O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fez um duro discurso nesta sexta-feira criticando a decisão da Suprema Corte de revogar o direito ao aborto e chamou o veredicto de "erro trágico" movido por uma "ideologia extrema". Biden cobrou que o Congresso aprove uma lei federal sobre o tema e evocou a campanha para as eleições legislativas de novembro, exortando os eleitores a continuar a luta de forma "pacífica" e a defender "nas urnas" as liberdades individuais.
— Esse é o resultado de um esforço deliberado de décadas para acabar com o equilíbrio de nossas leis, é a concretização de uma ideologia extrema, um erro trágico. A Suprema Corte fez algo que nunca havia feito antes, que é retirar um direito constitucional dos americanos. A América volta 150 anos no tempo — enfatizou o democrata na Casa Branca, após a sentença ser conhecida. — É um dia triste para a Suprema Corte e para os Estados Unidos.
Biden usou o discurso para pedir que o aborto seja transformado em lei federal e lembrou aos eleitores que a única maneira de defender o direito da mulher no Congresso é elegendo "senadores e líderes locais" nas eleições de novembro. O democrata admitiu que a atual configuração do Congresso, com o Senado dividido ao meio entre democratas e republicanos, impede o avanço de qualquer lei nesse sentido e pediu que os eleitores votem em candidatos que apoiem a causa:
— Os eleitores precisam fazer suas vozes serem ouvidas. Precisamos eleger senadores e líderes locais para proteger esse direito e restaurar essa decisão nas eleições de meio de mandato [presidencial]. Tudo isso estará em jogo no voto, e eu farei tudo que estiver ao meu alcance para proteger a saúde da mulher.
O tom foi similar ao da vice-presidente, Kamala Harris, que tocou no assunto durante um discurso pré-planejado sobre o acesso à serviços de saúde materna nesta sexta. Afirmando que os americanos devem usar seu voto para dar "palavra final" sobre o assunto, ela classificou o veredicto como uma "crise de saúde":
— Por quase 50 anos, falamos sobre o que Roe contra Wade protege (...). A partir de hoje, desse minuto, podemos falar apenas sobre o que Roe contra Wade protegia. No pretérito — disse a vice, durante uma visita a Plainfield, Illinois. — É a primeira vez na história do nosso país que um direito constitucional foi removido do povo americano.
Atualmente, as pesquisas indicam que, nas eleições de novembro, os democratas correm o risco de perder a atual maioria na Câmara e a maioria de um voto no Senado, só garantida pelo voto de minerva da vice-presidente. Além disso, haverá renovação de 36 dos 50 governadores e de vários cargos eletivos nos estados.
Embora tenha afirmado hoje à Fox News que a decisão da Suprema Corte "segue a vontade de Deus" e a Constituição, o ex-presidente Donald Trump, que mantém grande influência no Partido Republicano, teria comentado em privado, segundo o New York Times, que o veredicto pode prejudicar a sigla nas urnas.
— Três juízes nomeados por um presidente estão no centro da decisão de hoje de eliminar um direito fundamental às mulheres do país.
Em seu discurso, ao criticar a falta de equilíbrio na Suprema Corte, Biden lembrou que Trump foi responsável por escolher três juízes conservadores durante seu mandato. Com isso, o tribunal ficou com seis juízes nomeados por presidentes republicanos, e apenas três por democratas.
No discurso, Biden destacou ainda que "a saúde e a vida das mulheres neste país estão agora em perigo" e lembrou que elas "poderão ser punidas por quererem proteger sua própria saúde", assim como os médicos, que poderão ser "criminalizados por fazer seu dever". Ele citou a movimentação de parte dos estados para restringir ou até mesmo proibir o aborto com leis que aguardavam apenas a decisão da Suprema Corte para entrar em vigor.
O democrata citou ainda esforços de alguns estados de dificultar o acesso a remédios abortivos e lembrou que eles não são proibidos nos EUA.
— Meu governo se compromete a garantir o acesso a estes medicamentos, aprovados pela FDA [órgão equivalente à Anvisa], independentemente das decisões estaduais. É uma sombra que se lança sobre o país.