'Vou deixar a vida me levar': os planos dos músicos do Skank após uma despedida majestosa no Mineirão

Samuel, Haroldo, Henrique e Lelo vão continuar fazendo música, de um jeito ou de outro

Por — Belo Horizonte


Henrique Portugal, Samuel Rosa, Haroldo Ferretti e Lelo Zaneti no último show do Skank, domingo (26), no Mineirão Alexandre Stehling / Divulgação

Por alguns bons segundos, depois da quarta ou quinta música, Samuel Rosa, Henrique Portugal, Haroldo Ferretti e Lelo Zaneti ficaram em silêncio no palco. Diante deles, um Mineirão lotado ovacionava calorosamente o quarteto. O vocalista marejou os olhos. Na plateia, não foi difícil ver gente chorando. Era para tanto. Terminava ali um ciclo de mais de 30 anos de uma das bandas de maior sucesso da História da música brasileira. O Skank saiu de cena num domingo de temperatura amena e céu limpo, na mesma Belo Horizonte onde tudo começou, com um show majestoso e lotado — foram 50 mil ingressos vendidos.

Daqui para frente, a ideia é “seguir a direção de uma estrela qualquer”, como diz uma das mais conhecidas canções do grupo, “Vou deixar”. Uma coisa é certa: os quatro vão continuar fazendo música, de um jeito ou de outro. Lelo já tem outra banda. Samuel quer compor mais. Haroldo quer dar um gás nas aulas de piano. E Henrique está empolgado com novos parceiros.

Mineirão lotado: foram 50 mil ingressos vendidos para o show de despedida do grupo — Foto: Alexandre Stehling / Divulgação

Resta um pouco mais

A noite de domingo ainda estava longe de encerrar. “Tinha tudo para dar errado, mas estamos aqui hoje”, disse Samuel no palco. “É difícil explicar o que estamos sentindo”, completou. Nem nas suas melhores previsões, aquele jovem que fundou o Skank com Henrique e Fernando Furtado (empresário) na mesa do Bar do Bolão, no bairro de Santa Tereza, diria que a trajetória da banda seria tão exitosa. Dali, eles chamaram Lelo e Haroldo. O resto é história.

— Um dia, recebi um telefonema do Fernando me perguntando: “Topa montar uma banda com Samuel, Henrique e Lelo?” Resposta: “Claro, tô nessa.” Ele me falou um pouco sobre a proposta, de tocar reggae, dancehall e tal. Me lembro do primeiro ensaio quando Samuel subiu a rampa da garagem da casa dos meus pais e gritou pra mim: “Jah Rastafari!” Eu pensei, uai, legal. Não fazia ideia do que significava isso. Até hoje não sei direito — lembra o baterista Haroldo.

Se no domingo um mar de gente prestigiou o adeus do quarteto mineiro, registros dão conta de que apenas 37 pessoas foram naquele que é considerado o primeiro show, no dia 5 de junho de 1991. Foi no Aeroanta, em São Paulo. Charles Gavin, ex-baterista do Titãs, não esquece da primeira vez que viu o quarteto ao vivo, dois anos depois, na extinta casa Ballroom, no Humaitá, Zona Sul do Rio:

— Fiquei muito bem impressionado. Estavam começando, mas tinham um nível técnico muito alto. Eram quatro rapazes muito focados e muito determinados.

O Skank em 1991 — Foto: Weber Pádua / Divulgação

A virada de chave veio no verão de 1994. Ainda está fresca na memória dos músicos do Skank a noite em que tocaram no Hollywood Rock, na Praça da Apoteose, no Rio. Eles estavam em vias de lançar o segundo disco, “Calango”, que trazia hits como “Te ver”, “Pacato cidadão” e “Jackie Tequila”.

— Foi um divisor de águas. Foi um festival onde o Skank entrou como azarão. Tínhamos poucas músicas conhecidas, não tinha nenhuma que estourou do primeiro álbum. Mas pesou o fato de termos comido pela beirada, mineiramente. Estávamos com uma cancha boa de palco — lembra Samuel. — Fizemos mais de cem shows em 1993 tocando em qualquer canto do Brasil. Então surpreendemos muita gente. Fizemos um bom show pegando algumas covers, como “Andar com fé” e “Partido alto”. Foi incrível, subimos de um jeito no palco e descemos de outro.

Haroldo completa:

— A gente nunca tinha tocado num palco como aquele. E de repente, parecia que a Apoteose só tinha mineiro. Todo mundo cantando tudo. Foi a minha primeira sensação de que a coisa ia rolar.

Do “Calango” em diante, vieram outros sete álbuns de estúdio e milhões de cópias vendidas. O Bar do Bolão, aquele do início, ostenta discos de ouro e de platina do Skank emoldurados na parede.

— Eles nos presentaram com alguns prêmios que ganharam. É uma honra — explica Carlos Henrique Rocha, um dos proprietários do estabelecimento, do balcão do bar, antes de partir para o Mineirão. — Essa ligação começou com meu tio Bolão, em 1991. O Henrique que sempre teve mais amizade com ele. O laço ficou muito forte. Depois deu um boom na banda, mas eles sempre vêm aqui.

Por volta das 16h30, as vias de acesso ao Mineirão já estavam congestionadas por conta do show, marcado para as 19h.

— Aposentou o Milton Nascimento, agora o Skank. Vamos ter que ouvir esses trem ruim aí, uai — brincou um motorista de aplicativo, desolado com o fim da banda.

Milton Nascimento cantou "Resposta" ao lado de Samuel Rosa — Foto: Alexandre Stehling / Divulgação

Na porta, era nítido o alcance de gerações que o Skank conquistou ao longo dos anos, com gente de todas as idades e pais e filhos vivendo juntos aquele dia especial. No meio do show, uma surpresa elevou ainda mais o clima de emoção à flor da pele. Milton Nascimento entrou no palco para cantar “Resposta”. O público veio abaixo.

Outros formatos

O anúncio do fim da banda foi dado oficialmente em 2019, mas os planos de despedida acabaram sendo adiados por conta da pandemia da Covid-19. Novos shows vieram. E muitos fãs passaram a fazer piada com a “aposentadoria que nunca vem”. Desta vez, acabou mesmo, eles garantem. Ou não...

— Não há nenhum motivo para que o Skank, em determinado momento, de forma pontual, não retome alguma coisa — diz Samuel, desfazendo a sensação de adeus-pra-nunca-mais. —Não seria nos moldes do que é hoje, com este funcionamento integral. Mas num futuro, é realmente possível, sim, a gente se encontrar.

Enquanto esse dia não chega, Samuel quer tentar “outros formatos”. Diz que vai continuar fazendo show solo — “não sei como, exatamente” —, mas em outro ritmo:

— Não tem tanta urgência, vou fazer com calma.

Lelo já está em outra empreitada, a banda Trilho Elétrico, que forma com Manno Góes, Rodrigo Borges e Lutte.

— Tivemos participações como Armandinho Macedo e Mart’nália nos três primeiros singles nas plataformas digitais e teremos grandes participações futuras, como Daniela Mercury — avisa o baixista.

Henrique também tem experimentado o trabalho com novos parceiros:

— Já estou lançando as minhas músicas e gravando com alguns amigos que conquistei por este mundo musical. Já gravei com Leoni, Frejat, Marcos Valle e compus com Zélia Duncan. Quero devolver para a música um pouco do que ela me deu — diz o tecladista.

Haroldo, por sua vez, quer se debruçar em funções de estúdio:

— Pretendo deixar a poeira baixar, mas vou me dedicar a estudar técnicas de gravação, mixagem, produção. Parte da assinatura do Skank se deve aos grooves feitos por mim e pelo Lelo. Isso tem um valor incrível. Acho que temos um bom caminho se quisermos explorar isso. E também seguir nas minhas aulas de piano e de idiomas. É o que me dá prazer.

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