A disputa judicial entre a Casa Branca e o governo do Texas sobre uma lei que permite a prisão e deportação de imigrantes irregulares diretamente por autoridades do Estado sulista, colocou em evidência uma disputa mais ampla entre republicanos e democratas. Se o cerne jurídico do caso é determinar quem tem competência para legislar sobre imigração, no campo político, a ação é mais uma frente da disputa entre líderes partidários, que usam os imigrantes como arma política.
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Políticos republicanos e democratas demonstraram preocupações, nos últimos anos, com o número crescente de imigrantes ilegais cruzando a fronteira com o México. Estimativas oficiais apontam que mais de 2,4 milhões de pessoas foram interceptadas na fronteira sul entre setembro de 2022 e outubro de 2023, um recorde. O fato foi rapidamente incorporado às narrativas polarizadas da política interna, tornando-se tema eleitoral de primeira ordem, sobretudo nos estados fronteiriços, e interferindo até em questões de diplomacia.
Desde o final do ano passado, um amplo pacote de Defesa, que prevê o envio de US$ 60 bilhões (R$ 298 bilhões) à Ucrânia, está parado no Congresso por um impasse liderado pela oposição republicana. O plano passou a incluir medidas duras para o setor da imigração, incluindo a possibilidade de deportações mais rápidas e a suspensão de partes dos mecanismos de concessão de asilo. Contudo, apesar das concessões da Casa Branca, e do compromisso de alguns oposicionistas, a ordem do ex-presidente e atual candidato Donald Trump foi clara: os parlamentares de seu partido, que aos poucos se torna o "Partido de Trump", deveriam boicotar a proposta.
— A conduta de Biden em nossa fronteira é, de toda forma, uma conspiração para derrubar os Estados Unidos da América — disse Trump em um discurso na Carolina do Norte, no começo do mês. — Biden e seus cúmplices querem derrubar o sistema americano, anular o desejo dos eleitores americanos estabelecer uma nova base de poder que lhes dê o controle por gerações.
Para Trump, permitir qualquer tipo de protagonismo a Biden sobre a imigração é deixar escapar uma pauta que promete ser central na reta final de campanha. Suas propostas caso seja eleito trazem semelhanças com planos de seu primeiro mandato, mas ainda mais radicais: o veto a viajantes de algumas nacionalidades, inicialmente focado em sete países, promete ser expandido e incluir pessoas que expressem "visões comunistas ou marxistas". O pacote ainda promete deportações em massa, operações mais frequentes para a detenção de pessoas em situação irregular, a criação de novas unidades prisionais e até limites à concessão de nacionalidade de pessoas nascidas no país, algo que hoje é automático.
— 2025 não será como 2017 — disse ao site Vox Todd Schulte, presidente da FWD, um grupo de defesa dos direitos dos imigrantes. — 2025 será radicalmente diferente. E as pessoas devem esperar que quando Trump chegue à Casa Branca, famílias sejam separadas na fronteira e famílias sejam separadas nos EUA.
Foi dentro deste contexto que o governador do Texas, Greg Abbott, tornou-se um dos principais porta-vozes da disputa e ganhou destaque no campo republicano. Em um estado cujo Legislativo é quase completamente dominado por seu partido e que é afetado diretamente pelo fluxo migratório, Abbott reuniu apoio para impor uma agenda linha-dura anti-imigração, desafiando os limites de competência e um governo estadual, o que pressionou a administração federal do presidente democrata, Joe Biden.
Sob o comando de Abbott, o Texas investiu mais de US$ 10 bilhões (quase R$ 50 bilhões na cotação atual) em um destacamento de longo prazo da polícia estadual e de tropas da Guarda Nacional na fronteira e instalou uma barreira de boias no Rio Grande, para impedir a passagem dos imigrante, obrigando o governo federal a acionar a Justiça para que fossem removidas. E instruiu a polícia estadual a criar um programa para prender migrantes encontrados em fazendas privadas e acusá-los de invasão criminosa.
— O Texas está fazendo a sua parte para proteger uma fronteira totalmente aberta por Joe Biden — disse Abbott em uma entrevista coletiva em dezembro.
O governador do Texas também esteve na vanguarda do plano de enviar os imigrantes para Estados afastados da fronteira, liderados por democratas. Ao lado de aliados, como o governador da Flórida, Ron DeSantis, Abbott enviou comboios de ônibus e mesmo aviões fretados para cidades e estados com maioria democrata, como Nova York e Chicago, provocando crises locais. Os governadores justificaram a medida culpando o governo Biden por ter "aberto às portas para a imigração ilegal" e chamaram o resto do país a dividir o peso da crise.
A questão migratória também provocou crises em redutos democratas. Em Nova York, o prefeito Eric Adams endureceu as regras para os imigrantes após receber cerca de 100 mil pessoas em um ano, e chegou a comunicar falta de vagas em abrigo na cidade, em julho do ano passado. Em abril, antes da crise atingir seu ápice, Adams chegou a afirmar que "o presidente e a Casa Branca falharam com a cidade de Nova York”, em uma rara crítica a Washington. O governador de Illinois, JB Pritzker, fez comentários no mesmo sentido, com o agravamento da crise em Chicago.
"Infelizmente, as boas vindas e a ajuda que Illinois tem dado aos que buscam asilo não receberam o apoio do governo federal", escreveu Pritzker em uma carta a Biden, em outubro. "De forma mais crítica, a falta de intervenção e coordenação do governo federal na fronteira criaram uma situação insustentável para Illinois."
Campanha eleitoral
Embora os imigrantes sem cidadania americana — estejam eles em situação regular ou não — não tenham direito a voto, a questão migratória é acompanhada de perto por comunidades instaladas no país, que cada vez possuem mais peso eleitoral. É o caso do voto latino, por exemplo, que atualmente representa quase 15% do eleitorado, com um total de 36,2 milhões de eleitores registrados.
Essa fatia do eleitorado entrou na mira do presidente Biden, candidato a reeleição, que intensificou agendas em Nevada e no Arizona, onde venceu em 2020 impulsionado pelo voto hispânico, para tentar reverter a tendência de pesquisas recentes, que deram vantagem a Trump.
No Arizona, Biden tentou capitalizar em cima das falas recentes do republicano, que, durante um discurso improvisado em Ohio, que usou linguagem incendiária e desumanizadora para classificar muitos imigrantes como ameaças aos cidadãos americanos e os chamou de "animais".
— Não sei se vocês os chamam de "pessoas" em alguns casos. Eles não são pessoas, em minha opinião — disse Trump, no sábado passado. — Mas não posso dizer isso, porque a esquerda radical diz que é uma coisa terrível de se dizer.
Trump também afirmou, sem provas, que outros países estavam esvaziando suas prisões de "jovens" e enviando-os para o outro lado da fronteira. Biden, por sua vez, tenta usar o radicalismo do republicano como um argumento contra seu retorno à Casa Branca.
— Ele disse que os latinos eram criminosos e estupradores. De que diabos ele está falando? Somos como somos porque este é o país mais diversificado do mundo — disse Biden em discurso dentro do El Portal, que foi inaugurado em 1947 e é decorado com murais coloridos, incluindo um da Virgem de Guadalupe.
O candidato democrata também lançou novo anúncio na quinta-feira, misturando inglês e espanhol, na tentativa de atrair o voto hispânico. A peça, narrada em em espanhol, 'spanglish' e inglês, é concentrada no eleitorado da terceira idade e nas mulheres. (Com NYT e AFP)