Enquanto o governo do estado enfrenta uma crise política com a demissão do vice-governador Thiago Pampolha (MDB) da Secretaria de Meio Ambiente, órgãos da administração pública fluminense fazem contas e mais contas para atender à determinação de cortar 20% dos valores de todos os contratos. A ordem partiu do governador Cláudio Castro (PL) após a primeira reunião com os integrantes da Comissão Permanente de Acompanhamento ao Orçamento, Receitas e Despesas do Rio (CPEORD) no dia 8 de janeiro, da qual Pampolha também participou. A decisão foi tomada diante da previsão de déficit de R$ 8,5 bilhões no caixa este ano — e de “incertezas sobre a realização das receitas”, como consta na ata do encontro. O temor é que os cortes afetem serviços essenciais de Segurança Pública, Saúde e Transportes, entre outros setores.
- 'É um erro político grave', diz Washington Reis sobre Castro demitir vice-governador de secretaria
- Sem transparência: Alerj não informa quem indicou dois suspeitos presos pela morte de advogado nomeados na Casa
Neste sábado, o primeiro escalão deve apresentar a Castro as propostas de redução. O governo defende que a medida foca nas despesas que “não tenham como objetivo a atividade-fim das pastas” e que não afetará a prestação de serviços essenciais. No entanto, documentos obtidos pelo GLOBO mostram a preocupação dos gestores. Técnicos da Fundação Saúde, empresa pública que administra 49 unidades em todo o estado, entre Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e hospitais, dizem que o problema vai além do corte: eles calculam que os R$ 2,3 bilhões previstos para o órgão este ano acabam em julho — o pedido para custeio na Lei Orçamentária tinha sido de R$ 3,6 bilhões.
Menos investimentos
Outra preocupação dos técnicos é que há previsão de a fundação assumir a gestão de outras unidades, como o Hospital Getulio Vargas (HGV) e a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Penha — atualmente administradas por uma Organização Social. Numa reunião em 30 de janeiro, eles alertaram ainda que “é importante observar que não é possível manter o mesmo ritmo de investimento que houve no ano passado” e um dos assessores sugeriu expor “o que seria afetado em caso de corte de serviços e RH e qual seria o impacto na assistência à população e, com isso, tentar uma redução no percentual proposto”.
A ata dessa reunião mostra que a situação atual das unidades de saúde já não é adequada: “Muitas unidades já estão no limite mínimo de pessoal da assistência, estão com o RH bem reduzido e aquém do necessário, inclusive conforme a legislação dos conselhos de classe”. Foi ressaltado ainda que “muitos itens do investimento foram devidos às unidades, que chegaram a estar necessitadas, e que alguns itens nunca haviam sido comprados anteriormente”.
Na tarde da última quinta-feira, quem precisou de atendimento na UPA da Penha precisou enfrentar horas na fila para ser atendido. Do lado de fora, o padeiro Giovani Nicastro era um dos acompanhantes que aguardavam notícias de pacientes, no seu caso, da mãe de seu filho, que chegou às 9h à unidade. Com um tumor na cabeça, ela estava “bem nervosa” por sentir dor atrás dos olhos, explicou ele. Mesmo assim, foi preciso aguardar mais de quatro horas por um atendimento.
— Por volta das 10h, ela falou que estavam começando a chamar os pacientes das 6h, de dois em dois — desabafou Giovani, que, durante a tarde, informou que a mulher foi “dispensada, porque não atendem o caso dela lá”. — A gente paga tanto imposto esperando um atendimento minimamente digno, e vem isso aí.
Na espera também estavam a operadora de caixa Jaqueline Rangel e seu companheiro, o pintor Cláudio da Cunha, que se dirigiram à unidade para liberar o corpo do irmão de Cláudio, Édson, que morreu de cirrose. Por conta da notícia, a mulher teve um pico de pressão e tentou ser atendida.
— Perguntei se eu poderia ter prioridade, pois estava com a cabeça doendo. Mesmo se a pessoa estiver morrendo, eles não atendem. Prometeram atendimento só daqui três horas e desisti — conta ela, que detalha o que viu dentro da UPA. — Está horrível. Tem um moço passando muito mal, e a parente dele disse assim: “Não fecha o olho não, porque, se não, você não volta mais”. Ele está lá numa cadeira de rodas.
Impacto nas investigações
Na semana passada, a Polícia Militar sugeriu a “excepcionalização às reduções contratuais com o fito de não comprometer a eficiência do serviço”. Em 21 de fevereiro, o subsecretário de Gestão Administrativa da Polícia Civil, Alexandre Capote, recomendou ao secretário Marcus Amim pedir para a corporação ficar fora dos cortes. No ofício, que foi colocado sob sigilo, ele ressalta que a pasta tem atividades ininterruptas.
“Diante da singularidade do trabalho desenvolvido e do risco de impacto na atividade-fim, a implicar apuração de infrações penais, com possíveis reflexos junto aos demais órgãos que atuam na persecução penal e à sociedade”, escreveu Capote.
Outro órgão que afirmou não ter condições de cumprir a determinação é a Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística (Central), que administra os bondes de Santa Teresa e o Teleférico do Complexo do Alemão — que será reativado. Em documento enviado ao governador, Fabrício Abílio, presidente da empresa pública, explicou que 42% dos contratos são diretamente ligados ao funcionamento do bondinho e “vitais para a continuidade do serviço”. Os outros contratos são “cruciais e indispensáveis para a operacionalização básica” da Central. Foi proposta, então, a redução de 10% no contrato de internet do Bonde (redução de R$ 3,2 mil), de 20% na conta do telefone fixo (menos R$ 12 mil) e de 56% da compra de GPS para os bondes (economia de R$ 8,5 mil).
Dívida com a União
De acordo com a Fazenda estadual, o governo fechou 2023 com superávit de R$ 843 milhões. O presidente da Comissão de Orçamento da Alerj, André Correa (PP), diz que a redução dos contratos é uma medida que pode ajudar. No entanto, o maior impacto seria a renegociação da dívida do estado com o governo federal:
— Esse esforço é importante, mas é enxugar gelo. Qualquer tipo de investimento já está sendo contingenciado, porque o investimento é o primeiro que paga a conta.
Uma das saídas articuladas pelo Palácio Guanabara é uma renegociação da dívida dentro do Regime de Recuperação Fiscal. Com a previsão de desembolsar R$ 6,7 bilhões para a União este ano, Castro anunciou em dezembro que iria ao Supremo Tribunal Federal contra a União para não pagar juros, apenas a mora. A ação judicial foi substituída, no primeiro momento, por mais rodadas de negociação em Brasília. No entanto, a estratégia não tem sido exitosa.
Em uma reunião para apresentar os números da economia do estado de 2023 na Alerj, o subsecretário Geral de Fazenda Gustavo Tillmann se demonstrou pessimista com o atual estágio das conversas.
— As negociações não estão avançando como a gente gostaria, eles não estão tão abertos. Mas continuamos insistindo. Estamos oferecendo para eles as nossas considerações. Estamos indo junto à Secretaria do Tesouro Nacional e ao ministro (Fernando Haddad). E existem também o judicial, a presidência da República. E sem perder de vista a possibilidade de uma judicialização, caso a gente não consiga avançar com as negociações — disse Tillmann.
Leia a nota governo:
"Para garantir cada vez mais eficiência na aplicação dos recursos públicos e na gestão das contas fluminenses, o Governo do Estado está revisando os contratos administrativos das secretarias, órgãos e empresas públicas, visando à redução em 20% no valor dos contratos. A medida foca nas despesas que não tenham como objetivo a atividade-fim das pastas e não afetará a prestação de serviços essenciais à população. Os contratos para garantir a entrega direta de políticas públicas voltadas aos cidadãos serão mantidos.
No momento, os órgãos estão em fase de revisão das despesas. Apenas após a apresentação dos dados pelas pastas será possível estimar a economia gerada pela redução contratual.
Além da revisão de contratos, a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag-RJ) já vem se debruçando sobre novas modelagens e práticas do mercado com foco na eficiência. Dentre elas, a contratação conjunta pelos órgãos estaduais dos serviços de energia, brigada de incêndio e veículos híbridos e elétricos, que acarretará, de acordo com levantamento interno, uma economia em torno de R$ 1 bilhão para os próximos quatro anos."
Colaborou João Vitor Costa
Inscreva-se na Newsletter: Notícias do Rio