Enem 2023: Tema da redação é 'Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil'

Especialistas defendem que tema da redação do Enem 2023 é relevante e explicam como tirar boa nota

Por — Rio


Candidata chega ao local da prova nos últimos minutos Márcia Foletto

O tema da redação do Enem 2023 é "Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil".

A prova de redação do Enem exige dos candidatos a produção de um texto dissertativo-argumentativo. Os temas costumam abordar questões sociais, tecnológicas, culturais ou políticas.

— Trata-se de um tema que não é esperado, uma questão extremamente sensível e invisibilizada, e daí vem a importância de uma discussão como essa para jovens de todo o Brasil. Talvez esse seja um marco que separe a questão dos cuidados domésticos com foco na mulher em duas partes, e a sociedade brasileira comece a se preocupar com isso — Thiago Braga, professor e autor do Colégio e Sistema pH.

De acordo com Marina Rocha, professora de Redação da Plataforma AZ, o tema é muito relevante, não apareceu nas listas de apostas, mas esteve presente ao longo do ano em diversas reportagens da imprensa.

— O candidato precisa, na redação, reconhecer essa tarefa e os argumentos podem girar em torno da falta de apoio de políticas públicas para essas mulheres que realizam esses trabalhos sem auxílio e a questão cultural, porque as mulheres são vistas como aquelas que detém a virtude do cuidado e do carinho — afirmou.

Já Daniel Bravo, coordenador de Redação do Colégio e Curso Ao Cubo, afirma que cabe aos alunos identificarem que o problema pode ser explicado a partir de uma questão cultural que invisibiliza tarefas realizadas principalmente por mulheres, como o trabalho doméstico e funções de cuidado no ambiente familiar, que, muitas vezes, não é visto como trabalho.

— Considerando ainda a demanda de construção de uma proposta de intervenção, os candidatos podem propor ações que atuem diretamente sobre a dimensão da visibilidade recorrendo a ações educativas e informativas, sobretudo exercida pela mídia — afirmou.

Como é o cálculo da redação? Itens considerados na correção do Enem

Ao todo, são cinco os itens considerados na correção: 1) domínio da escrita formal da Língua Portuguesa; 2) compreender o tema e não fugir da proposta da redação; 3) organização das ideias; 4) coesão e coerência; e 5) proposta de intervenção. Cada uma delas vale 200 pontos. O resultado máximo é 1.000 — que, em 2022, só foi atingido por 32 pessoas.

— Temos um foco na problemática de reconhecimento insuficiente do trabalho doméstico e de cuidados tradicionalmente executados pelas mulheres, o que não é contabilizado na economia formal e perpetua a desigualdade de gênero. Esse desafio envolve superar barreiras culturais, a promoção de políticas públicas eficazes e a implementação de medidas que valorizem essas atividades essenciais — avalia Ademar Celedônio, Diretor de Ensino e Inovações Educacionais no SAS Educação.

Apesar de bem delimitada, o domínio das competências exigidas no Enem ainda é restrito. Há três semanas, o GLOBO mostrou que a diferença de desempenho na redação entre alunos de escolas públicas e privadas é de 182 pontos, três vezes maior do que na prova objetiva, que, em 2022, chegou a 67 pontos, o menor patamar dos últimos oito anos.

Temas de redação do Enem nos anos anteriores

Confira os temas abordados nas redações do Enem nos últimos anos:

  • O indivíduo frente à ética nacional (2009)
  • O Trabalho na Construção da Dignidade Humana (2010)
  • Viver em rede no século XXI: os limites entre o público e o privado (2011)
  • O movimento migratório para o Brasil no século XXI (2012)
  • Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil (2013)
  • Publicidade infantil em questão no Brasil (2014)
  • A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira (2015)
  • Caminhos para combater o racismo no Brasil (2016)
  • Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil (2016)
  • Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil (2017)
  • Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet (2018)
  • Democratização do acesso ao cinema no Brasil (2019)
  • O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira (2020)
  • O desafio de diminuir a desigualdade entre regiões no Brasil (2020 - Enem Digital)
  • Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil (2021)
  • Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil (2022)

'Miojo' da mudança

Esse formato de redação tão bem estabelecido no Enem é uma construção dos últimos dez anos. Em 2012, o Enem registrou 2.083 notas mil. No entanto, uma reportagem do GLOBO do ano seguinte mostrou que, apesar de seguirem a proposta do tema “A imigração para o Brasil no século XXI”, os textos não respeitavam a primeira das cinco competências avaliadas pelos corretores: demonstrar domínio da norma padrão da língua escrita. “Rasoavel”, “enchergar”, “trousse” foram alguns dos erros localizados pelo jornal.

Naquele ano, também ficou famosa a redação de um inscrito que interrompeu seu raciocínio e escreveu: “Para não ficar cansativo vou ensinar agora a fazer um belo miojo”, seguindo com a receita do macarrão. Mesmo com a evidente fuga do tema, ele tirou 560.

A revelação dos problemas gerou uma crise no Ministério da Educação, comandado à época pelo atual presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, que anunciou uma série de reformas. A primeira foi a definição de que fugir do tema leva o candidato a zerar a redação.

Como é feita a correção da prova?

Desde o começo do Enem, cada redação é analisada por dois corretores. Em 2012, se a diferença das notas fosse acima de 200, um terceiro avaliador seria chamado. No ano seguinte, essa margem aceitável caiu para 100 pontos. Presidente do Inep na época, Luiz Cláudio Costa conta que o treinamento dos corretores foi muito aprimorado.

— Houve capacitações regionais, treinamento, eles tinham que escrever e corrigir redações que a gente já sabia a nota. Fomos mais rigorosos na seleção. Excluímos uns, trouxemos outros. E a correção ficou mais objetiva — avalia.

O resultado foi que desabou o número de notas mil. De 2.083 em 2012, foi para 481 no ano seguinte, até cair a 77 em 2016. Depois disso, sempre esteve abaixo de 60, chegando a 22 em 2021, ano com o menor número de inscritos da prova e com impactos educacionais após a pandemia.

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