Luana Génot
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Luana Génot
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Luana Génot


N esta semana, celebro o primeiro ano de vida do meu segundo filho, um privilégio que me enche de alegria e gratidão. Ele nasceu de parto normal, em casa, resultado de uma gravidez desejada e planejada entre dois adultos. O uso da palavra “privilégio” tem múltiplos sentidos aqui e extrapola o da dádiva desta celebração. A possibilidade de planejamento familiar em condições dignas não deveria ser um direito especial, mas algo acessível a todas as mulheres e famílias. No entanto, vivemos em um país onde muitas não têm essa oportunidade e enfrentam realidades extremamente difíceis e dolorosas. Infelizmente, o Brasil carrega números alarmantes de violência sexual contra crianças. Em 2022, o país registrou o maior número de estupros da História, com quase 75 mil vítimas em dados oficiais que ainda podem estar subnotificados. Dessas, seis em cada dez tinham entre 0 e 13 anos, frequentemente abusadas por familiares ou pessoas conhecidas.

Este dado revela a gravidade da situação e a necessidade urgente de mudanças estruturais e políticas que protejam nossos jovens. No entanto, estamos sendo obrigados a enfrentar um enorme desafio legislativo com o Projeto de Lei 1904/24, que propõe uma alteração na lei penal sobre o aborto, atualmente permitido sem limite de idade gestacional em casos de estupro, risco à vida da mulher e diagnóstico de anencefalia fetal. Se aprovado, o PL proibirá a realização do procedimento em sua forma legal acima de 22 semanas, o que afetará principalmente crianças vítimas de abuso sexual. Muitas vezes, elas demoram mais para descobrir a gestação.

A proposta ainda prevê que meninas e mulheres adultas, vítimas de estupro, ao abortar depois das 22 semanas, bem como os profissionais que realizem o procedimento, sejam condenadas pelo crime de homicídio simples, podendo ser presas por até 20 anos. Por outro lado, o estuprador cumpriria pena que chegaria a 10. Nos ruídos dos debates nas redes sociais, dizer-se a favor do aborto num país majoritariamente cristão pode ser rasamente interpretado como “ir contra o direito à vida” e os princípios de Deus, já que Ele seria o único com direito de tirar a vida de alguém.

É urgente que a discussão do “direito à vida” passe pela preservação da dignidade de quem gera outra existência, levando líderes religiosos para a conversa sobre saúde pública também. A fé e a religião em interpretações rasas não deveriam ser usadas para privar pessoas de prerrogativas e do debate de tópicos que podem parecer intocáveis.

Crianças não são mães. Crianças precisam ter direito à infância. Elas ainda estão com seus corpos e mentes em formação e podem correr risco de morte ao levar a cabo uma gravidez ou ainda tentar um aborto em condições precárias, o que já é realidade para tantas pessoas.

Diante dessa realidade, é crucial lembrar que há esperança e que a mudança é possível e depende de nós. Existem pessoas e organizações se unindo em manifestações e ações Brasil afora empenhadas em transformar esse cenário. Precisamos lutar por um futuro onde todas as crianças possam crescer seguras, e que as mulheres exerçam plenamente seus direitos reprodutivos. Esta pauta é de todas nós.

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