao seu nível de capacitação. É um retrato do desencontro entre a expansão do ensino superior no Brasil e a necessidade de mão de obra especializada das empresas. Na linguagem dos aplicativos de namoro, falta match.

— Eu continuo procurando vaga, mas tive que recorrer a segundas opções. Daqui para a frente, é se reinventar— diz Brenda, que já participou de mais de 30 processos seletivos.

A alegria de conquistar um diploma também foi encoberta pela frustração para Mateus Lucioli, de 29 anos, de Belo Horizonte. Bacharel em Direito, foi o primeiro da família a chegar à universidade. Para pagar o curso, trabalhou como atendente em farmácia e vendedor de doces e chips de celular. Formado em 2021, demorou mais de dois anos até conseguir o primeiro emprego fora do comércio:

— Eu fui no pensamento da maioria das pessoas: me formar, passar na prova da OAB e conseguir emprego na área. Só que me formei, gastei muito dinheiro enviando currículos e não consegui oportunidades — conta ele, que atua como assistente em um escritório que auxilia brasileiros a tirarem cidadania italiana. — Futuramente, pretendo fazer a OAB para atuar em outras áreas.

Do ponto de vista do “copo meio cheio”, o país tem um recorde de 9,4 milhões de estudantes que chegaram à universidade em 2022, segundo os dados mais recentes do Censo da Educação Superior do Inep. De acordo com o IBGE, 19,7% dos brasileiros têm formação universitária, índice ainda baixo em relação a países desenvolvidos, mas o dobro dos 7,9% do início da década passada.

Concentração em 4 cursos

Quem se forma, no entanto, encontra barreiras para exercer a profissão que escolheu. A taxa de sucesso varia de acordo com a área. Em Psicologia, por exemplo, só 1,3% dos graduados consegue um emprego no modelo CLT correspondente à formação. Nas quatro graduações mais procuradas do país (Pedagogia, Direito, Administração e Enfermagem), o percentual fica entre 3,4% e 15,5%. O estudo avaliou avaliou dados de 400 mil recém-formados.

Cinco cursos de graduação concentram mais de um quarto dos universitários do país, mas poucos recém-formados encontram emprego na área — Foto: Arte/O Globo
Cinco cursos de graduação concentram mais de um quarto dos universitários do país, mas poucos recém-formados encontram emprego na área — Foto: Arte/O Globo

— O que percebemos é um grande volume de contratações de pessoas com ensino superior em vagas de ensino médio, como assistente administrativo — diz Isabela Cavalcanti de Albuquerque, gerente de Produtos de Dados da Geofusion e uma das responsáveis pelo estudo, que vê um achatamento dos salários dos trabalhadores de nível superior.

Mateus Lucioli diz que a saturação de formados em Direito é visível. Segundo ele, as poucas oportunidades de contratação que surgem não raro oferecem salários baixos, perto do que ele ganharia em funções que não exigem diploma, como de vendedor:

— Já vi grandes escritórios que oferecem um salário mínimo. É o valor que eu pagava na mensalidade da faculdade. Hoje, sabendo disso, eu teria feito outro curso.

Para Janaina Feijó, pesquisadora da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), há uma desconexão entre o profissional que o mercado quer e o perfil que sai das universidades. O resultado é, de um lado, graduados sem trabalho e, de outro, empresas carentes de mão de obra qualificada.

— Quando você vai ver a formação (dos universitários no Brasil), a maior parte não está relacionada a ciência e tecnologia, que são áreas demandadas e que vão crescer em importância. Enquanto isso, houve expansão de cursos que muitas vezes formam profissionais que o mercado não tem condições de absorver — afirma Janaina.

Dados do Inep mostram que Pedagogia, Administração, Direito e Enfermagem são, há uma década, os cursos com maior número de matrículas no país. Segundo o último censo do Inep, 27,4% dos estudantes que entraram na universidade em 2022 optaram por um desses cursos. Isso significa que um em cada quatro calouros escolheu uma dessas quatro graduações entre 43.085 opções. Na outra ponta, empresas têm dificuldade de contratar profissionais das áreas ligadas à sigla em inglês STEM: ciências, tecnologia, engenharias e matemática.

Escassez na outra ponta

Profissionais de tecnologia, por exemplo, tendem a encontrar mais oportunidades. Análise do Ibre/FGV liderada por Janaina indica alta de 10% ao ano na demanda por profissionais de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) no país. É a categoria no topo das mais procuradas. Uma pesquisa do Google feita com a Abstartups e a Box 1824 prevê um déficit de 530 mil profissionais de tecnologia no Brasil até 2025.

— Há um desequilíbrio entre a mão de obra e a demanda no Brasil. O que vemos nos países desenvolvidos é que eles buscam trabalhar justamente na formação daquilo que o mercado está buscando — ressalta a pesquisadora.

A CloudWalk, dona da maquininha de pagamentos InfinitePay, conseguiu aumentar a equipe voltada para inteligência artificial (IA) de 34 para 45 pessoas em um ano. Para isso, a empresa abriu a seleção para candidatos de todo o mundo. A possibilidade de trabalho 100% remoto, nesse caso, foi uma saída para encontrar profissionais mais qualificados, conta Pedro Terra, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa:

— Queremos as melhores pessoas no time, e não necessariamente elas estarão no Brasil. Temos pessoas que moram na África do Sul, Índia, Canadá e Bolívia.

Mariana Rolim, diretora executiva da Brasscom,que reúne empresas de tecnologia, defende uma “articulação ampla” entre governo, instituições de ensino e setor privado em favor de políticas para formar mais pessoas na área:

— Precisamos de mais profissionais. Essa demanda só tende a aumentar.

Estudos internacionais sobre o futuro do trabalho apontam tendências que favorecem a demanda por profissionais das áreas STEM no mundo. O diagnóstico mais recente do Fórum Econômico Mundial sobre o tema mostra que as funções que mais rapidamente vão gerar novos empregos nos próximos três anos estão ligadas à tecnologia e à digitalização. Vagas para especialistas em análise de dados (big data), aprendizado de máquina de IA e segurança cibernética vão crescer 30% no mundo até 2027, diz o estudo.

Fernando Veloso, pesquisador do Ibre/FGV, avalia que esse desencontro entre formação e mercado de trabalho é um alerta preocupante.

— Isso indica algo mais profundo, que o mercado de trabalho não tem funcionado muito bem, seja porque a economia não cresce, seja porque as próprias universidades estão formando em áreas que o mercado não está demandando — diz. — O que é surpreendente é que essas pessoas com ensino superior deveriam estar sendo mais demandadas em geral. Mas o próprio salário delas tem caído desde 2012.

As últimas pesquisas do IBGE sobre o mercado de trabalho mostram aumento da massa salarial, mas concentrada nas atividades de menor qualificação. Veloso é coautor de um estudo do Ibre/FGV que indica que a renda de brasileiros escolarizados encolheu 16,7% na última década, entre trabalhadores que têm de 12 a 15 anos de estudo. Entre os que possuem de 5 a 8 anos de instrução, a queda é de 2,9%. A pesquisa compara o rendimento dessa parcela da população nos segundos trimestres de 2012 e 2023, a partir de dados do IBGE.

Falta qualidade também

Para Hugo Tadeu, professor e diretor do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral, o Brasil não tem formado profissionais o suficiente “em qualidade e quantidade” para lidar com vetores de crescimento econômico, como de IA e outras tecnologias digitais.

— Precisamos ter um debate qualificado sobre a formação em alto nível — diz Tadeu. — Se queremos ser um país que exporta conhecimento e vai além das commodities, vamos precisar ter um olhar técnico e aprofundado para ciência, tecnologia e formação de mão de obra. Essa agenda é mais que imperativa.

A falta de uma estratégia nacional de qualificação de mão de obra sintonizada com a economia pode limitar o crescimento do país no longo prazo, alertam especialistas. Um dos efeitos da formação deficitária no país, desde a educação básica, é a estagnação brasileira em termos de produtividade, acrescenta Ildo Lautharte, coordenador do relatório de Capital Humano do Banco Mundial. Segundo a instituição, no ritmo atual, o Brasil vai levar 60 anos para alcançar os mesmos patamares dos países desenvolvidos nessa área. Se o país adotasse uma estratégia capaz de aproveitar ao máximo seu potencial de talentos, o Produto Interno Bruto (PIB) poderia ser 158% maior, estima o Banco Mundial.

— Quando a pessoa tem uma dificuldade de acumular habilidades, ela também demora para se adaptar a novos processos produtivos. É natural então que, quando venha algo novo, o Brasil tenha uma dificuldade absurda de se adaptar — diz Lautharte.

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