O presidente argentino, Javier Milei, que viajará à Espanha na sexta-feira para receber um prêmio, não será recebido pelo rei Felipe VI. No mês passado, o líder argentino chegou a solicitar uma audiência com o monarca durante a visita, mas não recebeu resposta — decisão considerada "lógica" pelo governo espanhol. A viagem do ultraliberal ocorre semanas após seu desentendimento com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, que culminou na retirada "definitiva" da embaixadora espanhola em Buenos Aires. Na primeira visita, Milei não se encontrou nem com o rei, nem com o premier.
— Acho que é lógico, o rei é o chefe de um Estado em que o presidente Milei desrespeitou o presidente do governo espanhol — disse a ministra espanhola da Defesa, Margarita Robles, ao canal Telecinco, nesta quinta-feira.
Segundo o El País, Milei solicitou a audiência com o monarca durante sua visita a Madri para receber o prêmio anual do Instituto Juan de Mariana, um grupo de reflexão neoliberal. Porém, não obteve retorno, uma vez que a política externa é orientada pelo Ministério das Relações Exteriores espanhol, pasta dirigida por José Manuel Albares. A Casa Real, cujo encontro com Milei não consta na sua agenda, não quis fazer comentários à agência de notícias AFP.
O jornal espanhol lembrou ainda que o rei compareceu à posse de Milei, em dezembro, e voltou a encontrá-lo na posse do presidente salvadorenho, Nayib Bukelen, em junho, com a crise diplomática entre Madri e Buenos Aires já instaurada. Na ocasião, ambos se limitaram a um cumprimento de longe.
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Fontes da Chancelaria espanhola salientaram que "Milei tem demonstrado uma atitude reiterada de procura de confronto e de ofensa às nossas instituições e à nossa democracia, algo sem precedentes nas relações internacionais e nas práticas diplomáticas entre nações". Para estas fontes, é "surpreendente e anômalo que um presidente estrangeiro não solicite, em nenhuma das suas primeiras visitas a Espanha, um encontro institucional com o seu homólogo, como fazem todos os presidentes do mundo".
As fontes disseram esperar que na sexta-feira "Milei esteja ao nível do povo argentino e respeite as instituições espanholas", algo que "não fez (...) na sua visita anterior", há um mês. As palavras são similares àquelas proferidas por Sánchez durante um fórum econômico, no qual afirmou que o presidente argentino não estava "à altura" dos “laços de fraternidade” entre Espanha e Argentina, destacando que as falas do ultraliberal não foram feitas "em nome do grande povo argentino".
Entenda o caso
Em maio, durante viagem a Madri para participar de uma convenção do partido espanhol de extrema direita Vox, Milei se referiu à mulher do premier espanhol, Begoña Gómez, como uma "mulher corrupta". Embora não tenha identificado Sánchez ou sua esposa pelo nome, a alusão do líder argentino ao período de reflexão que Sánchez levou para decidir se renunciaria permitiu que o casal fosse identificado.
— As elites globais não percebem o quão destrutivo pode ser implementar as ideias do socialismo (...), mesmo quando a mulher for corrupta, sujar-se e tirar cinco dias para pensar sobre isso — afirmou.
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O presidente argentino fazia eco às críticas da direita espanhola contra Begoña, que estava sendo investigada por uma suposta relação comercial com empresas que receberam ajuda do governo. Em abril, Sánchez chegou a suspender sua agenda pública para decidir se seguiria à frente do governo espanhol, afirmando ser alvo de uma campanha de assédio pessoal e difamatória da oposição.
A postura de Milei levou Albares a anunciar, no fim de maio, a retirada da embaixadora espanhola em Buenos Aires María Jesús Alonso Jiménez e sua permanência definitiva em Madri. O governo argentino excluiu a possibilidade de responder ao gesto de retirar o embaixador, afirmando que a crise não é "entre países", mas "entre pessoas".
O desentendimento entre Madri e Buenos Aires som às declarações polêmicas do ministro dos Transportes da Espanha, Óscar Puente, que cometeu o "erro" — de acordo com seu próprio pedido de desculpas posterior — de sugerir que Milei havia ingerido "substâncias" antes de um discurso de posse, no início de maio, acrescentando que “há pessoas muito ruins que, sendo elas mesmas, chegaram ao topo”.
O líder argentino respondeu afirmando que o governo de Sánchez trazia "pobreza e morte" ao seu povo. Puente pediu desculpas, afirmando que havia cometido um “erro”. Depois disso, a questão foi “resolvida” e “finalizada”, segundo o porta-voz da Presidência argentina, Manuel Adorni.
Decoração em Madri
A nova visita de Milei a Madri também provocou polêmica, porque sua única outra atividade prevista, para além de receber o prêmio, é um encontro com a presidente da comunidade de Madri, a conservadora Isabel Díaz Ayuso, que lhe entregará o prêmio. A presidente da comunidade, segundo o El País, teria se alinhado a Milei durante o estouro da crise diplomática, justificando as falas do líder argentino com os comentários de Puente, que o teria "difamado primeiro".
Ayuso, figura em ascensão na direita e rosto visível da ala mais dura do Partido Popular, "revela uma profunda deslealdade para com as instituições espanholas", uma vez que não informou previamente o Ministério das Relações Exteriores "do seu encontro com um dirigente estrangeiro, tal como é exigido" por lei, afirmaram as fontes da chancelaria.
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Ayuso defendeu seu encontro com Milei nesta quinta-feira no parlamento regional de Madri, afirmando que "é uma honra receber o presidente legítimo" da Argentina.
— Não creio que a atribuição do prémio de Isabel Díaz Ayuso a Javier Milei tenha origem num súbito amor pelo povo argentino. Acho que ela está a fazer isso apenas para irritar — disse Patxi López, porta-voz socialista no Congresso.
Milei, que não poupou críticas contra Sánchez, chamando-o de "covarde" na terça-feira, em uma entrevista a um canal argentino, por ter feito "todos os seus ministros o insultarem", e acusou-o de aplicar "o modelo de [Nicolás] Maduro [da Venezuela]" para atacar a liberdade de expressão na Espanha.