Linha Amarela atravessa áreas com alto índice de roubos; duas pessoas morreram por balas perdidas na semana passada

O medo também é elemento presente na rotina de quem passa pela via, de dia ou de noite, e não sabe se uma simples abordagem pode se transformar em troca de tiros

Por — Rio de Janeiro


A Linha Amarela, uma das principais vias expressas do Rio Gabriel de Paiva

RESUMO

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GERADO EM: 23/06/2024 - 04:30

Criminalidade na Linha Amarela: Urgência de Investimentos

A Linha Amarela é palco de alta criminalidade, com aumento de roubos e troca de tiros, resultando em mortes e medo constante entre os usuários da via. Autoridades e especialistas destacam a necessidade de investimento em segurança e integração para lidar com o problema.

O dia ainda não havia raiado, na terça-feira passada, e Deborah e José Carlos já estavam a caminho do trabalho, como milhares de cariocas. No ponto, ela aguardava a condução. Ele já ia a bordo de um ônibus. Por volta das 5h, os dois, que não se conheciam, ficaram em meio a um tiroteio durante uma tentativa de assalto na altura da saída 7 da Linha Amarela, em Higienópolis. Atingidos por balas perdidas, a engenheira de produção Deborah Vilas Boas Pires da Silva, de 27 anos — que havia dado à luz uma menina há apenas sete meses — e o serralheiro José Carlos da Silva Miranda, de 64, morreram na hora. A tragédia comoveu a cidade e voltou a chamar a atenção para a via e seus riscos.

Ao longo dos seus 17,4 quilômetros de extensão, a Linha Amarela, cujo nome oficial é Avenida Carlos Lacerda, cruza 13 bairros e 23 favelas entre Jacarepaguá, na Zona Oeste, e a Cidade Universitária, na Ilha do Fundão, na Zona Norte. Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) sobre roubos de carga, de ônibus e de veículos nas áreas de três delegacias das regiões cortadas pela via mostram que os índices estão piorando.

Nos quatro primeiros meses deste ano, houve 1.016 registros desses roubos na 21ª DP (Bonsucesso), na 24ª DP (Piedade) e na 44ª DP (Inhaúma), média de mais de oito por dia. No mesmo período, em 2023, foram 890 casos registrados nas três unidades policiais, o que significa um aumento de 14% em 2024.

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Aumento nas ocorrências

Segundo informações fornecidas pela Lamsa, concessionária que administra a Linha Amarela, foram registradas “11 ocorrências policiais em todo o trecho de concessão da empresa” no primeiro semestre deste ano, contra 18 durante todo o ano passado. Na quarta-feira, um dia após a tentativa de assalto que vitimou Deborah e José Carlos, O GLOBO percorreu toda a extensão da via nos dois sentidos e viu sete viaturas posicionadas em algumas das principais saídas, inclusive no ponto onde ocorrera a tentativa de assalto.

Por volta das 14h30, na altura da saída 3, sentido Jacarepaguá, um momento de tensão na pista: equipes do Batalhão de Policiamento em Vias Expressas (BPVE) interceptaram um caminhão. O trânsito chegou a ficar interrompido, formando um pequeno engarrafamento no trecho. Perguntado, um dos policiais que participaram da abordagem afirmou que o veículo havia chamado a atenção por ter saído da favela Nova Holanda e, por isso, foi interceptado para averiguação. Em nota, o BPVE informou apenas que “as abordagens a veículos suspeitos fazem parte da rotina de patrulhamento da unidade”.

O medo também é elemento presente na rotina de quem passa pela via, de dia ou de noite, e não sabe se uma simples abordagem pode se transformar em troca de tiros. No caso que terminou com a trágica morte de Deborah e José Carlos, por exemplo, quatro criminosos num carro tentaram roubar a moto de um casal quando foram flagrados por policiais do 22º BPM (Maré). Segundo os PMs, os bandidos — um deles com um fuzil — reagiram e abriram fogo. O resultado foi um assaltante baleado e preso e dois trabalhadores mortos.

A polícia busca informações sobre dois dos que teriam participado da tentativa de assalto na Linha Amarela. Os suspeitos foram identificados como Ricardo dos Santos Ferreira, o Bu ou Diretor, de 37 anos, e Carlos Henrique Ferreira de Brito, conhecido como Coroa, de 41.

Estatísticas e números ajudam a dar uma ideia do problema, mas nada consegue traduzir nem a dor de quem perdeu uma pessoa querida para a violência, nem o trauma de quem passou por uma situação de extremo perigo e conseguiu sobreviver. É o caso do locutor Gustavo de Moraes, da rádio Melodia FM. Há pouco mais de cinco anos, em 2 de maio de 2019, ele voltava de mais um dia de trabalho na Barra da Tijuca quando, na Linha Amarela, por volta das 22h40, dois homens anunciaram um assalto ao ônibus onde ele estava. Um dos assaltantes insistiu que Gustavo era um policial e decidiu atirar. Um disparo atingiu o radialista no abdômen, e outro, o olho esquerdo.

— Foi Deus que me salvou, não tem outra explicação. A intenção deles era me matar ali, mas consegui sobreviver. Hoje convivo com esse trauma, não tem jeito. Vai me acompanhar para o resto da vida. Toda vez que preciso ir ao Rio a sensação é muito ruim, volta tudo à cabeça — diz o locutor , que aos 64 anos vive no interior do estado e continua a comandar seu programa, na mesma rádio, nas noites de segunda a sexta e nas manhãs de domingo.

Ao saber do duplo homicídio ocorrido na Linha Amarela na semana passada, Gustavo — que desde que foi baleado passou a trabalhar de casa, em regime de “home studio” — reviveu todo o drama pelo qual passou:

— Evito ver notícias sobre crimes, me fazem mal. Quando soube dessa moça e desse senhor, tudo o que vivi voltou à minha mente. Poderia ter acontecido o mesmo comigo. Fico emocionado só de pensar no tamanho da dor dessas famílias. É um absurdo que esse tipo de coisa aconteça.

‘Sintoma das fragilidades’

Com Gustavo baleado dentro do ônibus, o motorista dirigiu até a praça do pedágio. Lá, o radialista foi socorrido por uma ambulância da Lamsa e levado para o Hospital municipal Salgado Filho, no Méier.

Na sexta-feira passada, a reportagem voltou a percorrer a Linha Amarela e flagrou um Gol branco trafegando na contramão por volta das 9h. O carro circulava junto à mureta, no sentido Jacarepaguá. Houve quem acreditasse que se tratava de um arrastão em curso, mas logo ficou claro que era “apenas” uma manobra irregular.

Para Robson Rodrigues, coronel da reserva da PM, antropólogo e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, a sensação de insegurança nas vias expressas é uma extensão do que acontece em toda a cidade.

— O que acontece nessas vias é um sintoma das fragilidades de todo o sistema de segurança. Pela facilidade de acesso e pontos de escape, elas acabam sendo usadas pelos criminosos. É preciso que haja investimento na qualidade, na inteligência do trabalho na área de segurança, não basta quantidade — diz ele.

Para Rodrigues, já passou da hora de investir em tecnologia e promover uma integração concreta entre os diferentes entes que atuam na área.

— O problema é crônico, há décadas, e não só na Linha Amarela. É necessário que as polícias, as concessionárias e a própria prefeitura atuem de forma coordenada. Além disso, o uso da tecnologia precisa ser ampliado e compartilhado. Sabemos que há questões sensíveis, que geram debate na sociedade e são importantes, mas não entendo por que não existe ainda um plano de patrulhamento aéreo por drones, por exemplo — disse.

Procurada, a PM informou por meio de nota que na Linha Amarela e demais vias expressas, unidades como a Rondas Especiais e Controle de Multidões (Recom) e o BPVE “realizam o trabalho de abordagem, principalmente em corredores de maior fluxo de veículos e pontos de ônibus”, e que “segue trabalhando em parceria com a Polícia Civil para identificar e prender os envolvidos nesse tipo de crime”.

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