Rio
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Por — Rio de Janeiro

Embarcar num ônibus pela porta traseira e cruzar a roleta diante do posto de cobrador é uma memória do passado, quando o vale-transporte ainda era de papel. Mesmo assim, é possível reviver essa experiência em pleno 2024 graças a colecionadores do Rio que estão empenhando esforços (e suas economias) em comprar coletivos antigos, reformá-los e depois personalizá-los, deixando os veículos com a cara daqueles que transportaram tantos trabalhadores até outro dia. Entre compra e reforma, cada um pode chegar a R$ 100 mil.

Sucesso entre os busólogos (como são chamados aqueles que têm por hobby gostar de ônibus) e também motivo de nostalgia para quem era transportado por esses ônibus no cotidiano, o grupo quer organizar a primeira exposição de ônibus antigos do Rio, coisa que, atualmente, só é possível viajando para São Paulo e Juiz de Fora (MG), por exemplo. Eles tentam liberação para realizar o evento em Duque de Caxias em setembro. Ao todo, os colecionadores calculam que há ao menos 10 pessoas no estado com ônibus reformados neste estilo.

Revivendo memórias

Os ônibus da cidade do Rio sempre tiveram identidades visuais próprias, que se diferenciavam de acordo com a empresa que operava cada linha. No entanto, em 2010, com a criação de quatro consórcios — Intersul, Internorte, Transcarioca e Santa Cruz —, as pinturas foram resumidas a um padrão, que só se diferenciava pela cor: amarela, verde, azul ou vermelha, respectivamente.

Como forma de “protesto”, o comerciante Fernando Noleto, de 39 anos, decidiu trazer de volta aquela imagem “raiz” que, na ocasião, tinha desaparecido das ruas da capital fluminense. Ex-motorista de ônibus — profissão que, enquanto exerceu, considerou como a realização de um “sonho” — encontrou pela internet um ônibus em São Paulo, modelo Mercedes-Benz Caio Vitória 1994, que estava parado há 12 anos e que havia sido leiloado.

— Quando subi no teto, vi a sombra da numeração antiga (da Auto Viação Alpha) — conta ele, que viu ali a chance ainda de reviver memórias e comprou o veículo. — Sou de São Gonçalo, e esse tipo de carro não tinha lá. Como ia com a minha avó para o antigo Mergulhão da Praça Quinze, ficou a memória desse ônibus, desse modelo, dessa pintura, que era diferente daquelas da minha cidade.

O colecionador Fernando Noleto mandou gráfica confeccionar letreiros de lona de seu ônibus, fiel ao tamanho e ao tipo de fonte da época — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
O colecionador Fernando Noleto mandou gráfica confeccionar letreiros de lona de seu ônibus, fiel ao tamanho e ao tipo de fonte da época — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

Foi então que começou a saga. Munido de muita disposição, partiu atrás de peças, especialmente as do interior, como botões do painel e o estofado original dos bancos dos passageiros. Além da preocupação em ser fiel às cores na lataria, ele ainda mandou confeccionar os letreiros de lona do ônibus: depois de pesquisa para mapear as linhas que a empresa — ainda atuante, na Zona Sul e na região da Tijuca — operava na época, como a já extinta 413 (Muda—Copacabana), ainda foi preciso atenção para usar o mesmo tipo de fonte e tamanho da letra.

Pinturas desaparecidas

Desde 2018, a prefeitura voltou a permitir que cada empresa de ônibus tenha sua própria identidade visual. No entanto, muitas viações cariocas já tinham desaparecido: ao menos 16 fecharam as portas desde 2010.

Pensando nisso, os irmãos Darles e Metuzalen Amaral, de 49 e 46 anos respectivamente, que conseguiram adquirir seus dois primeiros ônibus em 2023 e 2024, optaram por aderir às cores de empresas que não existem mais.

O primeiro ônibus, um VW Marcopolo Torino GV 1997/1998, comprado depois de muita pesquisa online, foi um achado: por pertencer à banda de um colégio na Pavuna, ele foi pouco usado e tinha apenas 135 mil quilômetros rodados.

Metuzalen Amaral escolheu pintura da Viação Acari por lembrar dos tempos em que andava na linha 254 (que à época fazia o trajeto Madureira—Praça Quinze) — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Metuzalen Amaral escolheu pintura da Viação Acari por lembrar dos tempos em que andava na linha 254 (que à época fazia o trajeto Madureira—Praça Quinze) — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

— Quando a gente era pequeno, morava atrás de uma garagem de ônibus em São Gonçalo. Eu subia no último galho da árvore para vê-la. Mas, aos 15 anos, me mudei para Madureira. É quando entra a Viação Acari: eu pegava o 254 (à época fazia o trajeto Praça Quinze—Madureira) na Central para ir para casa. Por isso veio a inspiração de fazer essa pintura neste carro — conta Metuzalen, que explica que as escolhas são sempre inspiradas em memórias afetivas.

A empresa lembrada na pintura, que encerrou suas atividades há três anos, também operava linhas como a 277 (Rocha Miranda—Candelária), 607 (Cascadura—Rio Comprido) e 650 (Engenho NovoMarechal Hermes). A missão para encontrar peças originais parecia impossível. Por isso, o jeito foi apelar aos amigos pelo WhatsApp.

Colecionadores de ônibus resgatam pinturas antigas do Rio​

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— Tínhamos uma exposição, o tempo estava passando, então mandei um áudio nos grupos: “Preciso de uma janela e de uma porta traseira, pelo menos”. Em menos de três dias, um colega nosso que é motorista da 292 (Engenho da Rainha—Castelo) estava passando no Engenho da Rainha e viu um reboque com carcaças. Uma era exatamente a que a gente queria. Ele parou, fez um vídeo rapidinho, e falou a rua que estava entrando — lembra Darles, que saiu com o irmão, a bordo de uma Fiorino, atrás do ferro-velho, batendo de porta em porta até sair de lá com todas as peças necessárias.

Atualmente, o dono do estabelecimento vive oferecendo coisas: até um BRT, daquele modelo azul, desativados no fim do ano passado, foi oferecido por R$ 60 mil, mas os irmãos não aceitaram. Atualmente, eles já estão trabalhando na reforma de dois outros ônibus, mas mantêm segredo sobre qual será a pintura adotada nos veículos.

No início deste ano, foi a vez de um Busscar Urbanus Plus 2008 sair do forno. Mesmo sem ter sido um modelo usado pela Viação Rubanil, a homenageada da vez, os irmãos reformaram toda a parte interna do coletivo, trocando o piso, por exemplo, e optaram até por tirar a roleta e o banco de cobrador. Na parte de fora, até uma tecnologia mais recente, o letreiro de led, foi adotado, programado com trajeto das linhas originais da empresa, como 350 (Irajá—Passeio), 665 (Pavuna—Saens Peña) e 685 (Irajá—Méier).

— Tenho uma tia que morou em Belford Roxo e, na nossa infância, era preciso pegar três ônibus para chegar na casa dela. Às vezes, fazíamos parte do caminho com a 376 (Pavuna—Praça Quinze) — conta Darles, justificando a escolha pela pintura da Viação Rubanil.

Darles Amaral a bordo do ônibus que reformou, e colocou as cores da Viação Rubanil — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Darles Amaral a bordo do ônibus que reformou, e colocou as cores da Viação Rubanil — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

Fãs até da nova geração

As redes sociais e sites dedicados a fotos de ônibus garantem que os modelos sejam conhecidos Brasil afora. É pelo telefone também que recebem algumas mensagens nostálgicas de quem tem memórias a bordo de um ônibus desses.

— Minha satisfação não é alguém elogiar o carro, é a pessoa olhar e ter uma memória igual a que eu tive com ele. Relembrar da época de escola, de namoro, algum passeio em família: essa é minha maior realização, principalmente quando encontro alguém que trabalhou nele, como quando eu estava em Três Rios (RJ) e o cara da carreta parou para falar comigo, que já tinha dirigido esse ônibus — observa Noleto.

Mini busólogo: Gustavo a bordo de um modelo antigo, mais velho que ele — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Mini busólogo: Gustavo a bordo de um modelo antigo, mais velho que ele — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

Para mostrar os ônibus a mais pessoas, os amigos, que moram em Caxias e São Gonçalo, costumam levar os coletivos a passeios pelo Centro do Rio ou ao Aterro do Flamengo, ocasiões em que os desavisados chegam até a dar sinal para embarcar.

Entre os “fãs” tem até quem não embarcou nesses veículos quando estavam em plena atividade.

— Gravo o modelo, o chassi, as configurações, mas o que eu acho mais legal são a carroceria e a pintura — conta Gustavo Coutinho, busólogo de 13 anos, que sonha em ser mecânico. — Sempre gostei de carro, mas, quando você gosta tanto, acaba enjoando: resolvi aprender sobre avião e caminhão, mas foi com os ônibus onde mais me identifiquei.

Quando sua mãe, Giselle Coutinho, foi ensiná-lo a andar de ônibus, foi o filho quem demonstrou conhecimento.

— Fiquei muito perdida, não sabia nem em qual porta entrar, nem o preço da passagem. Fui andar com ele para ensinar, mas ele já sabia tudo — conta ela.

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