Casos de antissemitismo no Brasil mais que dobram com guerra entre Israel e Hamas, apontam entidades judaicas

Denúncias validadas após avaliação interna incluem casos de apologia à violência, agressão física e verba

Por — São Paulo


Cartaz com referência a Israel e símbolo nazista colado sobre mural em homenagem a Carlos Drummond de Andrade no Teatro Municipal Sérgio Porto, em janeiro Reprodução

Os casos de antissemitismo no Brasil dispararam desde o início da guerra entre Israel e Hamas, com mais de 2 mil denúncias registradas desde o atentado terrorista de 7 de outubro de 2023. O dado foi apresentado no Relatório de Antissemitismo no Brasil, divulgado nesta terça-feira pela Confederação Israelita do Brasil (Conib) e pela Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp), um dia antes do aniversário de 95 anos do nascimento de Anne Frank, símbolo da luta internacional contra o ódio aos judeus.

O documento aponta que 1.410 denúncias de antissemitismo foram registradas pelas organizações judaicas em 2023, a partir de canais oficiais de escuta mantidos pela Conib e por federações estaduais. O número é 255% maior do que as denúncias enviadas pelos mesmos canais em 2022, quando o total foi de 397.

As estatísticas mostram que o começo do conflito repercutiu no número de denúncias enviadas. Do total de casos, 1.119 foram registrados entre outubro e dezembro. Em uma atualização parcial, entre outubro e maio deste ano, foram 2.005 casos apresentados foram considerados válidos, incluindo desde publicações on-line com discurso de ódio até "atos reais", como casos de apologia à violência, agressão física e verbal.

De acordo com Sergio Napchan, diretor-executivo da Conib, os casos contabilizados no relatório foram processados e avaliados por uma equipe da organização, a partir da definição de antissemitismo da Aliança Internacional de Memória do Holocausto (IHRA, na sigla em inglês), adotada recentemente pela cidade de São Paulo e pelo estado do Rio de Janeiro. Avaliadas as denúncias e descartados os casos considerados incompatíveis ou duplicados, chegou-se ao número do relatório, considerado pela comunidade judaica como histórico, apesar da falta de um registro mais longo.

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— Em outras operações militares, também houve um aumento do antissemitismo no Brasil, mas não como hoje. Posso citar a segunda guerra do Líbano como um exemplo em que sentimos uma certa animosidade, mas não como agora — disse Napchan, especulando que o momento de polarização política poderia ter relação com o fenômeno em solo brasileiro.

O presidente da Conib, Claudio Lottenberg, avaliou que os registros demonstram que o discurso antissemita nunca deixou de existir no país, e que estava apenas latente. Ele demonstrou preocupação com o crescimento das demonstrações públicas e violentas e defendeu uma abordagem de punição e transformação cultural.

— As tratativas internas e os encaminhamentos dentro da lei são providências que a gente tem que obrigatoriamente fazer em nome da nossa comunidade. Mas temos uma preocupação maior, que é a de fazer com que a sociedade não normalize esse discurso — disse Lottenberg. — Combater o ódio é um desafio complexo que mexe com o conceito de cultura, e mudar cultura é um dos maiores desafios que uma sociedade tem. Não há uma solução simples. Temos que educar e conscientizar.

Recorde de ações educacionais

Apesar do aumento de casos de antissemitismo notificado pelas organizações judaicas, o Brasil foi apontado pela Casa de Anne Frank de Amsterdã, principal museu sobre a história da menina judia morta aos 14 anos pelo regime nazista após viver escondida entre 1942 e 1944, como líder mundial em ações educativas sobre o tema, a frente de 31 países.

De acordo com Joelke Offringa, presidente do Instituto Plataforma Brasil, que promove uma série de atividades como exposições itinerantes, treinamentos para professores e ações lúdicas chanceladas pela organização holandesa, ações envolvendo a memória da jovem judia podem ser um aliado no combate ao antissemitismo — e ao discurso de ódio, em sentido amplo.

Mural Anne Frank em Amsterdã Holanda — Foto: Divulgação

— Anne Frank nos oferece a oportunidade de criar uma conexão direta com uma pessoa real, com a qual conseguimos nos relacionar. Os jovens, sobretudo, porque ao ler o diário dela, é um jovem falando com outro. A partir do momento que você conseguiu ter dimensão do que aconteceu com ela, você começa a entender que isso não aconteceu uma vez, aconteceu 6 milhões de vezes. Os números viram histórias de vida — explicou Offringa.

Embora o diário de Anne Frank registre um dos casos de antissemitismo mais famosos da História, Offringa afirma que as atividades realizadas no Brasil permitem também uma atuação mais ampla, colocando em discussão outros tipos de discriminação e discursos de ódio, voltados a raça, orientação sexual, classe social e gênero.

— Anne Frank traz para os jovens e crianças brasileiros uma consciência de que diversos grupos podem ser discriminados. Mesmo pessoas de um determinado grupo ou população que eles nunca imaginaram que pudessem ser discriminados — disse a presidente, referindo-se ao fato de Anne ser branca, de um país de primeiro mundo e de uma família com boas condições financeiras. — Com isso, conseguimos expor como esse processo de desumanização acontece passo a passo.

Apesar do número de ações em expansão, Offringa afirma que o número de espaços para discussão ainda são restritos, o que é preocupante em um país cada vez mais polarizado. A presidente afirmou que a defesa de valores universais e democráticos como caminho para uma sociedade harmônica e plural.

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